domingo, 1 de setembro de 2013

O Marido Perfeito






O MARIDO PERFEITO

Amélia limpa as mãos no avental, pega a forma com massa de bolo que acaba de preparar e inclina-se, abrindo a porta do forno. O vapor quente faz aumentar as gotículas de suor em sua testa. Enquanto espera o bolo para a sobremesa ficar pronto, descasca alguns legumes para o jantar. Lá fora, as crianças brincam, e Amélia se lembra de que ainda precisa arrumar os uniformes para a manhã seguinte. Precisa apressar-se, pois dentro em breve, Jece chegará em casa, e ela nem sequer pôs a mesa para o jantar. 

Enquanto vai realizando suas tarefas, ela se lembra da conversa que tivera com as amigas pela manhã, enquanto faziam compras no mercado, antes de ir para o trabalho. Uma de suas amigas reclamava do marido beberrão, a outra, que não fazia sexo há quase um mês. Amélia suspira fundo e dá graças a Deus, pois tem o marido perfeito: não bebe, não fuma e não tem qualquer tipo de vício. Não deixa faltar nada para as crianças, bota comida em casa, não é violento, e cumpre com suas obrigações conjugais uma vez por semana. Bem, de forma meio-automática, ou seja, "eu-forneço-o- brinquedo- e-você-se-diverte, se puder," mas pelo menos, nem isso lhe falta. 

Logo ouve o barulho do carro, e o familiar ranger do portão se abrindo. Tira o avental e corre para a porta, a fim de recepcionar o marido. Mas Jece mostra-se mau-humorado e reage apenas automaticamente ao seu beijo de boas-vindas. Senta-se no sofá e liga a TV. Amélia põe as crianças para tomar banho antes do jantar, e desliga o forno, colocando o bolo para esfriar sobre a pia.

Enquanto prepara a cobertura de chocolate, o movimento elíptico da colher na calda marrom-escura a faz entrar em transe. Logo, seus pensamentos a conduzem por lugares que não gostaria de ir. Lembra-se das muitas vezes em que, durante certas crises, o marido prometera que iriam contratar alguém para ajudá-la no serviço de casa, nunca cumprindo a promessa. Ou que fariam a tão sonhada viagem, a mesma que ele vinha lhe prometendo há anos, mas sempre surgiam outras prioridades, como trocar o carro, comprar uma TV de quarenta e duas polegadas para assistir a Copa do Mundo ou reformar a casa. 

Lembra-se das vezes em que ele liga do escritório na última hora, dizendo que vai chegar tarde em casa, e que no dia seguinte, ela sente cheiros estranhos nas suas camisas, quando as coloca na máquina de lavar.

Na sala de estar, Jece parece assistir TV, mas pensa sobre a nova secretária que anda se insinuando para ele. Tenta decidir se terá ou não um caso com ela, ou se continuará saindo com a garota do departamento pessoal. Ter casos não era um problema para ele, pois sabia administrá-los muito bem, de maneira que Amélia nunca tinha descoberto nenhum deles. Sabia conduzir a coisa com tanta maestria, que a esposa não só conhecia, como dava-se muito bem com todas as suas amantes. Elas até lhe serviam xícaras de café quando ela ia visitá-lo no escritório. No fundo, Jece achava-se com esse direito, já que era o marido perfeito: comia fora, mas também comia em casa, a fim de agradar a patroa, mesmo quando não estava com fome.

Na cozinha, o ressentimento de Amélia começa a engrossar e ferver, junto com a calda de chocolate, e finalmente, transborda. Ela apaga o fogo, jogando a lava fumegante sobre o bolo. Respira fundo, gritando: "Já vou servir o jantar!"

Quando põe o último prato sobre a mesa, as crianças já estão sentadas. Jece surge, já de pijamas, arrastando seus chinelos sobre o piso encerado. Começam a comer, e Amélia, já de volta de seu transe, ajuda a todos a fazer seus pratos, sendo a última a servir-se. Conversam animadamente sobre as coisas do dia. 

Lá fora, na casa logo em frente, que estivera vazia durante vários meses, há movimento: um novo vizinho acaba de mudar-se. É alto, forte, bonito, sedutor e solteiro. Procura pela mulher de sua vida.

O vento sopra forte, e o destino entra sorrateiro pela janela da sala de jantar.



2 comentários:

  1. Olá amiga Ana
    Belo texto, mas acho que sou o marido imperfeito então, pois não considero a minha mulher uma " amélia " e procuro ajudá-la da melhor forma
    Ventos estranhos não entram lá em casa rsrs

    Abraços,

    Trocyn Bão - Thiago

    ResponderExcluir
  2. Bom dia Ana.. obrigado da visita.. o marido perfeito é aquele que compartilha não só o amor da esposa, mas aquele que ajuda no cotidiano sem nunca cobrar.. os casais só dão certo quando um não prende o outro lindo dia até sempre

    ResponderExcluir

Obrigada por visitar-me. Adoraria saber sua opinião. Por favor, deixe seu comentário.

A RUA DOS AUSENTES - Parte 4

  PARTE 4 – A DÉCIMA TERCEIRA CASA   Eduína estava sentada em um banco do parque. Era uma cinzenta manhã de quinta-feira, e o vento frio...