quarta-feira, 31 de julho de 2013

As aventuras de D. Iraci e D. Nena - O dia em que Marluce quase virou jantar



O Dia em que Marluce quase virou jantar

Marluce, a galinha, ciscava calmamente no quintal em uma quente tarde de novembro. Dona Iraci terminava de esfregar a roupa antes de colocá-la para 'bater' no tanquinho, cantarolando uma de suas canções favoritas, enquanto ficava de olho em sua amiga penosa.

"Lari, lará, lari, lará....Alejandro!" (Dona Iraci era fã da Lady Gaga).

Quando termina de esfregar a roupa e coloca o tanquinho para funcionar, ela chama o filho Gleidson, que setava sentado ali perto, ouvindo música em seu MP3:

"Ô Gleidson! Fica de olho na Marluce e prende ela no galinheiro antes de entrar pra dentro!"

Gleidson, com os fones de ouvido bombando um funk barulhento, tem uma vaga noção de seu nome sendo chamado, e vira o rosto em direção à mãe, sem ter a menor idéia do que ela está dizendo, e balança a cabeça, concordando. Alguns minutos depois, Charlene, a filha de Dona Nena ( por quem ele arrastava um caminhão) grita seu nome, e ele sai desarvoradamente para encontrá-la no portão. A tchutchuca o convida para dar uma volta, e Gleidson nem se preocupa em fechar o portão antes de sair.

Do outro lado da rua, Marluce é observada por uma olhar frio e calculista, que a filma por entre as frestas de uma cerca de madeira: É Frieda, a cadela alemã de Dona Gerda. Ela anda de um lado para o outro, calculando a melhor maneira de vencer a cerca de madeira e aproveitar aquela oportunidade única. Finalmente, anda alguns passos para trás e, no embalo de uma corrida, salta por sobre a cerca.



Marluce cisca despreocupadamente, mas logo estica o pescoço e sente o perigo no ar, a rondá-la. Batendo as asas, ainda tenta chegar até a porta da cozinha - onde Dona Iraci está lavando um pé de alface - mas é arrebatada em sua fuga pelas garras da fria cadela Frieda. Começam um cacarejar e um ruflar de asas desesperados, e Iraci, largando o pé de alface dentro da pia, vem correndo em resgate de sua amada Marluce.

Ao deparar com a cena de sua grande amiga sendo depenada pela malvada Frieda, ela leva as mãos ainda molhadas à cabeça e solta um grito desesperado: "Valha-me Deus, que a Marluce tá sendo atacada pela tropa alemã!" E sai correndo, já munida com sua vassoura, que usa para atingir as costas da impiedosa cadela, até que a mesma, desistindo de seu jantar (que já não estava mais tão fácil de conseguir), bate em retirada. Ainda tem, entre os dentes, algumas penas da pobre Marluce.

Desesperada e aos prantos, Iraci ajoelha-se no chão, enquanto Nena, a vizinha, atraída por seus gritos angustiados, a observa do seu lado do muro: "Ela tá viva, Iraci?"

De dentro da confusão de penas espalhadas, um som lamurioso: "Cóóó..." Iraci responde: "Graças a Deus, ela tá viva, sim! Mas aquele peste do Gleidson vai me pagar, ara se vai!" E colocando a sua pobre amiga depenada de pé, procura ´por ferimentos, mas não encontra nada. Marluce, ainda assustada, move a cabeça de um lado para o outro, enquanto um pensamento começa a se formar na mente de Iraci:

"Ara... foi aquela cadela nazista!"

Nena bate na própria testa, pensando: "Lá vem mais confusão!"

"Mas eu vou lá 'gorinha mesmo tirar satisfação com aquela condenada, 'cê vai ver!"

E atravessa a rua, gritando o nome de sua arqui-inimiga, com a Marluce nos braços:

"Dona Geeerda! Dona Geeeeeeeerda!"

Nisso, a platéia de vizinhos às janelas e calçadas, segurando vassouras e fingindo varrer para disfarçar, já tinha se formado. Dona Gerda vem lá de dentro de casa, uma mecha de cabelo ruivo sobre o olho esquerdo, cheia de sorrisos:

"Ah, olá, Dona Irrraci, em que possa serrr útil?"

Iraci, gritando: "Olha só o que a desgramada de sua cadela fez com a minha Marluce! Quase matou ela, se eu não chego a tempo! Vê se mantém essa fia duma égua dentro de casa, senão da próxima vez eu jogo água fervendo nela!"

Consternada, a bela alemã afasta o cabelo do rosto com uma virada de cabeça (provocando o murmúrio guloso dos homens da redondeza, alguns tocando de leve suas partes baixas, enquanto ela requebra até a calçada:

"Ooooh! Eu sinta muito, muito mesma! Desculpe, dona Irraci! O que posso fazerrr para conserrtarr este terrível acontecimento? Poprrezinha da Marrrluce!"

Iraci, já com Nena ao seu lado para prevenir qualquer ação impensada, responde: "Mantendo aquela cadela desgraçada na corrente, isso sim!"



Mais uma vez, a alemã se desculpa, e Nena, conseguindo acalmar sua comadre, a convence a entrar novamente em casa. Enquanto isso, atraídos pelos gritos de Iraci, Charlene e Gleidson se aproximam. Dona Iraci agarra o menino pela orelha, e o leva portão adentro, repetindo: "Quantas vezes eu tenho que te mandar fazer as coisa direito?"

Na manhã seguinte, Gerda bate palmas no portão de Iraci. Ela olha pela janela, e vê que a alemã está ao portão, segurando uma caixa de papelão:

"Bom dia, dona Irrraci! O Marrrluce está melhor?"

Desconfiada, e com a colher de pau na mão, Iraci grunhe uma resposta monossilábica e ininteligível. Gerda, ainda sem-graça, estende-lhe a caixa de papelão:

"Porrr favorrr, aceite esta prresente como uma maneirra de me desculpar!"

Iraci apanha a caixa e a abre, olhando de soslaio para Gerda. Quando vê o conteúdo - um lindo galo vermelho - não consegue disfarçar seu contentamento. Devolve um sorriso meio-apagado, murmura um obrigada entre os dentes, enquanto a alemã se afasta, requebrando as belas cadeiras.

E foi assim que Marluce ficou noiva de Alejandro, um belo galho vermelho, tão ruivo quanto a bela alemã.



2 comentários:

  1. Nem preciso dizer que gostei! A leitura é agradável, prende a atenção, e sua escrita é sempre perfeita, passando-nos bons e humorados textos.Bjs.

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  2. Oi amiga Ana
    Com certeza seus contos nos prendem sempre, gostoso de ler e ficamos sempre querendo mais ou mais capítulos das histórias, tal a desenvoltura de cada linha


    Abraços,
    Trocyn Bão - Thiago

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