domingo, 29 de junho de 2014

Como Fazer Amigos- Um Conto Juvenil - Parte I





Eu juro, não sou uma má pessoa. Nunca fui. Sempre obedeci aos meus pais, procurando ser uma boa filha, obediente e cordata. Tive boas notas na escola, colaborei com meus colegas de classe ajudando-os com as lições sempre que podia, enfim, fui uma boa filha, uma boa aluna e uma boa amiga.

Tudo começou há muitos anos, quando Priscila apareceu em minha vida. E eu juro que tentei ficar longe, bem longe dela, pois tudo naquela menina me incomodava: seus cabelos loiros e ondulados, que caiam fartos até os ombros, e emolduravam um rosto lindo, de bochechas rosadas e olhos azuis-escuros. Seu corpo bronzeado de curvas generosas e carnes firmes e lisas, causava-me asco. Quando ela ria, costumava jogar a cabeça levemente para trás, e seus dentes muito retos e brancos reluziam. Ah, como eu ficava irritada! E para piorar, estava sempre alegre e muito bem vestida. Gostava muito de usar vestidos coloridos que deixavam à mostra as suas belas pernas.

Nunca tive muitas pretensões quanto aos meninos, pois sempre tive consciência de que não nasci com muitos dons físicos... meus cabelos, pretos, lisos e escorridos até a cintura, não brilhavam muito, e por isso, eu sempre os trazia presos em um rabo-de-cavalo. Tinha a pele branca e sem vida, os olhos castanhos mortiços e inexpressivos. Eu não gostava de mim quando era uma adolescente, achando-me insignificante e feia. 

Minhas roupas eram sem-graça, pois era tão magra e sem curvas que fazia de tudo para não chamar muita atenção para minhas formas. Usava jeans rasgados e velhos, tênis e camisetas quase sempre pretas. Tinha também um piercing perto do olho esquerdo. Gostava de usar delineador preto em volta dos olhos, e esta era toda a minha "maquiagem."

 Eu olhava as outras meninas, curvilíneas e esbeltas, com seus seios redondos aparecendo sob as camisetas justas, e depois olhava meu peito praticamente liso e sem protuberâncias, e me perguntava quando chegaria, para mim, a tal adolescência (naqueles tempos, eu tinha quinze anos, mas achava que aparentava ter doze).

Como eu disse antes, procurava não chamar muita atenção e não me interessar pelos meninos da escola, pois tinha certeza absoluta que nenhum deles jamais se interessaria por mim. Até que um novo menino, uma beldade de dezessete anos vinda de outra cidade, começou a fazer parte da minha classe da oitava série. Seu nome era Santiago. Lembro-me da primeira vez que bati os olhos nele: meu coração quase parou, de tanto bater forte! Ele era lindo... alto, moreno, olhos negros e misteriosos, corpo bem torneado e forte, roupas estilosas, e usava sempre uma corrente de prata grossa e reluzente com uma cruz, que chamava a atenção sobre suas camisetas -quase todas pretas ou escuras. Santiago tinha uma motocicleta, e não era de falar com os meninos da classe. Fez amigos mais velhos no primeiro ano, e na hora do intervalo, ficava com eles. Na hora da saída, ele subia em sua motocicleta e ia embora, sem olhar para trás. Às vezes, ele me olhava com um certo interesse, e até chegou a puxar conversa comigo. Acho que gostou do meu jeito meio-dark de ser... mas eu, insegura e com baixa autoestima, tranquei-me dentro de mim, evitando olhar para ele, respondendo suas perguntas com monossílabos e olhando sempre para o chão. Ele tentou algumas vezes, mas acabou desistindo. Ágata, uma das poucas meninas com quem eu conversava, um dia me disse que ele andava fazendo perguntas sobre mim. 

Quando eu chegava da escola, trancava-me no quarto e ia para frente do espelho. Às vezes eu tirava toda a roupa, e desanimada, olhava meu corpo magro e sem graça, desejando ser como uma de minhas colegas. Principalmente, como Priscila. Eu colocava uma música e me deitava no tapete, de olhos fechados, imaginando-me em suas roupas, entre seus amigos, com toda aquela irritante autoconfiança que ela exalava. Priscila passou a tornar-se uma espécie de obsessão para mim; depois de Santiago, era ela a pessoa a quem eu dedicava horas de meus pensamentos. Eu desejava ser como ela, e como não podia, eu a odiava.

Éramos todos colegas de classe, e eu era uma excelente aluna; era comum que os colegas me procurassem para pedir ajuda nas épocas de provas. Um dia, Priscila pediu-me ajuda para a prova de trigonometria. Eu estava sentada em minha escrivaninha na hora do recreio, ouvindo música, quando ela chegou timidamente, sorrindo meio sem-graça, e colocando o cabelo para trás da orelha, inclinou os joelhos levemente:

-Oi, Nanda! Tudo bem?

Eu a olhei tentando demonstrar hostilidade, sem retirar os fones de ouvido, o que a deixou ainda mais embaraçada, mas ela continuou:

-Será que você podia... sei lá... me dar uma ajudinha em trigonometria? Isso é, se não for incomodar muito...

Eu pensei muito bem antes de responder, e fiquei olhando para ela durante algum tempo, tentando tomar uma decisão. Bem, Priscila era uma curiosidade para mim, e se a ajudasse, teria mais tempo para analisá-la melhor e concluir minha teoria de que ela era uma fraude total. Retirei os fones de ouvido e tentei soar um pouco mais gentil:

-OK, então. Onde podemos?...

Ela deu um largo sorriso: 

-Que tal na minha casa depois da aula? A gente podia almoçar juntas. Moro em um prédio aqui pertinho!

-OK. Nos vemos na hora da saída.
-OK! E ... obrigada, Nanda.

Recoloquei meus fones de ouvido, e ela se afastou, acenando-me um 'tchauzinho.'
Eu nem podia acreditar no que acabara de acontecer! A princesinha da popularidade tinha acabado de me pedir ajuda! Ri; quando ergui os olhos, dei com Santiago me olhando fixamente. 

(continua...)





3 comentários:

  1. Muito bom dia querida Ana... muito bem escrito e mostrando dois lados.. o lado da pessoa que acha que não tem chance na vida.. pq não tem um olho de cor diferente, não se veste bem, ou se julga feia...
    são sim, muito inteligentes, mas não se dão o valor próprio.. muitas dondocas tem um brilho externo mas o interno é fosco, sem vida..
    as pessoas tendem muito a reparar nos outros, se vemos defeitos nos outros é pq o defeito existe em nós tb...
    no meu tempo de escola sempre fui uma pessoa bem isolada.. observava bastante e a beleza que existia em muitos hj em dia tá bem caida..estress.. namoros por status e nunca por amor..
    todos temos uma pessoa certa a nos esperar.. um dia ela chega.. bjs e até sempre

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  2. Olá,Boa noite, Ana
    sei que tu já está indo para o 5 capítulo,então, resolvi voltar e ler desde o início...muito belo início, a inveja existe, sim e se impõe como incômodo e constante a alegria alheia. É uma admiração às avessas, uma frustração interna de não poder e não conseguir ser como a outra em determinados predicados,no caso de Nanda e Priscila, os traços físicos...apesar de que, penso que todas, tem suas próprias qualidades, e Nanda parece me ser muito inteligente...
    Estou levando o capítulo 2, 3 e 4, para ler com vagar e me situar melhor...
    Obrigado pelo carinho, belos dias,beijos!

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