quinta-feira, 28 de março de 2013

A Cria






PARTE I  - O Parto

Minha amiga Sarah, que estava no final de sua gravidez convidou-me a passar alguns dias com ela. Já não nos víamos há algum tempo, embora sempre conversássemos por telefone e pela internet.  Ao dirigir-me para sua nova casa - segundo as fotografias que me enviara por e-mail, um chalé espaçoso e confortável, bem afastado da cidade - fiquei me perguntando como alguém poderia eleger como lar um local tão ermo! Eu já saíra da rodovia principal há trinta minutos, e seguindo por estradinhas de paralelepípedos curvas e estreitas, entre ciprestes e pinheiros, riachos e portões de sítios e fazendas cujas casas não se vislumbravam, eu me perguntava se estaria no caminho certo. Nem uma viva alma durante o percurso!

Finalmente, após quase quarenta e cinco minutos dirigindo, cheguei diante do portão de madeira, onde estava escrito: 12.345. Este era número que ela me enviara. Eu tinha chegado. Ainda bem, pois a tarde caía, tingindo tudo com um tom vermelho-amarelado, e as primeiras estrelas já surgiam, embora ainda tímidas. Toquei a campainha do portão, e ele se abriu. Continuei dirigindo mais alguns metros por um caminho de cascalho até que, após uma curva, descobri o porquê de minha amiga Sarah ter se mudado para aquele local: era um pedaço do paraíso! Um enorme gramado, verde e bem tratado, circundava toda a casa. Pinheiros, ciprestes, magnólias, camélias, manacás, margaridas, jasmins, monsenhores e roseiras, tudo muito cuidadosa e estrategicamente distribuído pelo grande espaço, dava ao lugar vários tons de verde salpicados por flores de vários tons e perfumes. Cheguei à porta do chalé e fui recebida por minha amiga e por Pedro, seu marido,  com muita alegria. Sarah estava muito feliz, acariciando sua barriga de quase nove meses.

Sentamo-nos no sofá, e pude reparar a decoração luxuosa da casa, onde predominavam o branco e o dourado, com salpicos de vermelho e ocre nas almofadas e cortinas. As janelas eram grandes e envidraçadas, e ofereciam uma ampla vista de quase toda a frente e laterais do belo jardim. Comentei que achara estar perdida, tal a demora em encontrar o endereço. Sarah sorriu, dizendo:

-Ora, Vanessa, nem é tão longe assim. Fica a apenas doze quilômetros da cidade!
-Sim, pensando bem, você tem razão. Eu é que não estou acostumada à vida no campo.

Pedro juntou-se a nós, trazendo-nos alguns drinks. Ele trabalhava em uma grande empresa de mineração, e sempre precisava viajar bastante à negócios. Como Sarah gostasse de acompanhá-lo em suas viagens, decidiu parar de trabalhar; afinal, Pedro ganhava bem mais que o suficiente para mantê-los. 

-Fico muito feliz que você tenha aceito nosso convite, Vanessa. Como você sabe, mudamo-nos para esta região porque meu trabalho assim o exigiu. Temos muitas coisas a resolver por aqui nos próximos meses - ou quem sabe, anos... achamos mais prático nos mudarmos. Mas  temo que Sarah possa estar se sentindo um tanto só, embora jamais reclame. Se não fossem pelas visitas frequentes da família e dos amigos, que sempre vem quando podem, acho que ela estaria pensando em divórcio...

Sarah deu uma risada, pousando a mão carinhosamente sobre a dele:

-Ora, não por isso! Estou adorando este lugar, e já até fiz amizade com os vizinhos.
-Vizinhos? Eu não vi ninguém enquanto vinha para cá, Sarah!
-Ah, mas eles existem, Vanessa... já visitei alguns deles, e são bastante amigáveis. Preciso organizar um almoço para trazê-los até aqui.

Lembrei-me de que Sarah sempre havia sido alguém que gostava de receber amigos em casa, e acabava sendo o elo de ligação entre todos. Com certeza, ela era capaz de mudar as coisas, agregar pessoas, construir laços, enfim, ela era tudo o que eu admirava em alguém e jamais conseguia ser. Sua amizade era muito preciosa para mim.

