terça-feira, 27 de janeiro de 2015

O ÚLTIMO FINAL DE SEMANA - PARTE III


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O Último Final de Semana – Parte III

Ronaldo estava sentado na varanda de seu apartamento, enquanto observava os carros com seus faróis e lanternas acesas iluminando o comecinho da noite. Sempre gostou de observar o movimento do trânsito, pois tinha a impressão de que, enquanto aquela bagunça estivesse acontecendo, tudo estaria normal, e o mundo seria um lugar habitável. Olhar o trânsito dava-lhe mais realidade à percepção: aquelas pessoas dentro dos carros não tinham a menor ideia sobre quem realmente eram, para onde estavam indo ou o que queriam, exatamente como ele. Era bom guardar a ilusão de que ter um emprego, nome e sobrenome, pertencer a uma família e ter um endereço fixo trouxessem a alguém uma identidade, ou seja, segurança. E ele sempre tivera aquela ilusão, e fora através dela que cometera o maior erro de sua vida. Porém, aprendera muito através daquele erro, compreendendo finalmente que segurança é ilusão, e tentar controlar o curso dos acontecimentos, uma falácia. A qualquer momento pode chegar em nossas vidas um acontecimento (ou pessoa) que desafiará o que acreditamos ser a normalidade da vida, virando tudo de pernas para o ar e nos deixando com aquela sensação de termos pulado em um abismo. A qualquer momento, tudo o que conhecemos como seguro pode mostrar-se uma grande armadilha.

A primeira vez em que viu Rodrigo, estava almoçando em um restaurante self-service. Trabalhava em uma multinacional, tinha um salário razoável, usava um terno, morava em um pequeno apartamento pintado de cinza-gelo, com móveis de formato quadrados cinza-escuros, persianas cinzas e alguns adornos em cerâmica preta e branca que encontrara em uma loja de decoração e que podiam, à primeira vista, serem confundidos com obras de arte.  Também namorava uma moça de boa família, com quem pretendia casar-se e ter um ou dois filhos. Para ele, sua vida estava perfeita, e alcançara, aos vinte e nove anos de idade, uma estabilidade que seu pai só conseguira após os cinquenta. O restaurante estava cheio. Ele viu quando um jovem bem vestido com rosto e físico de Adônis olhava em volta segurando um prato de comida, procurando por uma mesa ou um lugar para sentar-se. Querendo ser gentil, Ronaldo ergueu o braço e ofereceu-lhe a cadeira vaga em sua mesa. 

A simpatia de Rodrigo contagiou-o. Ele não sabia que aquela simpatia e magnetismo pessoal eram como um visco no qual Rodrigo prendia suas vítimas! Ambos logo ficaram amigos. Começaram a frequentar o apartamento um do outro. Rodrigo dizia ter trabalhado em uma grande multinacional, emprego que deixara recentemente porque não via ali nenhum futuro, e não gostaria de passar o resto da vida trabalhando para os outros. Em poucas palavras, descreveu como desprezível a vida que Ronaldo sempre almejara: crescer na empresa, casar-se cedo, criar filhos e conseguir uma boa promoção, permanecendo na companhia até aposentar-se. Aquilo fez com que Ronaldo pensasse muito, e reavaliasse seus valores e objetivos.  Rodrigo também disse que seu falecido pai deixara-lhe uma pequena fortuna, e que ele estava procurando um sócio para abrir um negócio. Em nenhum momento, convidou Ronaldo a participar. Apenas descreveu, com enormes adjetivos, tudo o que tinha em mente: a empresa de importação e exportação que estaria dando lucros imensos em apenas dois anos, as ideias para expansão, enfim, um quadro maravilhoso que teria seduzido qualquer um. 

Ronaldo ouviu-o com atenção, avaliando mentalmente as ideias do seu novo amigo e vendo que eram perfeitamente viáveis. Como ele não pensara naquilo antes? Mas... de que adiantaria ter pensado, se ele não tinha todo o capital disponível? Aliás, não tinha sequer a metade. É claro que economizara bastante, mas não o suficiente.

Rodrigo convidou-o para um final de semana em sua casa de praia. Ronaldo inventou uma viagem de negócios para sua noiva Jane, e aceitou o convite. Descobriu que não a amava, pois ela fazia parte de um contexto de vida que de repente parecia-lhe muito monótono, e na volta, terminaria o noivado com ela. Surpreso e confuso, viu-se com o pensamento totalmente fixo em Rodrigo. Acordava respirando Rodrigo e assim permanecia o dia todo. Não estava acostumado a pensar em homens daquela forma. Na casa de praia, sentiu-se desconcertado ao ver Rodrigo enxugando-se após o banho através da fresta da porta entreaberta. Com o coração e a mente à mil, trancou-se em seu quarto, debaixo do chuveiro frio. Não conseguia entender aqueles pensamentos! Jamais sentira-se assim em relação a outros homens... a não ser na escola, quando ainda era um menino... e mais tarde, na faculdade, mas conseguira dispersar aquelas ideias esquisitas quando conheceu Jane. O sexo entre eles era morno, e ele percebia que ela às vezes fingia orgasmos, mas embora o prazer que sentisse não fosse lá grande coisa, ela mostrava-lhe que ele era ‘normal.’ Se fosse gay, não conseguiria ir para cama com uma mulher, e nem ter um orgasmo com ela. 

