segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Os Enfeites de Natal





Dia 20 de dezembro. Sozinha na sala de estar, Giovana começou a abrir as caixas com enfeites que tinha colocado sobre o sofá naquela manhã. Os mesmos que ela usava há tantos anos... cada qual com um significado especial. Alguns, confeccionados quando todos ainda eram crianças, com materiais que variavam do isopor e purpurinas às fitas douradas e vermelhas. Muitos traziam as marcas da passagem do tempo, mas mesmo estando um pouco gastos, colados ou emendados, ou com as pontas desfiadas, eram aqueles enfeites que ela usava todos os anos.

Lembrou-se com carinho das pessoas que já não faziam mais parte de sua vida; algumas tinham morrido, e outras, tinham partido de alguma forma. Giovana tentara, muitas vezes, fazer-se presente, mas depois de algum tempo, notou que aquelas tentativas eram forçadas e causavam constrangimento, não só a ela, mas às pessoas envolvidas; recordou-se do último Natal, quando aparecera de surpresa na casa de Luiza, uma de suas irmãs, achando que ela estaria tranquilamente passando a noite com o marido e os filhos - e da cara constrangida que a irmã fez ao mandá-la entrar em uma sala de estar ricamente decorada, onde uma linda festa (para a qual não tinha sido convidada) tinha sido preparada. Seus sobrinhos demonstraram o mesmo constrangimento da mãe, sorrindo-lhe sorrisos amarelos, e cumprimentando-a: "Olá, tia. Feliz natal!" Giovana foi à cozinha buscar um copo d'água e ouviu, sem querer, quando Sérgio, seu cunhado, conversava em voz baixa com Luiza: 

-E agora? Os convidados vão chegar em alguns minutos! Como você vai sair dessa? 

-Eu não sei... não esperava que Giovana fosse aparecer.

-Eu disse a você para convidá-la.

-Sim, mas... todos os nossos amigos estarão aqui, e eles não tem nada a ver com ela. Giovana anda muito deprimida depois do divórcio, não é uma boa companhia para uma festa de Natal.

Ela escutou a conversa em silêncio, sentindo que seu coração se despedaçava. Voltou devagarinho para a sala, com muito cuidado para que ninguém percebesse que ela ouvira. Pegou sua bolsa sobre o sofá, e quando estava se encaminhando para a saída, Luiza e Sérgio entraram na sala. Sua irmã perguntou:

-Já vai?!

Giovana tentou disfarçar:

-É... só passei mesmo para desejar a todos um Feliz Natal.

Sem o menor tato, Sérgio respondeu:

-Obrigada! Mas bastaria ter telefonado, cunhada. Feliz Natal para você também.

Todos se entreolharam, e tentaram aparentar naturalidade. Escondendo as lágrimas, que arrebentaram assim que saiu da casa, Giovana retirou-se. 

De volta ao presente, com gestos automáticos, ela montou a velha árvore e começou a pendurar os enfeites. Depois, colocou as luzes e moveu-a para o mesmo cantinho da sala de estar. Acendeu-a, e olhou o resultado sem nenhum entusiasmo.

Jantou, assistiu a um filme natalino na TV e foi dormir cedo. 

Seria mais um Natal que passaria sozinha, recordando um passado distante e pessoas que não mais faziam parte de sua vida. Ela sabia muito bem que depois do divórcio, tornara-se um tanto melancólica, e com isso, percebeu que jamais tivera amigos verdadeiros. A única que ficara do seu lado o tempo todo, era sua amiga Mariana, mas com medo de ser um fardo até mesmo para ela, não aceitava seus convites para as festas. Ficava sozinha em casa. Participava da festinha do escritório por obrigação, mas o Natal tornara-se para ela um verdadeiro tormento.

Só montava a velha árvore porque tinha prometido à sua falecida mãe que sempre comemoraria o Natal. Desde criança, fora ensinada que esta tradição de família deveria ser seguida sempre. Mas nada mais tinha graça... Giovana chorou um pouco, e adormeceu.

De manhã, ao despertar, olhou em volta, sentando-se na cama. Achou que as coisas pareciam diferentes, e então viu que estava em seu quarto de solteira! Pulou da cama, sentindo uma energia que há muito tempo não sentia, e ao olhar-se no espelho, ela quase caiu para trás: estava jovem novamente! Do alto dos seus quinze anos de idade, Giovana ouviu a voz da mãe cantarolando na cozinha, e logo depois, a porta da frente bater e a voz de seu pai. Quase não conseguiu segurar a emoção ao ouvir aquelas vozes de pessoas tão amadas e há tanto mortas...

Vestiu seu robe azul - seu preferido - e correu quarto afora. Chegou na cozinha e ao ver a cena que se desenrolava na sua frente (a mãe fritava rabanadas e o pai colocava as compras de natal sobre a mesa) - Giovana correu até seus pais e  abraçou-os, chorando muito.

Eles deixaram que ela se acalmasse, e sentaram-se com ela à mesa.

-Pai, mãe... vocês estão...

Sua mãe riu, terminando a frase:

-...Vivos? Mas é claro que estamos! Mas parece-nos que você não está, Giovana, e por isso nós a trouxemos aqui. 

O pai concordou com a cabeça, afagando-lhe os cabelos:

-Você se perdeu de si mesma, filha.

