quinta-feira, 5 de junho de 2014

A Última Dança


Do alto de sua varanda, ela olhava a rua e o movimento que passava pelo portão de sua casa, sentada em sua velha cadeira de vime. As pessoas que iam e vinham quase nunca notavam sua presença silenciosa e observadora... observadora? Via ela, realmente, alguma das coisas que parecia observar? Não... na verdade, ela olhava e via outras coisas, outro mundo... 

A casa era muito antiga, tendo sido uma das primeiras a serem construídas naquela rua. Tivera sua fase áurea, e reinou sobre todas as outras casas que foram sendo construídas à sua volta. Reinou tão majestosamente, que foi a única que sobreviveu ao progresso. Todas as outras foram sendo substituídas por modernos prédios de apartamentos, mercados, estacionamentos. Sobraram, da antes tão vistosa alameda, apenas algumas árvores. 

Ela morava ali há tanto tempo, que ninguém mais se lembrava dela. Os seus vizinhos sabiam apenas que na casa velha junto ao terreno baldio, morava uma senhora muito idosa, cujo nome ninguém sabia, e cujas compras eram entregues pontualmente às sextas-feiras em sua casa pelo rapaz da mercearia. E já houvera muitos entregadores diferentes ao longo dos anos!

Ela não saía. Tinha uma rotina, porém: acordava, ia até a cozinha preparar seu café preto, que tomava com uma ou duas bolachas, e depois comia uma fruta qualquer; assistia TV quase a manhã toda, depois dava um jeito na casa (um jeito bem sem-jeito); ao meio dia e trinta ela almoçava; geralmente, uma sopa de legumes. Depois, cochilava em sua poltrona por alguns minutos.

Durante o resto da tarde, ela sentava-se na varanda do segundo andar, e observava. Ou fingia observar. Se estava frio, ela enrolava-se em seu xale marrom. Se calor, levava consigo um copo de água.

Mas à noite, ela abria seu velho álbum de fotografias, e eles enchiam a sala! sentavam-se à sua mesa e jantavam com ela; jogavam cartas, tomavam licor, conversavam alto e riam, riam, riam... às vezes, um deles a convidava para dançar, e ambos rodopiavam pelo soalho empoeirado da sala de estar  - que, nestas horas, parecia cintilar de tão limpo.. E ela era jovem novamente. Incansável. E ria, ria, ria...

Um dia, ela não apareceu mais na varanda. O rapaz da quitanda tocou a campainha, e ninguém atendeu. 

Quando eles vieram abrir a porta e procurar por ela, já temendo o pior, nada encontraram. Nem sinal da velha senhora. Apenas um álbum de fotografias permanecia aberto sobre a mesa, e nele, a imagem de uma jovem e linda mulher sendo conduzida em uma valsa. E ela ria, ria, ria...


5 comentários:

  1. Boa noite,
    Tudo é esquecido ao longo dos anos, até as pessoas que ao longo dos anos observaram e aconselharam.
    Gostei de ler o conto que é magico como o desaparecimento da senhora enquanto dançava.
    Abraço
    ag

    http://momentosagomes-ag.blogspot.pt/

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  2. Ana, gostei muito de seu conto "A Última Dança". Parabéns.
    Desejo a você um bom final de semana.
    Abraço.

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  3. Olá, Ana, tudo bem ?
    O que segue, além da curiosidade ?
    Desejos, de um bom fim de semana.
    Paz, saúde e paciência sobre tudo, afinal, nesta correria em que a vida transformou-se, é o humor, que seduz a alma e faz acontecer.
    Um abraço.

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  4. Querida amiga

    Que conto belo
    E ela ria, ria e ria...
    E é como se ouvíssemos
    o som de sua voz na canção
    levada pelo vento...

    São belas
    as palavras
    que nos acariciam
    o coração...

    Obrigado por semear o belo
    em um mundo tão carente
    de sentimentos bons.

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  5. Ana hoje vim nesta casinha sua, esta que guarda tantas belas histórias, menina que conto maravilhoso, eu amei, preocupei-me com a senhora, tive pena e depois me emocionei, lindo Ana, e o teu livro de contos já está pronto? beijos Luconi

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