quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

O ÚLTIMO FINAL DE SEMANA - PARTE IV

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O Último Final de Semana – Parte IV

Valéria leu o e-mail pela centésima vez: “Querida irmã (posso chama-la assim? Fomos criados juntos, e é assim que eu sempre quero lembrar-me de você). Por favor, venha até a casa de praia, pois preciso urgentemente falar com você. Quero desculpar-me por tudo o que aconteceu entre nós. Estou muito doente, e não quero deixar este mundo sem antes ter certeza de que me reconciliei com todas as pessoas que feri, e que amei. Que amo. Lembre-se que quando tudo aconteceu, eu era só um menino. Não tinha noção sobre o que era certo ou errado, e tinha acabado de perder meus pais, estava confuso e sentia-me totalmente só. Quando tia Cleide disse que ficaria comigo, senti um enorme alívio! Sou-lhe muito grato, apesar de tudo... e você foi uma das melhores coisas que me aconteceram na vida, nesses vinte e nove anos em que eu existo. Por favor, venha... preciso muito de você.”
Valéria deu um longo e profundo suspiro, e deixou que suas memórias, mais uma vez, tomassem conta do espaço ao seu redor.

Quando viu Rodrigo pela primeira vez, sabia apenas que ele tinha perdido os pais recentemente, e não tendo mais nenhum parente vivo, fora convidado por sua mãe para morar em sua casa. Cleide, sua mãe, dissera-lhe que fosse gentil com ele, pois ele estava muito ferido. E foi exatamente assim que ela o encontrou quando chegou na sala e o viu, segurando uma mala, tímido, meio-descabelado e tremendamente bonito. Os olhos tristes que pousaram sobre ela abriram uma fenda em seu peito e chegaram até o seu coração. Ele tinha apenas treze anos, e ela, quinze. 

Cleide era uma jovem viúva de trinta e três anos, milionária e solitária, que procurava um sentido maior para a vida, e achou que levando Rodrigo para junto dela, ganharia pontos com Deus ou seja lá com quem fosse. Nara, sua falecida prima e mãe de Rodrigo, há muito tempo afastara-se dela devido a uma briga, e nunca mais se encontraram, portanto, Cleide não conhecia Rodrigo. Apesar de serem primos distantes, ela o ensinou a chama-la de tia. Tia Cleide. Sentia que assim teria mais autoridade sobre ele. Melhor do que se ele a considerasse apenas uma prima mais velha de segundo grau. 

Ela não sabia que o rapazinho de treze anos que ela aguardava no aeroporto seria tão bonito pessoalmente, muito mais do que na fotografia que recebera dele por e-mail. Quando se encontraram, ele já estava com a mala. Ela parou diante dele, cujos olhos feridos e despedaçados em mil caquinhos verde-brilhantes pousaram suavemente nos dela. Ela deixou escorrer uma lágrima, mas logo a secou. Lembrou-se da prima, mãe daquele menino, e pensou que a vida era mesmo uma coisa muito louca e imprevisível... estendeu os braços para ele, que acomodou-se entre eles desajeitadamente por um breve momento. Em silêncio, dirigiram-se para o carro, e foi quando Cleide começou a tagarelar sobre tudo: a filha que os esperava em casa (você vai a-do-rar a Valéria! Ela é muito responsável. Sabe que com apenas quinze anos já está quase terminando o segundo grau? E além disso, ela é linda, e inteligente!),  a casa (você vai amar viver em uma casa de praia! É claro, quando as férias terminarem, iremos todos para o meu apartamento na cidade, onde já matriculei você em uma escola ótima!), a vida que eles teriam juntos (Sou uma pessoa muito divertida! Adoro festas, dinheiro não é problema para mim, pois meu falecido marido deixou-me muito bem, e nós vamos nos divertir muito juntos). Rodrigo permanecia em silêncio, e quando ela olhou pelo retrovisor e viu que ele estava chorando, sentiu-se a mais insensível das criaturas. 

Desculpou-se, e fez o restante do trajeto calada. 
Valéria achava que apaixonara-se por Rodrigo no momento em que pôs os olhos nele pela primeira vez, apesar da diferença de idade, pois Valéria era uma menina pequena e frágil que aparentava menos idade do que tinha. Os amigos diziam que ela parecia uma fadinha, ruiva e pequena, com sardas no nariz e olhos azuis. Já Rodrigo, tinha compleição forte, era alto para sua idade e parecia ter dezesseis anos. Valéria analisou-o, pensando no belo homem que ele seria um dia. Sentiu que estava sendo analisada, e que por trás daquela fragilidade que ele emanava, havia também um interesse especial por ela, o que a envaideceu. 

