Décio deixou Caio em sua casa, e os dois se
despediram como dois verdadeiros irmãos. Aqueles dias juntos fizeram com que
Décio visse o irmão de uma outra forma – como alguém real, de carne e osso, uma
pessoa bacana – e não um fantasma que tirou dele o amor do pai. Enquanto
dirigia para o seu apartamento, mil ideias para escrever a história de Endora
passavam pela sua mente. Ainda pensava em Sophie com saudades, lamentando o
fato de nunca mais poder revê-la. Achava que ela era uma mulher e tanto, e que
seria difícil esquecê-la ou namorar qualquer mulher depois de ter estado com
ela. Mas ela não deixara telefone ou itinerário. Apenas sabia seu sobrenome –
Damata. Décio sentia-se melancólico por deixar Sophie, e ao mesmo tempo,
aliviado por retomar a sua vida.
Fora um alívio subir a serra Petropolitana,
sentindo o ar fresco e limpo característico da região, deixando para trás o
calor poeirento daquela cidadezinha. Chegar em seu apartamento, olhar pela
janela e ver a Praça Rui Barbosa em clima de festa – as pessoas passeavam
naquele final de tarde, levando as crianças para andar de bicicleta e também
para brincar nos balanços e gangorras – tudo aquilo trazia-lhe muita paz de
espírito. Ele desfez as malas, jogando a roupa suja na máquina de lavar e foi
tomar um merecido e demorado banho de chuveiro.
Quando terminou, vestiu as calças do pijama,
ficando sem camisa - estava um pouco frio, mas sentir o toque do vento fresco
em suas costas, peito e braços novamente era maravilhoso – e ligou para Sérgio a
fim de contar-lhe que estava de volta.
-Que bom, Décio. Espero que a semana tenha sido
produtiva. Conseguiu a história?
-E o que eu não consigo? É claro! Vou passar o
resto da tarde colocando minhas anotações em dia e acho que daqui a dois ou
três dias eu a entregarei a você.
-Ótimo! Tenho certeza que ela vai te render um
prêmio. Mas... e a tal mulher? Deve ser uma criatura horrorosa, hein?
Décio sentiu-se triste.
-Endora? Não... ela era uma mulher forte,
corajosa. Maravilhosa.
-Como assim, era?
-Ela morreu. Um dia antes de eu voltar.
-Que chato... bem mas a gente sabia que isso
poderia acontecer. Ela estava muito doente.
Décio não respondeu. Sérgio sentiu que o amigo
estava triste.
-Não vai me dizer que se apegou a ela?
-Me apegar a Endora? Não! Claro que não.
-Décio... está tudo bem com você?
-Sim. Tudo ótimo. Te ligo quando a história
estiver pronta. Estou muito cansado, e morrendo de fome. Tchau.
Dizendo aquilo, Décio desligou o telefone, pois
sabia que se ficasse conversando com Sérgio ele acabaria descobrindo que a
história que ele escreveria não era a verdadeira história. Sérgio tinha um faro
de jornalista impecável e infalível.
Enquanto isso, Brian abriu a porta
vagarosamente e encontrou a casa semi escurecida, apesar da linda tarde lá
fora. Colocou a mochila no chão e abriu as persianas da sala de estar, e dando
alguns passos em direção ao seu quarto, deparou com a mãe sentada no sofá.
Estranhou que ela apenas o cumprimentasse sem gritos ou cobranças. Foi até ela:
-Mãe? Tudo bem? Aconteceu alguma coisa?
-Patrícia olhou para ele. Tinha os cabelos
loiros presos em um rabo de cavalo, e usava um robe preto. Parecia alguns anos
mais velha, pois estava sem maquiagem (Brian nunca via a mãe sem maquiagem ou
desarrumada).
Ela bateu na almofada do sofá ao lado dela:
-Sente-se aqui, filho. Precisamos conversar.
Brian sentou-se ao lado dela devagar, achando
que ia levar a maior bronca de sua vida. Mas Patrícia apenas fungou, e então
ele notou que ela andara chorando.
-Mãe, você está me assustando!Olha, se é porque
eu sumi por uns dias, eu estava com meu irmão, e a gente estava numa fazenda
maneira, a gente acabou se entendendo de vez, já estou de volta, estou
inteirinho e... mas e o papai? Cadê ele? Aconteceu alguma coisa com o papai!
-Está tudo bem com ele, Brian. Mas você precisa
saber... nós estamos nos divorciando.
