quinta-feira, 1 de maio de 2014

O Aniversário



Sentou-se na varanda de manhã bem cedo - nem bem raiara o dia. Aspirou os doces perfumes do ar gelado, aconchegando-se à manta que a envolvia. Aquele seria mais um aniversário - o segundo - no qual a aniversariante não estaria presente.

Ela pensou em outros aniversários, nos quais a família reunida e alguns amigos mais próximos cantaram o bom e velho "Parabéns a você", esquecendo-se de que o tempo não perdoa a efemeridade dos momentos. A vida é tão frágil quanto a chama das velas que são sopradas a cada ano, e quanto mais velas há sobre o bolo, menos anos de vida nos aguardam.

Lembrou-se das caixas de presentes coloridas sobre a cama, e o quanto a aniversariante gostava de experimentar tudo o que ganhava de presente: roupas, sapatos, cachecóis, bolsas. Ela vestia tudo, tentando fazer combinações com as peças antigas que já estavam no armário, combinando cores e padrões e tecendo comentários sobre onde e quando poderia usar cada traje. As filhas ficavam em volta, dando opiniões.

Mas não naquele Primeiro de Maio; não haveria reunião. Não haveria bolo, nem festa. Por que as pessoas tem sempre a mania de não mais festejar os aniversários de quem já morreu? Se acreditamos na vida que continua, e se há tantas lembranças boas, não seria esta uma maneira de manter acesa a lembrança dos que se foram? Sem contar que também poderia ser um pretexto para reunir a família! Imaginem: toda a família reunida na sala, comemorando, olhando fotos antigas, recordando velhas histórias... seria como se a pessoa que se foi estivesse novamente ali. Poderia ser um momento alegre.

Mas não; as pessoas gostam de colocar um diadema negro sobre todas as ausências. A morte é o maior tabu, O Intocado, o evento que todos fazem questão de cobrir com uma densa camada de silêncio. Precisamos, desesperadamente, esquecermos das velinhas que todo ano colocamos sobre os nossos bolos.

Ela suspirou fundo; olhou para cima, e viu que um pássaro havia pousado na ponta mais alta do pinheiro, balançando-se no ar, agitando as asas sobre a fragilidade das coisas. Tudo é como sempre foi, e sempre será. Mesmo assim, tudo muda.


4 comentários:

  1. Lindo te ler e realmente, festejar com a família reunida, deixaria quem já se foi feliz! beijos,chica

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  2. Sempre assim foi e, imagino, sempre assim será.
    Não estou a ver a familia reunir-se com bolo e velas, festejando a morte de alguém...Até me parece sádico, confesso

    Mas respeito a opinião de que pensa o contrário..

    Deixo abraço
    ******************
    http://pensamentosedevaneiosdoaguialivre.blogspot.pt/

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    Respostas
    1. Caro Ricardo, usei a palavra festejar inadequadamente, pois causou uma outra interpretação contrária a que eu pretendia; quis dizer que a lembrança deve ser sempre guardada, e celebraremos a vida de quem se foi, e não a sua morte - se bem que, aqueles que acreditam na vida eterna, deveriam ver a morte como um motivo para celebração, um rito de passagem.
      Abraços.

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  3. Ana, eu penso assim também, sabia? Todo ano em outubro eu lembro do niver da minha vó e pra mim, ela está viva em algum lugar então eu sorrio, lembro do seu rosto, do seu sorriso e se acontecer escrevo algo pra ela.

    Eu entendi a fundo a essência do seu texto e olha, o pássaro lá na árvore veio apagar as velinhas imaginárias ou anunciar que tem uma estrela especial brilhando lá no céu.
    bacios

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