Durante o jantar, que foi preparado e servido por Lourdes, a cozinheira, colocamos as novidades em dia. Fiquei sabendo que Pedro teria que ausentar-se a trabalho por alguns dias, e que minha companhia seria essencial para Sarah naquele período, já que não era aconselhável que ela viajasse com ele naquele estágio da sua gravidez. Lourdes, a cozinheira,  teria que ausentar-se no mesmo período para resolver alguns problemas de família, e a não ser pelas arrumadeiras que vinham a cada dois dias, Sarah ficaria sozinha, se não fosse por mim. Seus pais estavam viajando, e sua irmã, envolvida em um novo trabalho, não podia fazer-lhe companhia naquele momento.

Na manhã seguinte, Pedro despediu-se de nós após o café da manhã, e partiu em viagem. Estaria fora pelos próximos cinco dias. Sarah e eu ficamos explorando a região, que era belíssima, e pude até mesmo conhecer uma família vizinha - cuja casa ficava a um quilômetro e meio à pé, e era a mais próxima da casa de Sarah. À tarde, quando voltamos, minha amiga recolheu-se em seu quarto para descansar um pouco antes do jantar, e como a noite estava linda demais para ficar em meu quarto assistindo TV ou lendo, fui lá para fora, sentar-me no jardim. 

Havia muitos animais naquele local onde a fauna era riquíssima e bem preservada. Eu podia escutar o canto dos grilos, cigarras  e  rouxinóis dentro da mata, servindo de trilha sonora ao luar branco que despontava por trás das copas das árvores, em um céu ainda não completamente escuro. Também ouvia pios de corujas, e via os vaga-lumes e pequenos insetos que começavam a voejar junto às lâmpadas que iluminavam o jardim. Um final de tarde perfeito! 

Relaxada em uma espreguiçadeira, as pernas cobertas por uma manta de lã, acabei, eu mesma, também adormecendo.

 Já  tinha escurecido completamente quando acordei, e de olhos ainda entreabertos, vislumbrei uma figura de pé alguns metros à minha frente, a observar-me. 

 Senti um calafrio. Abri os olhos completamente, sentando-me na espreguiçadeira. Parecia ser uma mulher, pois os cabelos eram longos; tinha estatura baixa e braços mais longos que o normal, mas eu não podia ver seu rosto por causa da escuridão; apenas via a forma arredondada de sua silhueta - ela era meio-gordinha. Eu disse-lhe:

-Pois não? Posso ajudá-la?

Ela não respondeu, e nem se moveu, continuando a olhar-me, como se me estudasse. Seria algum vizinho? Não; o portão principal estava trancado. Também não poderia ser o jardineiro, pois ele já havia voltado para sua casa,além de ser um senhor alto e ter cabelos curtos. Lourdes também já havia partido. Tive um sobressalto: poderia ser uma invasora, uma ladra! De repente, senti-me muito frágil e exposta, sentada ali naquele lugar ermo e deserto. Ainda com medo, levantei-me. 

Naquele instante, a mulherzinha moveu-se. Comecei a caminhar em sua direção, mas ela sumiu por trás de um pé de camélias que ficava bem no centro do jardim. Achei que poderia surpreendê-la, e circulei a planta, mas para meu total espanto, ela não estava lá! Como? Não poderia ter cruzado o jardim ser que eu a visse! Não poderia ter desaparecido no ar.

Entrei em casa, trancando a porta atrás de mim. Sarah estava de pé, segurando uma jarra de suco, pondo a mesa do jantar, e pareceu preocupada ao ver minha expressão desconcertada.

-O que aconteceu, Vanessa?

-Eu... pensei ter visto alguém no jardim. Adormeci, e quando abri os olhos eu vi alguém me observando.

Ela ficou assustada:

-Alguém? Mas... quem? Era homem ou mulher?

-Uma mulher. Não vi seu rosto, mas era baixinha, quase anã, e tinha longos cabelos. Fugiu quando me dirigi a ela. Aliás, parece ter desaparecido no ar.

Ela pareceu pensar por alguns instantes:

-Certo... já passei por esta senhora na estrada, quando passeava à pé, um dia. Já a vi algumas vezes. Ela é estranha... algumas pessoas já a viram por aqui, mas ninguém sabe de onde ela vem, ou onde mora. Um dos meus vizinhos dizem que ela mora em um casebre na floresta, não tem eletricidade e vive sozinha há muitos anos, mas que é inofensiva. Não se preocupe com ela.