Ele suspirou de alívio, e relaxou no sofá ao
lado dela. Brian estava quase feliz, pois o relacionamento dos pais andava infernal há anos, o que
refletia nele. Teve pena de Patrícia, e segurando a mão dela, disse:
-Sinto muito, mãe. Mas... é melhor assim. Vocês
não se curtiam mais mesmo. E...eu vi você. Com aquele cara.
Patrícia não disse nada, mas ele notou que ela
se sentiu desconfortável com o comentário dele. Enxugou os olhos na manga do robe,
e ficou fitando o vazio. Finalmente, respondeu:
-Aquele homem não significava nada, Brian. E
não foi por causa dele que nos separamos. Seu pai e eu... a gente não se
entendia mais. Acho que nunca nos entendemos totalmente. Ele não era apaixonado
por mim.
Brian respondeu rápido demais:
-E nem você por ele, né?
Patrícia riu tristemente.
-Mas ficou algo de bom: você.
Ele sorriu de volta. Nunca tinha visto a mãe
falando tão baixo, de maneira tão não-afetada, totalmente sem maquiagem e sem
máscaras. Muito menos, tão afetuosa.
-E a gente vai continuar morando aqui?
-Vamos sim. Seu pai fez questão que ficássemos
com a casa e também prometeu que não vai nos faltar nada. A vida é tão irônica!
Ele encolheu os ombros, sem entender:
-Por que?...
-Imagine só... há anos, eu o roubei de Lana.
Fiz de tudo para que Mauro ficasse comigo, e agora, os dois estão voltando. Ele
vai voltar a viver com ela. Ele mesmo me disse.
Brian deixou escapar uma lufada de ar, e coçou
a cabeça:
-Incrível!
Patrícia olhou-o, magoada.
-Como assim, incrível?
-Desculpe, mãe, eu não quis ofender você. Mas
eu sempre achei que os dois tinham tudo a ver. Ele sempre falou muito bem dela,
e ela, dele, apesar de tudo o que ele fez com ela. Acho que agora as coisas
estão nos lugares certos.
Patrícia concordou com a cabeça, e respirando
fundo, tentou sorrir, e retomando seu tom de voz autoritário, ordenou:
-É verdade, tenho que admitir. Agora vá tomar
um banho para o jantar. Você está fedendo a suor.
Brian beijou a mãe no rosto, e obedeceu.
Décio olhou mela janela do apartamento, e viu a
usual reunião dos jovens lá em baixo. Escutou a música alta e os sons das vozes
e motores de motocicletas. Após algum tempo, viu uma cabeça ruiva olhando
exatamente na direção dele; era Rafaela. Ela sorriu e acenou. Ele fez sinal
para que ela subisse. Achou que precisaria de ajuda para escrever a história,
afinal de contas. E precisava conversar com alguém, e sabia que Rafaela era uma
ótima ouvinte.
Ele foi vestir uma camiseta de malha, e quando
estava no corredor indo para a sala de estar, a campainha tocou, e ele abriu a
porta para ela. Rafaela corou no momento em que o viu, abrindo um lindo
sorriso, os olhos faiscando de paixão. Décio tentou olhar para ela da mesma
forma, mas não conseguiu; só pensava em Sophie. Ela percebeu, mas não se deixou
abater; beijou-o no rosto, dizendo:
-Que bom te ver, Décio!
-Tudo bem? Como você soube que eu estava de
volta?
-Sérgio me disse. Achou que você talvez
precisasse de ajuda.
-Entre. Vou fazer um café pra gente.
-Eu tomei a liberdade de encomendar uma pizza,
ela vai chegar daqui a alguns minutos. Espero que não se importe.
-Não, foi genial a sua ideia, Rafaela. Estou
morto de fome e não tenho nada em casa. Preciso fazer umas compras...
-Se quiser, amanhã de manhã eu passo no mercado
e escolho alguns itens. Mandarei entregar aqui.
-Você realmente faria isso?
Ela sentou-se no sofá, cruzando as pernas e
deixando um bom pedaço de coxas à mostra sob a saia curta:
-Claro! Logo de manhã, antes de vir para cá. O
Sérgio me liberou para ajudar você no que precisar - (“no que precisar” foi
acompanhado de um olhar maldosamente sexy).
