CAPÍTULO 10 –
TODAS AS RESPOSTAS?
Eduína recostou-se na poltrona, supondo que
suas perguntas demorariam para serem respondidas. A primeira dela era sobre a atmosfera
do lugar, e ela olhou para cima, tentando formular a pergunta da forma mais
clara possível:
- Hã... Eu percebi que, ao chegar aqui, eu me
tornei mais bonita de repente. Por que? Isso tem a ver com o ambiente desse
lugar?
-Não. Eu desejei isso ao lançar a maldição, há
muitos anos, como uma forma de compensar você. Considere como um pequeno
presente.
Ela concordou com a cabeça, mas não agradeceu.
-Segunda pergunta: Como o seu gato apareceu
aqui?
A bruxa sorriu quase que imperceptivelmente
antes de responder:
- Félix não é exatamente um gato doméstico. Ele
é meu familiar – um espírito que eu
moldei para me trazer as informações que eu preciso, mas ele está em formato de
gato porque aparentemente, Guiomar adora gatos. Acho que são a única coisa que
ela adora, na verdade, e eu sabia que se ele aparecesse aqui, ela cuidaria
dele. A cada dez ou quinze anos, eu invento um novo gato para ela , mas na
verdade, ela não desconfia que todos os... “gatos” são o mesmo.
-Mas você me disse que podia ver as coisas,
mesmo estando adormecida.
-É verdade, mas elas nem sempre me surgem
claramente. Mas agora que você me despertou e devolveu meu anel, meu poder
aumentou muitíssimo. Talvez eu nem precise mais de Félix... (ela disse aquilo
olhando para o gato de soslaio, e o pobre animal se encolheu de medo, pulando
do sofá e entrando na cozinha para se esconder). Hélida riu alto. Eduína, que
era muito sensível aos animais, não gostou daquela última observação, e
formulou sua terceira pergunta.
- Você veio de onde? Quem é você, como surgiu
nessa história?
A bruxa sentou-se mais confortavelmente, pois
aquela parte seria mais longa.
-Na verdade, essa é a minha história. Desde
sempre.
Eduína percebeu que seria uma longa história, e
achou melhor recostar-se confortavelmente na poltrona aveludada. A outra
mulher, percebendo a disposição de Eduína em ouvi-la, começou seu relato após
um longo suspiro:
-Eu e minha família éramos muito ricos. Éramos
a família mais rica de Lyon. Meu pai era um comerciante de tecidos e perfumes
finos, e também especiarias. Minha mãe herdara dos pais uma imensa fortuna que
eles amealharam fabricando e vendendo joias. Assim era a nossa família.
Morávamos em um castelo e éramos uma família unida e muito famosa.
Devido aos negócios de nosso pai, eu, minha
irmã Adelle e meus pais tivemos que nos mudar para a Espanha em 1670. Lá
chegando, fizemos amizade com um dos antepassados desta família horrenda, um
duque que aparentemente tinha o interesse de tornar-se nosso amigo
apresentando-nos à sociedade. Eu tinha dezessete anos de idade naqueles tempos,
e minha irmã, apenas sete anos.
Naquele momento, o rosto de Hélida entristeceu.
Ela baixou os olhos, mas continuou sua história:
- Não me lembro exatamente onde morávamos... já
faz tanto tempo... os detalhes se perderam. Mas sei que nos mudamos para esta
mansão que ficava numa área campestre, auxiliados pelo conde, que apresentou
nosso pai ao proprietário. Como tínhamos a intençao de retornar a Lyon no ano
seguinte, meu pai decidiu apenas alugar a casa. Eu passava a maior parte do meu
tempo andando pela floresta que circundava a casa. Ela era profundamente verde,
e eu nunca havia me sentido tão bem em um lugar! Logo eu senti que alguma coisa
diferente estava acontecendo comigo.
Toda vez que eu estava na floresta eu sentia
que os pássaros se aproximavam cada vez mais, e havia outros animais também,
como veados e guaxinins, que chegavam mais perto e me observavam. Um dia,
encontrei uma senhora; ela era muito idosa e estava um tanto mal vestida para
os padrões da minha família, mas parecia ser de confiança. Ela me disse que eu
tinha “O Dom.” Logo ficamos amigas. A cada interação que tínhamos – passei a
frequentar o seu chalé escondida dos meus pais – ela me ensinava sobre as ervas,
as plantas em geral, os animais. Me mostrou seu grimório...
- O que é isso?
- Um livro de feitiços. Ela me ensinou a
manipular a natureza. Parecia que eu simplesmente me lembrava das coisas, tal a
rapidez com que aprendia tudo e não esquecia jamais um feitiço após aprendê-lo.
Em apenas alguns meses, eu já dominava todas as práticas do grimório,
deixando-a impressionada. Ela decidiu que eu estava pronta, e abrindo o armário
da cozinha, pegou uma pequena caixa e tirou de lá um objeto embrulhado em
veludo negro.
- O anel, suponho.
- Sim, o anel. Este mesmo anel que eu uso hoje.
E ela me pediu que o usasse com sabedoria e altruísmo, e não o mostrasse a
ninguém. Alertou-me para ser sempre discreta sobre os meus poderes e não contar
a ninguém sobre eles – nem à minha própria família. Mas o que deveria ter sido
uma bênção, logo transformou-se em uma maldição. Porque eu achei que poderia
consertar o mundo e ajudar as pessoas. Mas elas são ingratas, acredite em mim!