-Mas ela invadiu sua casa! Pode ser perigosa.

-Oh, não acho... o que uma velha senhora tão pequenininha poderia fazer contra mim? Acho que é meio-louca. Os solitários sempre ficam meio-loucos, dizem... além do mais, Sérgio, o jardineiro, que mora aqui há muitos anos, diz que ela nunca incomodou ninguém.

Fomos jantar, e não tocamos mais no assunto. Mesmo assim, fiquei intrigada com aquela presença estranha na casa; o terreno era todo cercado por um grosso muro de pedra, a não ser por uma parte, nos fundos da casa, que tinha desmoronado e que Sérgio deveria começar a consertar em alguns dias. Ela só poderia ter entrado por ali.

Tive um sono agitado, e despertei no meio da noite com a impressão de estar sendo observada. Tentei mover-me, mas não consegui, e fui tomada de pânico. Ouvi passos ao meu redor, mas não conseguia virar-me para ver quem era. Tentei gritar, mas minha voz não saiu. Foi quando senti um odor de algo que se parecia com arrudas esmagadas, e posso dizer que praticamente desmaiei, só vindo a despertar na manhã seguinte.

Sarah e eu passamos a manhã tricotando sapatinhos para o bebê - um menininho que se chamaria Saulo, em homenagem ao avô. Após o almoço, ela foi deitar-se para descansar, e eu , mais uma vez, fui dar uma volta à pé. Quando chegava ao portão, cruzei com Sérgio, o jardineiro, a cuidar de algumas mudas de plantas. Decidi falar com ele sobre a mulher.

-Boa tarde, Sérgio.
-Boa tarde, Dona Vanessa. Gostando da estadia?
-Sim, muito! este lugar é mesmo lindo... gostaria de ter uma pequena casa pelas redondezas.

Ele parou de trabalhar, enxugando o suor da testa com o dorso da mão.

-Pois é... mas acho que a senhora ia acabar estranhando esse silêncio todo! Ouvi dona Sarah dizendo que a senhora é da cidade grande.

-É verdade, Sérgio. Por isso mesmo, acho estranhas algumas das coisas que vejo por aqui.

-É mesmo, Dona Vanessa? E o que a senhora acha estranho?

Pigarreei:

-É que ontem à noite, eu vi uma estranha mulher rondando a casa. estava no jardim, e me observava. Quando tentei falar com ela, ela ... sumiu!

Ele deixou de sorrir:

-Não se incomode com ela não, senhora. É só uma velha meio-louca, mas não faz mal a ninguém.

Concordei com a cabeça.

-Você sabe onde ela mora?
-Onde ela mora?

Ele engoliu em seco, antes de continuar:

-Olha, se eu fosse a senhora, ia lá não... ela não gosta muito de visita, se é que a senhora me entende. Mas ela fez alguma coisa, incomodou a senhora?
-Não, mas não acho normal que alguém invada a propriedade alheia assim, no meio da noite, e...
-A Dona Sarah reclamou?
-Não, mas...
-Então deixa pra lá, Dona Vanessa. Afinal, não é mesmo da nossa conta, viu?

Olhei-o por alguns instantes, sem saber como responder a tanta petulância! Ele pareceu perceber que tinha ido longe demais:

-É que a senhora me desculpe, mas é melhor não incomodar quem está quieto, não é? É só uma velha. Anda por aí, vive sozinha, come as coisas que planta, esquilos, algumas aves... bebe da água do rio, e só.

-Você parece conhecê-la muito bem!
-Na verdade... conheço um pouco, sim. Ela um dia, há muitos anos, salvou meu filho de se afogar no rio. Serei grato a ela pelo resto da minha vida.
-É mesmo? Seu filho quase se afogou, Sérgio?

Seu rosto assumiu uma expressão bastante tristonha:

-É... ele tinha quatro anos... falava, cantava e brincava, como ele só... Era uma linda criança... tinha que ver! Mas depois do afogamento, ele ficou bem... diferente... o doutor disse que foi porque faltou oxigênio no cérebro... mas é que ele também ficou diferente na aparência...

-Como assim?

