quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

SEGREDOS - CONTO 2 - CIÚME










Este é o conto número 2 da série SEGREDOS.


"O ciumento passa a vida a procurar um segredo, cuja descoberta lhe destruiria a felicidade."- Axel Oxenstiern


CIÚME



Por dentro, logo atrás do sorriso despreocupado, um rio de fel. Martino achava que Linda, sua esposa, o estava traindo. 

Tudo começou durante uma reunião de amigos. Havia na casa cerca de uma dúzia de pessoas que a esposa convidara para celebrar o seu aniversário. Martino, que conversava animadamente com um amigo, viu quando o celular de Linda tocou - a tela acendeu-se, e ela imediatamente o pegou na mesa de centro, deslizando-o para dentro do bolso do casaco, dando uma desculpa para afastar-se dos convidados. Martino logo pediu licença ao seu amigo, e alegando ir até a cozinha pegar mais uma garrafa de vinho, afastou-se discretamente da reunião, seguindo a esposa em silêncio até a área de serviço, onde ficou escondido atrás da porta escutando.

Eram casados há quase vinte anos. Não tiveram filhos por opção, ambos muito dedicados às suas carreiras e também às suas longas viagens de férias, que ocorriam pelo menos duas vezes ao ano. A união tivera seus altos e baixos, mas eles resistiram, pois eram felizes e sentiam-se à vontade juntos. Tinham muitos amigos e uma vida social agradável e intensa. Quando alguém se referia a eles, era sempre no plural: Martino e Linda. Linda e Martino. Eles. Ninguém jamais imaginava um sem o outro. E nem mesmo quando Martino envolveu-se amorosamente com sua ex-secretária (um caso tórrido, pelo menos no início, que durou seis meses e resultou em uma breve separação e uma posterior demissão da moça), os amigos acreditaram que o casal iria separar-se definitivamente. 

Martino  apurou os ouvidos para tentar escutar a conversa da esposa ao telefone, mas os sons que vinham de dentro da casa, as risadas e a música, o atrapalhavam. Mas ele via o rosto de Linda pela greta da porta, entre as dobradiças, e ela ria furtivamente, caminhando de um lado ao outro, enrolando uma mecha de cabelo nos dedos da mão esquerda, murmurando coisas que apenas a imaginação dele poderiam adivinhar. Para Martino, ficara tudo bem óbvio: Linda estava tendo um caso.

Quando ela desligou o telefone, Martino voltou depressa para a sala, a fim de não ser visto, e tratou de colocar um sorriso no rosto para que ninguém notasse sua angústia - principalmente, Linda. Logo depois dele, ela entrou na sala, devolvendo o celular à mesinha despreocupadamente. Os olhares deles se cruzaram por sobre a mesinha, e Linda percebeu que algo não estava bem com o esposo. Aproximou-se, indagando sobre algum possível mal-estar; afinal, ele já tinha bebido bastante. Martino tranquilizou-a, alegando cansaço. 

Após a festa, quando todos os convidados já tinham se retirado e eles estavam sozinhos na casa silenciosa, Martino fingia ler na cama enquanto a esposa despia-se para dormir. Linda, apesar dos seus 45 anos, ainda era uma bela mulher. Ele estava acostumado aos elogios que os amigos faziam a ela. Lembrou-se de quando Linda ficara sabendo do seu caso com a secretária - que ele definiu como uma aventura desimportante devido à crise da meia-idade - mas que mesmo assim, fez com que ela arrumasse suas malas e o pusesse para fora de casa. Não houve gritos nem discussões. Aquela era  a maneira de Linda lidar com as coisas, sempre direta e objetiva. Quando ele chegou em casa e viu suas malas junto à porta, soube imediatamente que Linda descobrira tudo; sem despedir-se, pegou as malas e voltou para o apartamento da amante, com quem viveu por quatro meses. 

Os amigos comentavam o quanto lamentavam a atitude dele: será que Martino não via que Linda era a mulher da sua vida? 

Mas Martino queria voltar; assim que colocou suas escovas de dente no banheiro da amante, ela deixou de ter o sabor de aventura que o atraíra. Vê-la de manhã na cozinha, de rolinhos nos cabelos e  pantufas, folheando um jornal, sem maquiagem e sem glamour, deixou as coisas bastante claras para ele: fizera uma péssima troca. Aquela mulher não tinha sal. Não sabia conversar, era sem-graça a maior parte do tempo. Só falava de compras e de roupas. Até mesmo a cama, que antes os unia, tornara-se apenas uma obrigação. Disse ao melhor amigo: "Quer acabar com o prazer de uma relação extraconjugal? Vá morar com sua amante e faça dela sua esposa."

Finalmente, ele cedeu: foi procurar Linda. Bateu à porta de casa num sábado pela manhã, como se fosse um cão que acabara de quebrar a louça. Ela foi abrir, de pantufas e rolinhos no cabelo, e ele nunca a viu tão linda e desejável. Voltaram. Mais tarde, Martino diria ao mesmo amigo: "Quer ter uma esposa ideal? Faça dela a sua amante." Depois daquilo, houve uma nova lua-de-mel. A secretária foi demitida - única exigência de Linda. Nunca mais Martino pensou em outra mulher. A vida sexual do casal permaneceu tórrida durante algum tempo, mas logo voltou ao antigo ritmo. 

Naquela noite, em que o ciúme queimava seu estômago e esticava suas veias ao ponto extremo, enquanto a esposa se despia, Martino se perguntava o que faria. Deveria confrontá-la, perguntando com quem ela falara ao telefone mais cedo? Talvez fosse melhor segui-la no dia seguinte... 

Súbito, ele foi tomado por um desejo incontrolável de tê-la. Agarrou Linda sem nada dizer, assim que ela deitou-se ao seu lado, beijando-a apaixonadamente, deslizando as mãos pelo seu corpo como se aquela fosse a última vez (ou a primeira?). Parecendo surpresa, Linda correspondeu às investidas dele, e ambos tiveram um final de noite maravilhoso. 

Martino ainda viu sua mulher atender a telefonemas misteriosos em várias outras ocasiões, e sempre que aquilo acontecia, ele ardia de ciúmes, queimava de indignação, borbulhava de desespero, pois não sabia se queria realmente descobrir a verdade. Estaria pronto para enfrentá-la? A única coisa que ele conseguia fazer, era dar vazão ao seu ciúme através do sexo. Amava Linda como nunca fizera antes, às vezes, de forma até um pouco violenta.

E a cada vez que aquilo acontecia, Linda lembrava-se de programar seu celular para tocar em determinadas horas do dia ou da noite, e empenhava-se nas conversas onde o interlocutor era, nada mais, nada menos, que ela mesma. Linda descobrira o prazer de uma vingança bem executada.








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