sexta-feira, 3 de agosto de 2018

O Lar de Ofélia - Parte VII










O LAR DE OFÉLIA - Parte VII



Depois de fazerem amor, Ofélia e Bruno conversavam na cama. Ela contou-lhe sobre a queda de Rony da escada e que seu pai estava hospitalizado, e Bruno a escutou com atenção. Após pensar durante alguns minutos, enquanto acariciava os cabelos dela, que estava abraçada a ele na cama, Bruno disse:

-Ofélia... você disse que seu pai caiu da escada enquanto dizia a você que venderia a casa...

-Sim. Por que?

-Pense: quando chamei você para ir embora comigo, a casa estalou e as portas bateram como se ela estivesse protestando. Será que a queda de seu pai não foi causada pelo que ele disse?

Ofélia sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Tinha anoitecido, e exceto pelo abajur ao lado da cama, a casa estava completamente às escuras. Bruno poderia estar certo. Ela apoiou a cabeça no antebraço a fim de olhar para ele:

-Você pode estar certo, Bruno... mas... se isto aconteceu, é porque ela quer que eu fique aqui com ela... existe alguma coisa que eu preciso descobrir.

Ele sentou-se na cama, e ela olhou para suas costas musculosas. Apesar do rosto de menino, Bruno era um homem e tanto, pensou. Ele se levantou, vestindo as calças e procurando por sua camiseta de malha, que deslizou pelo pescoço rapidamente. Ao sentar-se para calçar os tênis, ele disse:

-Eu não gosto disso, Ofélia. Se eu fosse você...

E então ele se calou, olhando-a nos olhos e inclinando-se para beijar-lhe  a ponta do nariz. Ela quis puxá-lo para a cama novamente, mas ele protestou:

-Tenho que ir, ou meus pais estarão aqui atrás de mim daqui a pouco. 

Aquilo quebrou o encanto que havia entre eles, e ela sentou-se na cama, enrolando os cabelos e prendendo as pontas em um coque. Alcançou seu vestido, que estava aos pés da cama, e vestiu-se também, enquanto ele caminhava até o corredor. Ao chegar ao alto das escadas, Bruno olhou para baixo e segurou firme no corrimão antes de começar a descê-las bem devagar, sentindo, o tempo todo, um calafrio de medo. Ofélia desceu logo atrás dele, e enquanto passavam pelos cômodos até a porta de entrada, ela ia acendendo as luzes da casa. 

Antes de sair, ele a olhou e fez uma carícia em seus cabelos. Ofélia sentiu que estava se apaixonando por aquele menino, o que talvez não fosse uma boa ideia. Quando ele se foi, ela voltou ao porão e continuou seu exercício de olhar para a pintura tentando fazer com que alguma resposta chegasse até ela. 

Na manhã seguinte, foi ao hospital ver o pai, mas teve a notícia de que ele ainda continuava em coma induzido. Havia um inchaço no cérebro, e seu estado era grave. Ofélia pensou na possibilidade de ter sido a casa a causadora de tudo aquilo, e sentiu uma onda de culpa invadi-la.

 Mais tarde, ela foi trabalhar, resolveu alguns assuntos pendentes e depois saiu cedo - logo após o almoço - alegando que não estava se sentindo bem. Magda, a secretária de Rony, uma mulher de meia idade magrinha e pequena, que trabalhava na firma há mais de vinte anos, perguntou se havia alguma coisa que pudesse fazer para ajudá-la:

-Se quiser, posso passar a noite com você. 

-Agradeço, Magda, mas vou ficar na casa de uma amiga esta noite. 

-Qualquer coisa, é só me ligar. Sabe que estarei aqui para você. Eu estou muito preocupada com você, Ofélia. 

Ofélia viu a sinceridade no olhar de Magda. Depois da morte da mãe, ela enxugara suas lágrimas algumas vezes. Confiava nela, e a admirava. Abraçou-a, lamentando estar mentindo para ela, dizendo:

-Eu vou ficar bem, não se preocupe. Minha amiga está me esperando, eu já tinha dito a ela que chegaria mais cedo em casa. Vou indo... obrigada mais uma vez.