Décio agradeceu, e eles começaram a conversar
sobre a reportagem, e também sobre o livro que ele queria escrever. Ele contou
a ela tudo sobre Endora, e Rafaela ouviu-o com atenção. Lá de baixo, os sons de risos e música chegavam
ao apartamento. A pizza também chegou, e após comerem, Rafaela sugeriu que
fossem tomar um drink no bar, e Décio concordou. Há algum tempo não tinha um vislumbre
do que ele chamava ‘uma vida normal’ – sem fantasmas, lágrimas e sombras o
perseguindo.
Décio descobriu que Rafaela não era uma
cabecinha vazia, afinal de contas. Em alguns momentos de sua narrativa, ele
notou que os olhos dela marejaram, e que ela realmente comoveu-se com a triste
história de Endora e Sophie. Ela disse ter pena principalmente de Endora, por
ter pago por crimes que não cometera durante tantos anos, e que imaginar a
figura de Sophie a transtornava e a deixava com medo. No bar, continuaram a
conversa, e em certa altura, ela disse:
-Sabe... eu nem sequer conheço esta moça, esta
Sophie. Mas sinto que ela tem uma energia bem pesada, pelo que você me conta.
Mas... estou enganada, ou ela também é uma mulher muito bonita?
-Você está certa; Sophie é a mulher mais bonita
que eu já vi.
Ela baixou os olhos, e passou a brincar com as
gotículas de água que escorriam sobre o copo.
-E vocês dormiram juntos?
Por que mentir? Décio concordou com a cabeça, e
Rafaela não disse nada – porém, sentiu o ciúme queimar dentro dela,
insinuando-se como uma nuvem de fumaça negra. Mas ela pensou: “Eu não tenho o
direito de sentir ciúmes; afinal, Décio não é meu namorado... ainda!” Sendo
assim, Rafaela pigarreou, sorriu e mudou de assunto.
Na manhã seguinte, Décio decidiu visitar a mãe
antes de iniciar os trabalhos, e ambos marcaram de almoçar na casa dela. Quando
chegou lá, Décio surpreendeu-se ao encontrar seu pai sentado no sofá, lendo um
jornal despreocupadamente. Lana ainda tentou explicar, mas antes que pudesse
dizer qualquer coisa, Décio disse, hostilizando a presença de Mauro:
-O que você está fazendo aqui? (ele olhou para
Lana em busca de uma resposta). Foi Mauro quem falou primeiro:
-Olá, filho. Acho que vamos nos ver com muita
frequência agora... eu e sua mãe reatamos. Digo, nós estamos dando a nós mesmos
uma segunda chance.
Décio perdeu a paciência:
-Como assim? Você nos abandona para ficar com
aquela... aquela caçadora, e agora volta sem mais nem menos? Está traindo ela
também? Pai, você não se envergonha? Sabe quantos anos se passaram??? E mãe,
como você pode...
Lana o interrompe, com voz firme:
-Décio, esta é a minha vida, e não lhe darei o
direito de intrometer-se nela. Mauro é seu pai, nunca deixou faltar nada para
você enquanto estivemos separados, e o que aconteceu entre nós não é problema
seu. Tenha mais respeito por ele, por favor, filho.
-Décio, eu errei, errei muito, e pode ter
certeza que eu paguei caro! Gostaria que você me desse uma chance também, de
sermos novamente uma família. Por favor.
Mauro levantou-se e estendeu a mão para ele. Lana
observou o rosto do filho passar por várias transformações: de ódio e raiva,
que faziam as veias de suas têmporas saltarem, ela o vou perder a cor vermelha e
finalmente, as lágrimas que ele estava
tentando conter escorreram. Décio as secou rapidamente com as costas da mão.
Hesitou um pouco, colocando as mãos na cintura e respirando profundamente, e
finalmente, após um silêncio constrangedor durante o qual Mauro permaneceu com
a mão estendida, esperando, ele apertou a mão do pai, mas ainda com hesitação. Foi
quando Brian surgiu pelo corredor, e viu a cena entre os dois. O rapaz sorriu,
e começou a aplaudir:
-Valeu, irmão!
Décio olhou para ele, e sorriu, alegre por
vê-lo por ali.
-Não vai dizer que você agora vai acampar por
aqui também.
Brian gargalhou:
-Só de vez em quando. E Lana me disse que posso
usar seu quarto, já que não mora mais aqui. Tudo bem pra você?
-Tudo bem, desde que não mexa em nada.
Ambos riram. Lana suspirou de alívio,
observando as coisas voltarem aos seus devidos lugares.