-Ficou um tanto feioso, cresceu pouco... parou de falar, e ficou fraquinho, fraquinho. Mal andava! A gente carregava ele para todo lado, e nem foi à escola, que nem os irmãos.
-E quantos anos ele tem hoje?
-Era pra ter dezoito... mas ele morreu no ano passado. Que nem passarinho. Um dia, não abriu os olhos de manhã.
-Sinto muito, Sérgio.
-Deus sabe o que faz. É a vida, dona Vanessa.

Naquela noite, enquanto jantava com Sarah, avistei novamente a mulher rondando o jardim através da vidraça. Ela percebeu meu olhar espantado, e olhando para trás, também viu a mulher. Levantou-se, dizendo:

-Isto já está indo longe demais!

Encaminhou-se para a porta, e eu fui atrás dela. Abrindo-a, olhamos em volta e não a vimos mais. Sarah gritou:

-Hei! Eu quero que você pare de entrar em minha propriedade, ou vou chamar a polícia, entendeu?

Apenas o silêncio respondeu. Mais uma vez, ela sumira sem deixar rastros.

Na tarde do dia seguinte, nuvens negras começaram a encobrir o céu, deixando a linda paisagem um tanto sombria. Um vento forte começou a soprar, derrubando muitas flores, e folhas secas encheram o chão da varanda. O vento uivava nas gretas das vidraças, e ajudei Sarah a fechar toda a casa, pois a tempestade era iminente. Sérgio retirou-se mais cedo, e ficamos as duas sozinhas novamente na casa.

Por volta das cinco horas, as luzes acabaram, e Sarah acendeu algumas velas pela casa. Os relâmpagos eram assustadores, e decidimos fechar as cortinas das imensas janelas para que não os víssemos. Ainda assim, ouvíamos o ribombar estrondoso dos trovões, que pareciam rachar as árvores ao meio. Logo, a chuva torrencial começou a cair em torrentes cinzentas.

Decidimos ir para a cama mais cedo, após um lanche frugal. Sarah não se sentia muito bem, mas disse-me para ficar tranquila; ainda não era hora do bebê nascer. Achei melhor passar a noite com ela, e aconcheguei-me em uma confortável poltrona em seu quarto, ao lado da cama.

Por volta de uma hora da manhã, acordei com os gritos de Sarah:

-Vanessa! Alguma coisa está errada! O bebê... estou sentindo as dores!

Quase entrei em pânico, mas consegui respirar fundo e pensar; peguei o telefone, mas estava mudo. Meu celular, sem bateria... Sarah me disse que o seu também já estava sem bateria há muito tempo, pois quase não o utilizava.

Achei que teria que sair para levá-la para o hospital, e ajudei-a a ir até o carro. Mas não conseguimos sequer ultrapassar o portão: um imenso carvalho tinha caído, com sua enorme copa, barrando completamente a saída. levaria dias até que pudesse ser removido! Sarah e eu nos entreolhamos, no exato momento em que ela sentiu nova contração. achei melhor voltarmos à casa, e coloquei-a de volta na cama. Achei que poderia ir à pé até a casa vizinha buscar ajuda, e vestindo uma capa impermeável, disse a ela que ficasse calma que eu logo estaria de volta.

Mas a tempestade era forte demais, e quando tentei escalar o grosso tronco da árvore que barrava o caminho, a fim de chegar ao outro lado, acabei escorregando e torcendo o tornozelo. Fiquei ali, caída no meio da lama, enquanto rajadas de chuva e vento me fustigavam. Agora, eu não tinha mais condições de procurar ajuda para Sarah! Comecei a chorar de impotência, e com muitas dificuldades e dores, consegui voltar à casa. Da porta, pude ouvir-lhe os gritos.

A casa, escura e sombria, iluminada pelos clarões de relâmpagos e raios, e também por alguns tocos de vela que ainda queimavam, era o cenário de um filme de terror. Fechei a porta e ia começar a subir as escadas, quando ouvi batidas fortes. Parei para ouvir melhor; afinal, poderia ser apenas uma outra árvore que caíra. As batidas se repetiram, e com dificuldades e muita dor, consegui descer novamente o lance de escadas e abrir a porta. Mal pude acreditar quando, diante de mim, estava a tal mulherzinha!

Fiquei olhando para ela, tentando deliberar o que fazer. Foi quando ela disse:

-Eu posso ajudar!

Sua voz era rouca, mas se fazia audível em meio à tempestade, e parecia-me como um oásis no meio de um deserto. Ela repetiu: "Eu estou aqui para ajudar! Depressa!"