Giovana recomeçou a chorar:

-Minha vida está um verdadeiro desastre... depois que Sandro se foi, eu realmente perdi o rumo da minha vida. Acho que ele era a minha conexão com o mundo, o ponto de intersecção com nossos amigos e familiares. Até mesmo Luiza afastou-se de mim... imaginem que ela deu uma festa de Natal e não me convidou.

Sua mãe ergueu-lhe o queixo, olhando-a profundamente nos olhos:

-Você precisa reagir. Precisa dar um jeito nisso, filha. Sempre deixou sua vida e suas decisões importantes nas mãos de outras pessoas. Nunca enxergou suas verdadeiras qualidades e negligenciou todos os seus talentos. 

O pai acrescentou:

-Casou-se com Sandro simplesmente porque ele a pediu em casamento. Não achou que merecesse coisa melhor. Lembra-se do quanto eu procurei alertá-la para o mau caráter dele? Filha, você partiu nosso coração ao entregar sua vida a um homem como ele; mas também partiu o seu, o que mais dói para nós. Deveria estar feliz por ele ter ido embora.

-Mas Sandro era alegre e engraçado, pai. Ele me fazia rir... por isso tínhamos tantos amigos, mas todos se foram depois que ele me abandonou.

A mãe de Giovana suspirou fundo:

-Não, vocês não tinham amigos; tinham companheiros de farra. Lembro-me das festas que davam, regadas a muita bebida e muita comida. As pessoas se foram simplesmente porque a festas acabaram. Você nunca cultivou amigos verdadeiros, amigos seus. Entrou no mundo de Sandro e deixou-se sufocar por ele. Anulou-se.

Giovana sentia a dor que as palavras de seus pais causavam-lhe, principalmente por sabê-las verdadeiras. Deu graças a Deus porque, afinal de contas, restava-lhe uma única amiga: Mariana.

-Mas o que fazer agora? Eu tenho quase quarenta anos, meu único filho preferiu ir viver com o pai e a nova madrasta, e não vem em casa há seis meses. Mal fala comigo quando telefono para ele. Minha própria irmã me abandonou...

-O pai e a mãe se entreolharam, e ele segurou a mão da filha, dizendo:

-Luiza vive em um mundo de ilusão, Giovana. Igualzinho ao que você vivia com Sandro. Dá mais valor aos amigos que à família. Nem vê que está cercada de amigos interesseiros, que só a procuram por causa de seu dinheiro, suas festas... mas quando a vida que eles cultivam der a eles a sua resposta, ela verá que esteve errada.

Em seguida, sua mãe continuou:

- Giovana... filha... você nunca exerceu sua autoridade sobre Fernando, seu próprio filho...

-Ele não me ama. Com certeza, foi envenenado contra mim pelo pai.

-Não é verdade... ele está ressentido porque, quando o pai disse que fosse morar com ele, você não tentou fazê-lo ficar. Simplesmente deixou que ele fosse.

-Ele fez o que queria fazer.

-Não! Ele fez o que você o deixou fazer, mas no fundo, queria que você tivesse pedido para ele ficar. 

-Agora é tarde demais...

O pai ergueu um pouco a voz:

-Não é não! Ainda é tempo de reconquistar seu filho e sua vida! Saia daquele emprego que você detesta, convide seu filho para passar o natal com você e Mariana - aceite o convite dela desta vez - e quanto à sua irmã, dê tempo ao tempo. Você, mais do que ninguém, sabe que de nada adianta alguém chamar quando o outro quer continuar perdido.

Chorando, Giovana abraçou os pais e respondeu:

-Eu só queria poder ficar aqui com vocês...

Sua mãe respondeu com severidade:

-Mas você não pode! Precisa voltar e reconstruir a sua vida. E faça direito dessa vez! Filha... eu e seu pai estamos aqui olhando por você. Saiba que teve uma oportunidade rara. Não a desperdice!

Ao ouvir aquilo, Giovana sentiu que se afastava aos poucos daquela cena na cozinha, onde seus pais, abraçados um ao outro, olhavam para ela enquanto uma densa neblina os envolvia, e ela se afastava cada vez mais...

Ainda pode ouvir a voz da mãe:

-E jogue fora aquele caco que você chama de árvore de Natal! Livre-se do passado!

Acordou com o canto dos passarinhos na árvore próxima à janela. Levantou-se da cama, e ainda esfregando os olhos, foi até a sala, e começou a desmontar a velha árvore. 

Decidiu que compraria uma nova, com novos enfeites.









3 comentários:

  1. Muito delicado seu conto, Ana e comovente também...
    Você e seu toque espiritual que também tenho sabe? Talvez por isso e por outras que gostamos de ler uma a outra!

    Não vejo a hora de ler os outros contos!
    bacios

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  2. OI ANA!
    LINDO E EMOCIONANTE CONTO. SIM, TEU TOQUE ESPIRITUAL, TAMBÉM ME AGRADA MUITO.
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/

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  3. Uma linda arte Ana, construir um belo conto que nos prende e emociona com os diálogos incisivos de recuperação da pessoa.
    A vida ás vezes nos dá uma chance, é preciso agarra-la.
    Belo trabalho amiga.
    Carinhoso abraço.

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