Ofélia dirigiu-se para a casa. ao passar pela casa de Bruno, sentiu-se aliviada por não vê-lo por lá. Queria ficar sozinha na casa. 

Naquela noite, ela foi até o porão e levou o quadro para dentro da casa, pendurando-o na sala de estar, na parede oposta à lareira. Assim, podia sentar-se em frente a ele e contemplá-lo com mais atenção e conforto. E foi o que ela fez. Enquanto o olhava, cenas de sua própria vida iam passando pela sua cabeça; cenas que a deixavam um tanto deprimida. lembranças dos tempos de criança, de algumas amigas da escola que nunca voltara  a ver, da casa onde crescera - agora ocupada por seu pai e suas namoradas que ela detestava. Ofélia pensou no quanto era solitária, e no quanto sua vida era vazia e triste. Apesar de todo o dinheiro de sua família, ela não tinha uma vida, não tinha amigos e jamais saía para se divertir. Normalmente, ela  tentava evitar aqueles pensamentos sombrios, devorando livros e filmes uns atrás dos outros, mas desde que chegara na casa, não o fizera, e as memórias correram a acumularem-se à tona de seus pensamentos, transbordando em uma cascata que ela não conseguia mais fazer parar. 

De repente, ela notou que alguma coisa estava acontecendo: apesar de estar sentada na mesma poltrona, na mesma sala, diante do mesmo quadro, alguma coisa parecia diferente. Ela percebeu que as roupas que usava eram outras. Ofélia escutou passos no corredor, passos leves de criança, que logo se transformaram em uma corrida. Ela sentiu um calafrio de medo percorrer sua espinha, e quis gritar ou mover-se, mas não conseguiu. Viu quando uma menina loira de olhos claros - a mesma com a qual sonhava quase todas as noites, desde que chegara lá -  correu em direção a ela, sentando-se no seu colo como se a conhecesse há muito tempo. Os braços da menina envolveram seu pescoço em um abraço carinhoso, e ela deitou a cabeça em seu peito, murmurando uma canção. 

Ofélia notou que o vestido dela parecia antigo, e que ela usava um laço de fita rosa no alto da cabeça. Ofélia sentiu o cheiro leve de lavanda emanado pelo vestido da menina, e a maciez de seus cabelos de encontro ao seu rosto. Abraçá-la foi a coisa mais natural a fazer, e quando o fez, começando a embalar a menina como se estivesse em um sonho, tudo se encaixou: Vivian. O nome da menina era Vivian, e ela era sua filha amada!

Ela sentiu que lágrimas brotavam dos seus olhos, e que uma saudade antiga, há muito tempo guardada, estava sendo finalmente realizada. Ofélia sorriu, fechando os olhos e apertando a menina contra o corpo, enquanto balançava-a no colo como se a ninasse. A vida agora fazia todo o sentido: tudo o que passara a preparara para viver aquele momento exato, naquela casa. Pegou a mãozinha da menina, levando-a aos lábios. Vivian olhou para ela, dizendo:

-Eu senti tanto a sua falta, mamãe! Prometa que não vai mais embora!

Antes que Ofélia pudesse responder, ainda tomada pela emoção daquele momento, ela viu um homem parado à porta da sala, olhando para elas. Parecia muito surpreso, um tanto confuso. Era o homem da fotografia. Anselmo. O pai de sua filha. Seu marido tão amado. 

(continua...)

3 comentários:

  1. Bonito episódio:)) Adorei :))

    Hoje: Embriaguez de um macio vinho

    Bjos
    Votos de uma óptima Sexta-Feira

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  2. Olá Ana querida


    Sua escrita é primorosa...

    Beijos
    Ani

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  3. Gostei de encontrar mais um lindo cantinho. Interessante história. Abçs

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