quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

A RUA DOS AUSENTES - Parte 2

 





PARTE 2 – NOTÍCIAS

 

E aquela sexta-feira 13 ainda tinha muitas histórias para contar. A primeira delas ocorreu no final da tarde, quando Lázaro adentrou o pub Mário’s. A porta rangeu mais que o normal quando ele a empurrou, e o burburinho típico do local silenciou durante alguns segundos enquanto o velho encurvado se dirigia ao balcão pedindo uma dose de gin. Ele já não era visto por ali há meses. Conhecido por não falar quase nada e só responder por monossílabos, sem nunca olhar diretamente no rosto das pessoas – apenas quando ele mesmo o desejava – Lázaro parecia ainda mais soturno do que o normal, se é que isso era possível.

Os homens curiosos desejavam saber mais, e a curiosidade deles causava desagradáveis calores e coceiras pelos corpos agasalhados. Finalmente, um deles se aproximou de Lázaro, sendo observado por todos os demais, e pigarreando ruidosamente, cumprimentou-o:

-Boa noite, Lázaro, há quanto tempo, hein?

Lázaro apenas tocou a aba do chapéu que jamais tirava, mas sem olhar para ele. O homem olhou em volta, procurando apoio, e alguns o incentivaram com um leve aceno de cabeça. Ele continuou:

-Então. Vimos quando o carro fúnebre entrou na cidade esta manhã e foi até a Rua dos Ausentes.

Ele aguardou, esperançoso, achando que Lázaro contaria a história. Naquele momento, o bar estava em silêncio quando Lázaro olhou-o brevemente, e passou os olhos pelo bar, tomando seu gim de uma só vez, finalizando o evento com uma breve careta e colocando o copo de volta sobre o balcão com força.

Lázaro se levantou, dizendo:

-E viram mesmo.

Enquanto ele cruzava a distância do balcão até a saída do bar, uma voz se fez ouvir:

-Conte-nos mais, Lázaro! Quem morreu?

Ele estancou, a mão na maçaneta, e respondeu sem olhar para trás:

-Como vocês podem ver, não fui eu.

E dizendo aquilo, ele saiu para a cidade onde uma névoa cinzenta e gelada encobria as luzes dos postes e faróis de carros. Entrou em seu Buick preto, e acelerando, foi embora.

No dia seguinte, sábado, as pessoas percorriam os jornais em busca de alguma nota fúnebre – e a encontraram.

Morrera Évora Siqueira Camargo, 98 anos de idade, moradora da Rua do Silêncio, e seria cremada em uma cerimônia particular na cidade vizinha de Porto Seguro. “Que Deus desse paz à sua alma,” diziam as velhas da cidade, falsamente demonstrando um luto que não sentiam e  fazendo o sinal da cruz, se entreolhando significativamente. Algumas pessoas diziam: “Nem sabia que ela ainda estava viva!”

Alguns curiosos ainda tiveram o trabalho de, na manhã de domingo, percorrer os 120 quilômetros que separavam as duas cidades a fim de tentarem ver o que acontecia no velório da velha senhora, mas como era uma cerimônia totalmente privada, nada ou quase nada conseguiram vislumbrar. Porém, trouxeram consigo algumas histórias fragmentadas sobre um pequeno grupo de pessoas – não mais que doze, não menos que dez - elegantemente vestidas que mal se comunicavam umas com as outras, mas que ao mesmo tempo, pareciam demonstrar um enorme conforto e intimidade entre elas. Todas elas aparentavam estar na idade madura, entre quarenta e setenta anos. Após a cerimônia, o pequeno grupo deixou o local, entrando imediatamente em seus carrões, alguns dirigidos por motoristas particulares, rumo a lugares que os curiosos não sabiam explicar.

Voltando ao dia anterior – sábado – após a remoção do féretro pela manhã, logo após o almoço um  acontecimento inédito  trouxe uma onda de mistério e especulações ainda maiores à cidade de Pico Negro: um enorme bando de pássaros negros percorreu os céus da cidade. Eram corvos. Eles passaram voando e grasnando, sem pousarem em qualquer local, indo em direção à Rua do Silêncio. Dizem os mais exagerados que eram mais de mil e quinhentos pássaros, mas como alguém poderia tê-los contado? Após o estranho evento, eles não foram mais vistos.

Naquela tarde, caiu uma chuva torrencial que durou quase uma hora, com muitos raios e trovões, o que era atípico para aquela estação. Os moradores recolheram-se em suas casas, deixando as ruas e estabelecimentos comerciais totalmente vazios até o anoitecer, mesmo após a chuva ter parado. Então, no início da noite, após o fechamento do comércio local, alguns homens dirigiram-se ao Mario’s a fim de compartilharem suas superstições uns com os outros.


(Continua)



 

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