Em alguns dias, Rodrigo parecia estar perfeitamente adaptado à sua nova família. Iam à praia juntos todos os dias – ela, Rodrigo e sua mãe, sempre presente e atenta. Ele já as tratava como se as conhecesse há mais tempo, e elas estavam absolutamente encantadas com a presença dele. Após a praia, onde passavam o tempo brincando na água (atiravam água uns nos outros, jogavam bola ou simplesmente boiavam em silêncio, olhando o céu), eles tomavam banho, almoçavam e iam até a cidade, onde passeavam, tomavam sorvete e iam ao cinema ou ao shopping. Cleide comprou muitas roupas novas para Rodrigo, pois descobriu, através de seus advogados, que a única coisa que seus pais deixaram para ele foram algumas roupas velhas e um aluguel vencido. Ela tratou de encher o menino de presentes caros e roupas de marca, que ele aceitava sem questionar, e pelas quais sempre agradecia. E Cleide adorava aquilo, pois não gostava de falsa modéstia. Sentia-se bem quando via 

Rodrigo, bronzeado e tão bonito, usando seus presentes como se tivesse direito a eles. 

À noite, Cleide geralmente convidava alguns amigos ou era convidada, e eles davam alegres festas regadas a muito champanhe, embora ela não permitisse que Rodrigo tomasse mais que uma taça. Havia sempre muita música, risos e danças. Pessoas ricas, bonvivants que sabiam muito bem como aproveitar a vida sem precisarem preocupar-se com dinheiro. E Rodrigo parecia estar adorando tudo aquilo!

As pessoas já tratavam Rodrigo como um deles, e adoravam sua esperteza, o seu bom-humor ácido e a capacidade que ele tinha de fazer rir. As mulheres o apreciavam por ser um excelente dançarino, e os homens, porque ele aprendia rápido e logo tornava-se um excelente parceiro para jogos. E é claro, todos sentiam-se seduzidos pela sua beleza e magnetismo. Certa vez, Márcia, uma das amigas de Cleide, declarou, após dançar uma música lenta com Rodrigo onde o vinho e o champanhe fizeram com que ela se agarrasse ao menino mais do o bom senso aconselhava, mas Rodrigo nada fez para desvencilhar-se: “Cleide, esse menino é uma das suas maiores descobertas! Simplesmente maravilhoso! Que sorte a sua, tê-lo sempre por perto.” Cleide sorriu, mas sentiu um gosto amargo por dentro; já Valéria, queimando de ciúmes, foi caminhar sozinha pela praia. Rodrigo a seguiu.
Os ruídos da festa já estavam distantes quando ele finalmente a alcançou:

“Hey, o que deu em você, Valéria? Não está se divertindo?”

Ela parou de caminhar, apertando a echarpe de seda em volta dos ombros, olhando o mar:

“Estou bem... pode voltar para lá e continuar a sua dancinha obscena.”

Rodrigo logo percebeu a razão do destempero dela, e riu, o que fez com que ela se enfurecesse ainda mais:

“Valéria, você está com ciúmes de mim?!” 

Ela saiu correndo, e ele ficou parado na praia, tentando tomar uma decisão. Logo, correu atrás dela, e a alcançou novamente. Puxou-a para si, embora ela tentasse desvencilhar-se, e abraçou-a, prendendo-a em com força. Ela parou de lutar. Percebeu que apesar da idade, ele era um menino forte e decidido:

“Eu estou feliz que você se sinta assim, Valéria. Vamos voltar para lá e deixar aquelas amigas de sua mãe morrendo de inveja!”

Dizendo aquilo, ele a beijou. E a Terra inteira pareceu girar em volta deles. E eles voltaram para a festa, onde dançaram juntos a noite toda, sob os olhares ciumentos (mas conformados) das mulheres da festa, principalmente, de Cleide.

Quando as férias terminaram, eles foram morar no apartamento da cidade, que era quase tão bonito quanto a casa de praia, mas não tinha tanto charme, pensou Rodrigo. Seu quarto era o maior de todos, pois Valéria cedeu o dela para ele, já que ela iria embora para voltar a viver na escola interna americana tradicionalíssima onde ela estudava desde criança. A última noite entre eles foi muito significativa para ela, pois entregou a Rodrigo a sua virgindade.  Ficou comovida quando ele confessou que também era virgem, e interpretou que a aparente experiência dele (parecia um daqueles amantes adultos que ela via nos filmes) era devida a perfeita comunhão entre ambos; ou, quem sabe, ele também assistisse àquele tipo de filmes? Bem, tudo o que importava para ela, é que ele fora maravilhoso, e ela não via a hora das férias chegarem para que ela pudesse experimentar mais. 

Mal sabia Valéria que a experiência dele vinha das muitas noites em que, sorrateiramente, ele fora dormir com Cleide. E Cleide não desconfiava que ele fazia o mesmo com a maioria de suas amigas, que davam-lhe muitos presentes – joias e relógios caros que ele dizia a elas que guardaria para que Cleide não desconfiasse de nada, mas ele os vendia, escondendo o dinheiro em uma caixa, sob suas roupas. 

Um ano se passou, e Valéria não pode voltar para casa nas férias de julho, pois Cleide tratou de inscrevê-la em um programa de férias, um curso chatérrimo que sua mãe dissera que seria importantíssimo para a formação dela. Assim, contentava-se em matar as saudades de Rodrigo pelo computador, em e-mails e chats onde ambos se desmanchavam em confissões de amor e saudade.
Quando ela finalmente conseguiu voltar para casa, ao final do curso, encontrou um Rodrigo muito mais alto e amadurecido. Seu rosto tomara um contorno mais acentuado, os pelos dos braços e pernas haviam crescido, e sua voz engrossara.

(continua...)

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