terça-feira, 1 de setembro de 2020

O DIA QUE MUDOU MINHA VIDA - PARTE 7





 PARTE 7 


Naquele mesma hora, liguei para a escola e pedi que me substituíssem. Entrei no carro e fui para a casa de minha mãe a fim de conversarmos; afinal, ela não podia continuar pensando aquilo sobre mim! 

O trânsito estava terrível, e a ansiedade que eu sentia era crescente. Quase me envolvi em uma discussão no trânsito, e juro que se não estivesse com tanta pressa para falar com minha mãe, eu teria descido do carro e literalmente surrado a outra motorista. Eu estava realmente à beira de um ataque de nervos, pensei, mas então percebi que estivera naquele mesmo estado desde o dia da morte de Betina. Era como se eu tivesse ficado congelada no tempo. Era como amanhecer todos os dias e perceber, exatamente como acontece em alguns filmes, que o meu dia anterior estava se repetindo.

Finalmente, cheguei e fui direto ter com minha mãe. Encontrei-a ainda de camisola, tomando seu café no jardim de Paola, que já tinha saído para o trabalho. Ela me olhou enquanto eu me aproximava, a xícara parada a caminho da boca. Pousou-a no pires sem tomar o café. 

Eu levava comigo a caixa com o anel e o vestido. Sentei-me diante dela, e jogando o conteúdo da caixa sobre a mesa, quase gritei:

-Então esses anos todos você pensa que eu... que eu... mãe, eu só tinha treze anos! Estava amedrontada, eu não sabia oi que fazer com... com tudo aquilo que estava acontecendo, e as coisas acabaram saindo de controle, e de repente, não fazia mais sentido dizer a verdade, contar o que eu vi.

Ela franziu a testa, e segurando minhas mãos trêmulas, acariciou-as durante algum tempo, tentando me acalmar. Quando viu que eu parara de chorar, ela disse:

-Minha filha, foi muito difícil para mim também passar todos esses anos sem confrontar a verdade. Você precisa fazê-lo agora. Não quero que carregue esse peso pelo resto de sua vida.

-Puxei minhas mãos de sob as dela e berrei:

-Então você ainda acha que eu... que eu matei a Betina??? Se pensava isso, por que não me confrontou naquela época? Talvez eu não tivesse a vida de merda que eu tenho hoje se você tivesse feito isso! A culpa é sua, mãe, por não saber como lidar com sua própria filha de treze anos de idade!

Ela gritou:

-Se acalme, por favor!

Aquilo me chocou, pois a minha vida inteira, minha mãe gritara comigo pouquíssimas vezes. Respirei fundo e fiquei em silêncio, balançando os joelhos de tão nervosa. Ela continuou:

-Acho que você precisa contar essa história, Mônica. 

Eu me levante e comecei a andar de um lado para o outro, juntando cacos de memória. Comecei:

-Naquela tarde, depois que vocês saíram, eu fui até a casa de Betina ficar na piscina, porque estava muito calor. Ela tinha convidado, lembra? Mas cheguei lá e não encontrei ninguém. Eu fui à cozinha e tomei suco de laranja que achei na geladeira – fiz isso duas vezes, os copos que Helena encontrou tinham sido usados por mim. 

Fui logo para  a piscina, pois chamei por Betina e ela não respondeu. Achei ter ouvido risadas no quarto, e assim pensei que ela não estava a fim de ser perturbada porque deveria estar com alguém. Eu fui para a piscina e fiquei lá o resto da tarde. Lembro-me de que quando saí da água, meus dedos estavam até murchos. Eu cheguei a ouvir ruídos de algo se quebrando em algum lugar, mas por preguiça, não fui ver o que era. 

Mais tarde, ouvi a porta da cozinha sendo aberta... fui ver quem poderia estar saindo pelos fundos, só para saber, por curiosidade, quem poderia estar com Betina em seu quarto. E então me escondi atrás do muro que separa o quintal dos fundos do jardim. Foi quando eu o vi... Breno. Estava muito nervoso. Parecia desesperado. Andava de um lado para o outro e segurava a cabeça com as mãos, até que ele olhou para o muro dos fundos... deu impuldo e correndo, conseguiu alcançar a borda. Ele tentou duas vezes antes de conseguir. E então pulou para o outro lado, desaparecendo. 