Naquele ponto do relato, os olhos de Hélida
brilharam de raiva, e ela bufou, sentando-se na ponta do sofá. Instintivamente,
Hélida encolheu-se na poltrona, mas pediu:
- E o que aconteceu? Continue sua história, por
favor.
-Eu usei meus poderes para curar, ajudar,
guiar. Pedia às pessoas que mantivessem segrêdo, mas logo havia uma fila de
miseráveis e aproveitadores à porta de nosso castelo. Todos queriam a mesma
coisa: usar meus poderes para obterem algum tipo de vantagem, e nem sempre era
a cura para alguma doença, mas tinha a ver com dinheiro e poder. Minha família
teve que colocar guardas à porta, mas eles não foram suficientes para conter a
multidão, e logo a igreja e esta família ficaram sabendo dos acontecidos. Um
dos membros era um bispo importante, e eu fui presa juntamente com a minha
família.
Hélida passou a andar de um lado ao outro da
sala, seguida pelos olhos fascinados de Eduína.
Meus pais e minha irmã foram torturados e
mortos, e meses depois, fui colocada para dormir. Meu poder é tão grande, que
não conseguiram me matar – e acredite, eles tentaram. Nossos bens foram
distribuídos entre o bispo e sua família.
Eduína respirou profundamente, mexendo-se desconfortavelmente
na poltrona. Hélida olhou para ela, e disse friamente:-Mais alguma coisa que
deseja saber?
Eduína ergueu a cabeça, dizendo:
-Se tudo o que está me dizendo é verdade, por
que quando eu encontrei você e a despertei, você me olhou e disse: “Então você
é filha dela?” Se eu sou apenas mais uma, alguém preparado para servir ao
propósito dele, por que perguntou-me aquilo?
Hélida fitou-a nos olhos, e Eduína sentiu um
pouco de tontura, mas mantevese firme. A bruxa era realmente forte!
-Eu me referi ao personagem que lhe venderam,
não a você ou à sua mãe verdadeira. Para todos os efeitos, você é a filha de
Viviane.
-E todos eles sabem sobre sua verdadeira
origem, até mesmo Felício? Porque ele me disse que...
Hélida a interrompeu:
-Sinto muito, mas Felício, sua paixonite, é tão
falso quanto todos eles. O dever dele é ganhar a sua total confiança para
facilitar o ritual. Eles querem que você se apaixone por ele.
-Mas como, se você mesma disse que eu fui
preparada para não ter sentimentos?
A bruxa a olhou como se estivesse falando com
a pessoa mais néscia do mundo:
- Não notou nenhuma diferença na sua maneira de
sentir ultimamente? Eles estão diminuindo a dose de seus medicamentos. Apenas o
suficiente para que você sinta alguma coisa por ele, o que não é difícil, já
que Felício pode ser bastante sedutor...
Eduína examinou seus últimos dias e teve que
admitir que pensava mais em Felício do que seria necessário. De uma maneira que
nunca havia pensado em Cláudio, a quem beijara e com quem fizera amor e
compartilhara alguns segredos.
- Os enjoos e desmaios que você vem tendo são
devidos a isso, a falta dos remédios que tomou desde sempre. Escute; estou prestes
a obter a minha vingança, e você será salva desse destino horrível que
prepararam para você se eu conseguir. E ainda prometo a você segurança
financeira até o final da sua vida. Se me ajudar, é claro. Mas já vou avisando
que não vai ser nada fácil.
Eduína pensou antes de responder, e o silêncio
entre as duas durou alguns minutos antes que ela respondesse:
-Mas se você é uma bruxa poderosa, por que
apenas não os destrói? Para quê precisaria de mim?
Hélida caminhou até ela, e dobrando o corpo
para encará-la de frente, e pondo as mãos em cada um dos braços da poltrona em
que Eduína estava sentada, aproximou o rosto do dela, fazendo com que a moça se
encolhesse novamente.
-Porque se eu fizesse isso, não estaria
vingando a minha família, os dias e dias de torturas aos quais foram
submetidos. Eu quero que eles PAGUEM! Eu quero que me paguem da mesma forma,
com os mesmos requintes de crueldade! E você nem precisa ficar para ver. Destruí-los
seria realmente muito fácil, mas eu preciso de mais! Quero condená-los a uma
eternidade de sofrimentos! A todos eles! Inclusive aos que ainda não voltaram!
Dizendo aquilo, Hélida se afastou, sentando-se
calmamente no sofá. Eduína respirou profundamente, esperando que as batidas de
seu coração voltassem ao normal, enquanto via, estupefata, o rosto da outra
voltando à calma. Parecia uma tempestade que passava, voltando às profundezas
do mar.
-E quantos são eles, ao todo? De quantos você
está falando em se vingar?
A bruxa virou a cabeça vagarosamente para
olhá-la:
-São ao todo trinta e cinco. Por isso preciso
de ajuda, isso não vai acontecer muito rapidamente. Vai levar algum tempo até
que eu conjure cada um deles de volta à vida ao mesmo tempo.
-E quando você vai começar a fazer isso?
-Já comecei. Amanhã de manhã Viviane voltará.
Serão trinta e cinco dias. Um para cada pessoa.