Deixei-a entrar. Segui as instruções, indo à cozinha ferver água e depois, pegar toalhas limpas meu tornozelo, estranhamente, parara de doer.

 Quando tudo estava pronto, levei ao quarto e entreguei à mulher, que era a única que estava calma e centrada. Parecia em transe. Sarah olhou para mim, e eu apenas encolhi os ombros, pedindo a ela que se acalmasse, pois tudo ficaria bem. A mulher fez com que Sarah tomasse um líquido - que eu não sei do que se tratava - e ela se acalmou, e minutos depois, teve um parto sem dores. O tempo todo, eu tinha a impressão de estar vivendo alguma cena de filme... mas quando o bebê quebrou o ruído da chuva com seu choro de vida, eu percebi que estava vivendo a beleza de um milagre... a mulherzinha enrolou-o em um pano e estendeu-o para que eu o segurasse. Olhei para o rosto dele, iluminado pela luz das velas, e vi que era uma das crianças mais lindas que eu já vira! Em seguida, ela mostrou-o à mãe, que chorava de emoção. Lá fora, um novo trovão ribombou - tão forte, que estremeceu a casa toda.

Olhei para Sarah, e ela tinha adormecido. A mulherzinha cobriu-a, e olhando para mim, fez-me sinal para que eu ficasse em silêncio, dizendo-me que ela precisava descansar, e que estava bem. Sentei-me à poltrona, pronta para velar seu sono e o do bebê. Na manhã seguinte, após a tempestade, com certeza os telefones e a eletricidade teriam voltado, e eu poderia chamar ajuda. Acabei dormindo também, e quando despertei, os passarinhos cantavam lá fora, em um cenário de manhã fria e cinzenta. Sarah também estava despertando, e sorri para ela. O bebê dormia, enrolado ainda na manta que a mulherzinha providenciara.

Cheguei mais perto para vê-lo melhor, enquanto dizia bom dia a minha amiga, e mal pude acreditar no que eu via: uma criança extremamente feia, a pele branca, enrugada e escamada, mais parecendo um velho! A cabeça era desproporcionalmente grande em relação ao corpo, e os olhos, duas bolas negras e sem vida. Não podia ser o mesmo bebê que eu vira nascer na noite anterior, que era lindo, rosado e de aparência saudável!

Sarah pareceu perceber a minha repulsa, pois sentou-se na cama e pegou a horrenda criatura, aninhando-a contra o peito. Eu não sabia o que dizer, e sabia que ela estava profundamente ferida com minha atitude. Tentei parecer natural:

-E então, como se sente?

Ela me olhou, ainda abraçada à criatura:

-Muito bem, obrigada.

Levantou-se e começou a embalar o pequeno, enquanto lhe oferecia o seio, que ele sugava com tanta sofreguidão, que emitia sons, como um animal voraz.

-Bem, Sarah, eu vou verificar se o telefone já está funcionando, afinal, Pedro precisa saber que seu filho já nasceu. Depois, eu vou tentar encontrar ajuda para retirar uma árvore que caiu em frente ao portão, e levá-los ao hospital para ver se está tudo bem.

Ela assentiu com a cabeça, mas não respondeu. Notei que tinha olheiras muito escuras sob os olhos. Consegui comunicar-me com Pedro, que ficou exultante, embora preocupado. Tomei um bom banho, e para minha surpresa, não havia sequer um inchaço em meu calcanhar ou tornozelo que revelasse meu acidente da noite anterior. Como a eletricidade também tivesse voltado, aproveitei para recarregar as baterias de meu telefone e laptop.

Preparei uma sopa forte e levei-a para Sarah. Ao chegar no quarto, vi que ela também tinha tomado banho e trocado de roupa. O bebê dormia no berço. Ela tomou a sopa e comeu o pedaço de pão, bebendo todo o leite, e depois, enquanto comia uma maçã, disse-me:

-Obrigada por tudo, Vanessa. O que seria de mim sem você aqui ontem...
-Ora, confesso que eu estava muito assustada. Ainda bem que aquela senhora apareceu e ajudou no parto!

Ela mostrou-se confusa, franzindo a testa:

-Que senhora?

Eu ri, desconcertada.