Fiquei curiosa e ao mesmo tempo, amedrontada. Achei melhor ir embora. 

Mas eu sabia que ele tinha feito algo errado, alguma coisa não estava certa. Então eu achei melhor verificar.

Antes de ir embora, subi ao quarto de Betina e a encontrei... caída sobre o tapete branco junto à cama, e o tapete estava manchado de sangue... o cachorro de ferro que ela usava para prender a porta da sacada estava caído sobre vidro quebrado, como se alguém o tivesse empurrado, achei que ela tinha caído sobre ele de cabeça e o empurrado em direção ao vidro com a queda. Eu verifiquei se ela estava viva... mas ela tinha os olhos vidrados, a mão parecia quebrada...  acho que foi ali que sujei a barra do vestido no sangue dela e nem percebi. Senti náuseas... corri ao banheiro... havia uma fileira de pó branco sobre a pia, e um canudo de plástico. Betina estivera usando drogas. 

Eu fiquei com muito medo! Imagine, eu só tinha treze anos! Não sabia como lidar com aquilo...

Minha mãe me ouvia pacientemente, mas havia algo nos olhos dela que dizia que ela não acreditava no que eu estava falando. Naquele momento, surgiram Sandrinha, Paola... e Breno! Ele estava diferente do Breno que eu guardava na memória, mas era ele, pude reconhece-lo logo.

De repente, eu me senti cercada e confrontada. O pânico começou a tomar conta de mim. Eles me olhavam, eles me acusavam com os olhos. Eu me sentia com treze anos de idade novamente!

Paola me segurou pelo braço, me obrigando a sentar-me à mesa novamente e sentando-se ao meu lado. Na minha frente, mamãe e Sandrinha me encaravam. Breno sentou-se ao lado de Paola. Olhei para ele:

-O que você está fazendo aqui? Veio espalhar mentiras sobre mim?

Paola respondeu:

-Não, Mônica, ele veio porque mamãe pediu. Nós estamos aqui porque ela nos pediu. 

Apavorada, retruquei:

-Vocês também pensam que eu a matei, não é?

Sandrinha, que estivera calada, se pronunciou:

-Não é nada disso! Até ontem, nós não sabíamos de nada disso, nem desconfiávamos que Betina poderia ter sido assassinada. Mas a mamãe nos contou sobre o vestido, sobre o anel... e ontem mesmo Paola conseguiu localizar Breno pela rede social e pediu a ele que ele viesse aqui, já que ele está de volta à cidade. 

Eu não estava entendendo nada! Como Breno poderia ser tão cínico, a ponto de me confrontar? Apontei para ele, acusando-o daquilo que eu sabia há tantos anos.

-Você a matou! Eu estava lá, mas como sempre, vocês me ignoraram. Você a matou e depois pulou o muro dos fundos para o terreno baldio. Eu vi tudo! Mas eu só tinha treze anos, e fiquei com medo... não sabia como agir, não sabia como explicar à polícia que eu estava ali. Eu tinha medo!

Minhas irmãs olharam para Breno, e depois de volta para mim. Minha mãe perguntou, a voz contida e fria:

- Filha, o que o anel de Betina estava fazendo entre as suas coisas?

-Ela o emprestara a mim dias antes de morrer!

Paola me interrompeu:

-Mônica, você e eu sabemos que ela jamais tirava esse anel! Tinha sido presente da avó dela, que ela adorava, e era a única coisa que ela não emprestava a ninguém! 

Fiquei confusa; minha cabeça era um turbilhão, e nem eu acreditava mais em mim. Até que voz de Breno me fez tremer, voltando à realidade:

- Mônica... pense bem! Como você poderia ter me visto lá na casa naquele dia, se eu estava fazendo prova de vestibular em São Paulo?

Paola o apoiou:

- É verdade, irmã. Falei com ele pelo telefone naquela mesma noite. Ele só voltou à cidade no dia seguinte de manhã, antes de Helena descobrir o corpo de Betina. E Breno tem testemunhas! Os pais dele o levaram à rodoviária onde ele pegou o ônibus para São Paulo, e ele fez a prova e passou, tanto que logo depois foi estudar na USP. 

Eu não sabia o que dizer. Minha boca se entreabriu, mas a minha voz não saiu. 

(CONTINUA...)





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