Quando saiu do quarto já vestido para almoçar, deparou com Rodrigo de pé na sala usando uma sunga de banho pequena e apertada! Ele estava de costas, olhando o mar na sacada da frente da casa, e quando Rodrigo percebeu que ele estava ali, deu-lhe um sorriso iluminado, comentando:
“Nossa, está tão quente hoje que eu não consegui vestir nada. Você se importa se eu almoçar assim? Pedi comida japonesa por telefone, vai chegar em alguns instantes.”

Naquela noite, Ronaldo teve sua primeira experiência homossexual. Foi reveladora para ele! De repente, todos os pedaços de sua vida se encaixaram, e ele entendeu quem ele realmente era. As coisas tomaram novo rumo, e a vida ganhou um outro sentido. Tudo era mais colorido, vívido e intenso! Ao lado de Rodrigo, Ronaldo descobriu-se o homem mais feliz do mundo. Rodrigo era tudo o que ele jamais sonhara: alegre, sempre de bom humor, impactante e intensamente bonito, inteligente, criativo, engraçado, gentil, cativante... enfim, o ser humano perfeito!

Os dois meses que seguiram ao encontro deles foi tórrido, cheio de paixão. Passavam os finais de semana na casa de praia, ou viajavam de carro para cidades próximas onde alugavam quartos de hotel nos quais permaneciam juntos a noite e o dia todo. Quando ele perguntou a Rodrigo se a vida seria sempre assim, maravilhosa, ele olhou-o intensamente e respondeu, após alguns segundos:
“Saia daquele empreguinho que te sufoca, e venha morar comigo em meu apartamento. Seja meu sócio. Só assim a vida será sempre uma festa para você, para nós...” 

Naquele instante, Ronaldo pulou no abismo. 

Logo no dia seguinte após pedir demissão do emprego seguro que tinha e passar para a conta de Rodrigo todas as suas economias, fez as malas, entrou no carro e rumou para a casa do namorado. Era um lindo dia de sol de abril, e a cidade parecia envolta por uma névoa de magia. Telefonara a Rodrigo dizendo que o dinheiro já estava na conta dele, e que estava indo para lá; Rodrigo mostrou-se muito feliz com sua decisão, e disse que o aguardava com uma garrafa de champanhe para comemorarem juntos. Prometeu-lhe uma noite inesquecível, na qual jantariam juntos (já tinha feito reservas para eles no melhor restaurante da cidade) e depois esqueceriam do mundo nos braços um do outro, e então... trabalho sério para abrirem seu novo negócio de importação e exportação!

Ronaldo chegou à porta do apartamento e tocou a campainha, dizendo para si mesmo que em breve não seria necessário, pois teria a sua própria chave, para o apartamento e a vida de Rodrigo. Esperou alguns instantes, encostando o ouvido à porta. Tocou a campainha novamente. E novamente. E mais uma vez. Depois de cinco minutos, ainda achou que Rodrigo deveria ter ido comprar o champanhe, e sentou-se à porta do apartamento para aguardá-lo. Quando finalmente compreendeu (ou aceitou) que tinha sido enganado pelo seu grande amor, já era noite. Ele ergueu-se do chão do corredor, pegou suas malas e voltou ao apartamento. Ia pedir seu emprego de volta no dia seguinte, ou quem sabe, ainda poderia descobrir que tudo não passara de um engano, e que Rodrigo estava apenas preparando-lhe uma surpresa?...

Não conseguiu seu emprego de volta. Em breve, não tinha mais dinheiro para o aluguel, e voltou a morar com os pais. Ao saber da história, seu pai colocou detetives atrás de Rodrigo, mas jamais conseguiram encontra-lo. O dano emocional que sofrera fez com que Ronaldo fosse internado em uma clínica para curar a depressão que, desde então, jamais o deixara; tinha apenas momentos de remissão, que conseguia à base de medicamentos. Finalmente, após um ano, Ronaldo conseguiu um outro emprego, retornando à segurança que agora sabia ser ilusória  e começou a reestruturar sua vida. Voltou a viver no apartamento cinzento no qual se encontrava naquele momento, logo após ler o e-mail de Rodrigo. 

Um caminhão buzinou com força, trazendo-o de volta à realidade.

Decidiu que apesar de tudo, iria até ele.



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