segunda-feira, 14 de setembro de 2020

O DIA QUE MUDOU A MINHA VIDA - PARTE 9


 Parte 9 

Depois de me lembrar de tudo o que acontecera naquele dia quente e ensolarado, e de ter narrado aos outros o que acontecera, senti como se um enorme peso saísse dos meus ombros. Mas ao mesmo tempo, a morte de Betina tinha sido culpa minha. Olhei para os rostos em volta de mim, que me fitavam, atônitos. Minhas irmãs choravam. Breno estava calado, as sobrancelhas franzidas e a boca entreaberta. Minha mãe me estendeu um papel amassado: era a minha foto que Betina perfurara com o pin, meu rosto irreconhecível que ela, sem dó, tinha rasgado. Havia manchas que eu sabia serem de sangue – o sangue de Betina! Minha mãe respirou profundamente, dizendo:

-Eu sempre soube que você estava envolvida na morte dela. Primeiro, o vestido pendurado no varal com a barra manchada de sangue. O biquine ao lado do vestido, e você disse, naquele dia, que não tinha saído de casa. Depois, encontrei o anel dela escondido em sua gaveta, e ao revistar sua bolsa de praia, deparei com a foto amassada e cheia de sangue. Mas você era minha filha! Você era a minha menininha de apenas treze anos de idade! Como eu poderia ter contado aos outros? Meu dever como mãe era protege-la! 

Paola gritou:

-Mãe, mas ela matou a Betina!!!

Eu me defendi:

-Foi um acidente! Foi sem querer! Ela estava sobre a cama, eu só queria... eu queria a foto, e ela não me entregava, e ... ela perdeu o equilíbrio!

Breno arrematou:

-Você a empurrou! E se ela ainda estava viva, podia ter chamado por ajuda! Quem sabe... ela estaria viva!

Eu me ergui da cadeira, derrubando-a:

-Não! Ela morreu minutos depois...

Paola me confrontou:

-Como você sabe, se perdeu a noção do tempo?! Você sequer se lembrava de quanto tempo tinha passado! Você sempre teve esses... esses...

Minha mãe puxou Paola pelo braço:

-Cale-se, Paola!

Sandrinha levou a mão à cabeça em desespero, andando em círculos. Eu perguntei:

-Sempre tive esses o quê? 

Todos se calaram. Fez-se silêncio total. Repeti a pergunta:

-O que foi que eu sempre tive? Mãe? Paola?

Elas se entreolharam, e foi Sandrinha quem respondeu:

-Hã... Mônica... é que... bem... quando criança, você tinha alguns... ataques... era sonâmbula, e... quando acordava durante o sono, demorava a se lembrar de nós, ficando muito assustada. Nossos pais chegaram a internar você durante três meses em uma instituição...

O que ela dizia parecia não fazer sentido nenhum para mim. Então eu estivera internada em um manicômio na infância? Não me lembrava de nada daquilo. Abri aquela pergunta, fitando minha mãe nos olhos. 

Ela concordou com a cabeça:

-É verdade, Mônica. Você tinha seis anos... mas curou-se! Os pesadelos e os ataques de sonambulismo só voltaram em ocasião da morte de sua tia, e depois... quando Betina morreu. 

Eu estava boquiaberta, pois estavam dizendo coisas sobre mim das quais eu não me lembrava e que me eram totalmente desconhecidas. Paola acrescentou:

-É. De vez em quando você tinha esses... apagões. 

Levei a mão à boca, me lembrando de uma noite em que acordei em no corredor do meu próprio apartamento. Eu segurava uma faca, e não tinha a menor ideia do que ela estava fazendo na minha mão. Foi no dia seguinte ao que meu marido foi embora. Quando eu estava sob grande estresse, aquilo me acontecia. 

Breno murmurou:

-Bem, já fazem muitos anos desde a morte de Betina. A polícia concluiu que ela morreu do tombo, causado por uma overdose – tinha muita cocaína no sangue dela. Mas... agora a gente sabe a verdade. O que vocês pretendem fazer?

Paola e Sandrinha se entreolharam, e minha mãe declarou:

-Absolutamente nada. Os pais de Betina já são ambos mortos, e ela não tinha irmãos. Helena está bem idosa agora e com certeza não precisa dessa história para atormentá-la. Os demais parentes de Betina sequer se lembram que ela um dia existiu. Ela mal conheceu os primos. Nem sabemos onde eles moram, ou quem eles são. Essa história está morta e enterrada. 

Paola tentou argumentar:

-Mas mãe, ela matou a minha melhor amiga! Precisamos contar a verdade a alguém!

Eu chorava. Não sabia o que dizer ou como interferir ao meu favor, pois no fundo, achava que Paola e Breno tinham razão. Sandrinha nada dizia, permanecia andando de um lado para o outro, olhando para nós e sacudindo a cabeça. Eu ficava sentada, chorando, sem saber o que dizer ou o que pensar. Minha mãe tocou meu ombro:

-Eu quero que você vá viajar. Precisa ir para longe disso tudo, Mônica.

Neguei:

-Como você pode dizer isso, mãe? Não tenho cabeça para viajar. Acho que eu vou me entregar à polícia.

Dizendo aquilo, eu me levantei e comecei a sair da casa de Paola. Ela gritava:

-Mãe, como pode proteger ela numa hora dessas?

-Ela era só uma criança! O que queria que eu fizesse? Sou a mãe dela!

As vozes delas iam ficando cada vez mais distantes enquanto eu me afastava. 



(continua...)






2 comentários:

  1. Olá amiga!
    Gostei muito de ler a sua história, um tema muito bem escolhido, parece verdadeiro, dou-lhe os meus parabéns!
    Deixo-lhe um beijinho com carinho, e desejo que esteja bem de saúde. Abraço de paz e bem amiga! Muito obrigada pelas suas visitas e comentários:) Grata!

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  2. Olá, regresso à blogosfera de pois de dois anos de ausência. Trago comigo alquimia das palavras, a partilha de todas as emoções beijinho

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