-Ora... você não se lembra? Aquela senhora baixinha que eu disse que rondava a casa! No meio da tempestade, ela bateu à porta, e disse que podia ajudar... você não se lembra? Ela fez o seu parto, Sarah.

-Não, eu não me lembro de nada... mas... se você está dizendo... mas agora, por favor, poderia ir lá em baixo e me trazer mais alguma coisa para comer? Estou morta de fome!

-Uau... bem... o que você gostaria de comer?

-Qualquer coisa bastante substanciosa! Já sei: um bife.
-OK, então, mas você terá que esperar um pouquinho para que eu o frite. Sou meio-desajeitada na cozinha, só sei fazer sopa instantânea...

-Não se preocupe, não precisa fritá-lo. Quero comer carne crua.
-O que?!
-Carne crua, por favor. E mais um copo... não; uma jarra de leite!
-Você não vai passar mal, Sarah? Tem certeza que?...

Ela mostrou certa impaciência:

-Sim! Agora vá, por favor, Vanessa. Faça o que eu estou pedindo.

Quando cheguei à cozinha, encontrei com Lourdes, já de volta ao trabalho. Ela sorriu, desejando-me bom dia.

-Tenho novidades, Lourdes. O bebê de Sarah nasceu durante a noite.

-Oh... e foi tudo bem?
-Sim, correu tudo bem.
-Que maravilha! Por favor, Dona Vanessa, em que hospital eles estão?

Enquanto eu abria a geladeira e pegava o leite e o bife, respondi:

-Eles estão lá em cima! O bebê nasceu em casa. O nome dele é Saulo.
-Em casa?
-Sim. Por causa da tempestade, não pudemos ir até um hospital... aliás... como você conseguiu passar por aquele imenso tronco de árvore no portão?

Ela estancou no meio da cozinha, olhando-me de maneira estranha e confusa:

-Que tronco de árvore?
-Ora, ontem á noite tombou uma árvore enorme no caminho, e por isso, não conseguimos chegar ao hospital. O caminho foi bloqueado!
-Dona Vanessa... a senhora está bem?

Aquela pergunta irritou-me:

-É claro que sim! Estou ótima!
-Bem, não tem árvore nenhuma no portão, e nem sinal de que tenha caído uma. Está tudo no lugar, e Sérgio já está trabalhando, plantando algumas mudas junto ao portão.

Aquela afirmação caiu sobre mim como uma bomba, e saí correndo cozinha afora, a fim de ver com meus próprios olhos. Parei no meio do caminho: não havia árvore caída nenhuma! Mas eu tropeçara tentando escalar a árvore, e machucara o tornozelo! O que estava acontecendo comigo? O que estaria acontecendo naquela casa?







3 comentários:

  1. ANA MINHA LINDA, NAO TEM NOÇÃO DA ALEGRIA QUE SENTI AO TE VER EM MINHA PÁGINA, DE CHOCÓLATRAS DA POESIA.

    SABE O QUEANTO AMO LER SEUS CONTOS,MAS ESTOU COM UM PROBLEMINHA, O FUNDO DO TEU BLOG ESTA BRIGANDO COM AS LETRAS, NAO CONSIGO VER NADA, SERÁ QUE SOU SÓ EU?? DESCULPE,MAS SE TEUS CONTOS NAO FOSSE TÃO BONS EU NEM ME IMPORTARIA EM DIZER,MAS QUERO LER A CRIA 1 E 2 ,E NÃO ENXERGO NADA. PLAESE, HELP, BJS ACHOCOLATADO.

    PATTY.

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  2. OBAAA, AGORA CONSEGUI LER. E OBRIGADA POR TER CLAREADO O PLANO DE FUNDO, E MEU DEUS.. QUE CONTO MARAVILHOSO É ESSE/ NOOSAAA MAS E BOM, MARAVILHOSO E PERFEITO DEMAIS. VOU CORRENDO PARA A SEGUND APARTE.
    MTO BOM!

    BJS E ATÉ A PARTE II.

    PATTY.

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  3. Dona Ana Bailune que conto é esse mi_nina???!
    Consegui imprimir e li bem quentinha na minha cama sob meu cobertor vermelho.

    Li numa tacada só... MEUS SAIS!
    Ó, depois a gente conversa sobre ele no e-mail. To indo dormir... Aguarde.

    Só posso adiantar uma coisa:
    ARREPIANTE e INTRIGANTE!
    bj

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