A vida retomou seu rumo de sempre. A reportagem
ficou pronta, e Décio sentiu-se muito grato pela ajuda de Rafaela, que fez o
favor de não se arrastar para ele; quando finalmente eles terminaram, numa
noite de quinta-feira, e Décio pode recostar na cadeira e relaxar após a última
revisão que fizeram juntos do material, ele olhou para Rafaela, iluminada pela
fraca luz do abajur e a da tela do computador; achou-a bonita, apesar da
aparência um tanto cansada e do coque que estava desmanchando. Ela estava
distraída, olhando algo na tela, e não percebeu o olhar dele. Ela se moveu, e o
perfume que usava chegou até Décio, despertando-lhe desejo. Pela primeira vez,
após vários dias, ele não sentira falta de Sophie.
Decidiu que após entregar a reportagem a Sérgio,
escreveria seu livro como se fosse ficção, mas incluindo detalhes da verdadeira
história, a versão contada por Sophie.
Sérgio adorou o trabalho dos dois, e a
publicação foi um grande sucesso. Houve uma festa no escritório para comemorar,
e Décio estava em um momento profissional muito bom. Achou que era hora de
mudar de apartamento, procurar um lugar mais tranquilo, sem barulho e sem
tantas caixas empilhadas pelos cômodos, mas com mobília de verdade; algum lugar
realmente agradável, organizado. E foi Rafaela quem o ajudou nesta tarefa. Acabou
encontrando para ele um apartamento no final da Rua Ipiranga, em um antigo
condomínio. O lugar era espaçoso e tranquilo, e ainda dispunha de uma área de
lazer e um pequeno jardim.
A mudança foi fácil; todas as poucas coisas que
Décio possuía couberam em uma viagem de um pequeno caminhão. O apartamento
precisava de decoração e mais mobília, um toque feminino, e novamente, ele pode
contar com a ajuda de Rafaela. Os dois estavam juntos, mas segundo Décio deixou
claro, sem compromissos, para ver no que ia dar. Ela dormia com ele algumas
noites, eles saiam juntos com amigos ou sozinhos, e Décio continuava vendo
outras garotas ocasionalmente, até que ele finalmente achou que poderia ter
algo mais sério com Rafaela e parou de sair com outras mulheres. Para ela,
aquela decisão foi tão esperada, que ela teve que se segurar para não sair
cantando e pulando pela rua!
Também ficou feliz no dia em que eles, de mãos
dadas, fizeram a comunicação sobre o namoro oficial aos amigos.
Seis meses depois, o livro estava progredindo aos
poucos; Décio achou que não faria mal contar a Rafaela que aquela era a
verdadeira história de Sophie e Endora, e Rafaela não se surpreendeu:
-Eu já desconfiava. Nossa... que vida elas
tiveram! Tomara que a Sophie consiga ser feliz, encontrar alguém, sei lá...
Décio notou que ela estava sendo sincera. Falar
de Sophie, conversar sobre ela, já não o machucava
mais. Estava começando a
gostar de Rafaela de verdade. Ela era uma mulher muito bonita, uma grande
amiga, sexy, companheira, excelente companhia e não ficava pegando no pé dele
como ele pensara que aconteceria. Não era ciumenta e insegura, era madura e
forte. E estava completamente apaixonada por ele. Ele não podia dizer o mesmo em
relação a ela, mas o sentimento que ele tinha por Rafaela era bem mais forte do
que tivera por outras mulheres – a não ser Sophie, é claro. De repente, ele
pensou em onde ela estaria, o que estaria fazendo...mas aquele pensamento fugaz
passou rapidamente entre os beijos de
Rafaela.
(continua...)
Um obrigada e um beijinho.
ResponderExcluirDe Portugal,
Dilita
Oi, querida amiga, Ana Bailune !
ResponderExcluirNossa !
Vou esperar o próximo capitulo.
Fiquei muito curioso !
Parabéns e um carinhoso abraço.
Sinval.
Oi, querida amiga, Ana Bailune !
ResponderExcluirNossa !
Vou esperar o próximo capitulo.
Fiquei muito curioso !
Parabéns e um carinhoso abraço.
Sinval.
Boa noite, Ana, ainda bem que os pais do Décio se acertaram.
ResponderExcluirQuem sabe ele também se acerte, não?
A vida sempre nos reserva surpresas, qual será a deles?
Aguardando pelo próximo capítulo, abraços carinhosos
Maria Teresa