sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

MEU PRIMEIRO NAMORADO - PARTE IV







12/02/14


Nem escrever eu tenho conseguido, já que minha mãe me vigia o tempo todo! Tirou meu celular e meu laptop. Não me deixa atender o telefone fixo. Ela decide com quem eu posso ou não falar. Agora é madrugada, e estou escrevendo debaixo dos cobertores, com a lanterna acesa. Ridículo! 

Ontem a Vandinha ligou, mas eu não quis falar com ela. Minha mãe encheu a paciência, dizendo que ela era uma boa amiga, uma amiga verdadeira, mas eu respondi que amigas verdadeiras não deduram umas às outras. 

A psicóloga é uma chata. Só fica olhando para a minha cara, e eu não falo nada, e a tola da minha mãe paga ela por isso. Foram duas sessões assim. Eu cruzo os braços e olho para o chão, e ela fica com um caderninho, fazendo perguntas que eu não rtespondo. Ela diz para minha mãe que eu vou "me abrir" assim que estiver pronta. Ou seja: minha mãe não conversa comigo, e eu não vou conversar com uma estranha idiota.

Decidi que amanhã eu vou fugir.

16/02/14

Fugi ontem. Nesse momento, estou chegando na comunidade. Peguei dinheiro dos meus pais dentro de um pote, onde eles guardam para as despesas da casa. Não é muito, mas dá para sobreviver algumas semanas. Tomei um ônibus, e depois outro, e finalmente, peguei uma carona.  Prendi o cabelo e usei botas de saltos para parecer mais velha, ninguém me perguntou nada.  Estou viajando há seis horas, e finalmente, cheguei. São quase seis da manhã, estou esperando as pessoas acordarem para eu procurar o Pablo. Estou sentada debaixo de uma árvore, olhando para uma fogueira apagada, e tem umas garrafas de bebida no chão, espalhadas.

Agora que cheguei, me deu um frio na barriga... sei que não posso ficar aqui, é o primeiro lugar onde minha mãe vai me procurar, e a Vandinha também (ela ainda está aqui, só voltara para casa no final do mês, quando as aulas recomeçarem). Eu decidi que não quero estudar mais. Quero viver assim, livre, na praia, e vou aprender a fazer artesanato, como o Pablo e seus amigos. Vamos viver juntos, e quem sabe, mais tarde, teremos um filho...

16/02/14  (hora do almoço)

O Pablo acordou, foi um dos primeiros, por volta das nove da manhã. Quando me viu sentada debaixo da árvore, pôs as mãos na cabeça e gritou: "Ah, não!" Veio falar comigo muito zangado. Levantei, tentei abraçá-lo, dizendo que tinha vindo para ficar. Ele me empurrou, caí sentada na areia. Ele estava furioso. Ele pegou a prancha dele e foi para a praia. Eu quis ir junto, quis tentar explicar, mas ele não me escutou.

16/02/14 (tarde)

A maior humilhação foi quando a Angélica veio falar comigo... ela se sentou do meu lado (eu estava chorando) e ficou me olhando. Eu quis pular em cima dela e encher aquela cara irônica de tapas, mas achei que minha situação já estava complicada demais, então fiquei quieta. Sequei as lágrimas para ter um pouco mais de dignidade... ela estava comendo um sanduíche e perguntou se eu queria um pedaço, eu disse que não (mas estava morrendo de fome). Nós tivemos uma conversa que foi mais ou menos assim:

-O que você quer, menina?

-Eu quero ficar com o Pablo. Quero viver aqui, junto com ele. Quero casar com ele, ter filhos. Isso é da sua conta?

Ela riu um pouco, balançou a cabeça, terminou de comer o sanduíche:

-Garotinha, quem você pensa que é, o que você sabe sobre o Pablo? Para ele, você significou trabalho, diversão, sei lá. Além disso, pensou que você fosse mais velha. Acha que ele sobrevive vendendo aquelas bijuterias? O Pablo está em outro ramo, se é que você me entende... vem aqui que eu te mostro.

Eu a segui para dentro da mata. Chegamos em uma clareira, e ela me apontou uma pequena plantação. Disse que era erva. Eu não pude acreditar. Ela berrou: "Acorda, o Pablo é traficante! Além disso aqui, ele também vende pó, cocaína, entende?" Eu comecei a chorar. Ela ficou mais doce de repente:

-Escuta, menina, pega as suas coisas e vai embora daqui. Esquece o Pablo. Vocês são de mundos diferentes, nunca poderia dar certo. 

Naquele momento, uma porção de coisas começaram a passar na minha cabeça. Lembrei dos nossos dias felizes na praia, nas saídas à noite com a Vandinha e o Rodney, nas conversas divertidas, naquela noite em que nos beijamos de verdade pela primeira vez, no luau, quando ele disse que estava gostando de mim. Será que era tudo mentira? Eu vi nos olhos dele que ele falava a verdade! Será que ele estava mentindo pra mim?

Eu disse que ia embora, se ele falasse comigo primeiro. A Angélica suspirou fundo, com impaciência, depois me olhou como quem olha para uma criança: "Você parece ter talento para quebrar a cara, hein?"

Depois, fomos voltando para a comunidade. Tinha uma porção de gente comendo, e ela me arranjou um sanduíche. Devorei, e tomei uma coca. A Angélica não é tão ruim assim. Ela me disse: "Sabe como eu vim parar aqui? Meus pais são muito pobres. Meu pai é alcoólatra, e bate na minha mãe, que não reage. Mas... quando ele tentou... quando ele começou a vir atrás de mim, eu... eu falei com ela, e ela disse que era mentira. Sabe, meu pai tentou me agarrar, e minha mãe não acreditou em mim. Eu tinha quinze anos, e vivo aqui desde então. Conheci o Gio - aquele cara alí, tá vendo? (ela apontou para um cara que parecia ter uns trinta e tantos anos, bem mais velho que ela, e que parecia um hippie) e ele me trouxe para cá. Ele é o chefe aqui. A gente trabalha para ele em troca de comida e abrigo. A gente vai ficando, pois não tem outra alternativa."

Perguntei se a mãe dela não a procurava, e ela disse que não. Apontou para outra menina: "Tá vendo a Sandra? Era menina de rua. E aquele ali, de chapéu preto, o Marcos? Ele já esteve preso algumas vezes. Somos um bando de fracassados, ninguém quer a gente por perto. É isso que você quer? Olha, garota, você é... rica, estuda em uma escola legal, tem família, amigos. Isto não é vida pra você."

Perguntei como era a vida do Pablo, antes de ir para lá. Ela demorou um pouco antes de responder: "Não muito diferente da minha. O pai batia muito nele. Depois que o pai morreu, a mãe casou de novo, com um cara muito rico, e ele disse que queria ter uma família nova com ela. A mãe dele é muito bonita, sabe. Mas depois que eles se casaram, ela engravidou, e o Pablo era criança na época, acho que tinha uns dez anos... ele começou a bater no Pablo. O Pablo começou a se envolver com más companhias - nós - (ela riu, um riso triste) - e então, finalmente, quando ele tinha dezesseis anos, o padrasto mandou ele sair de casa. Sou três anos mais velha que ele. Ele tem 21, eu tenho 24. Acho que fui um pouco mãe dele quando ele chegou aqui. A gente se desentende, se entende. Estamos juntando uma grana para escapar daqui."

Perguntei o que ela queria dizer com "escapar", e por que eles simplesmente não pegavam as coisas deles e saiam, e ela disse: "Não é tão simples assim. O Gio não deixa a gente sair. O último que tentou, apareceu morto. Ele tem ligações com policiais corruptos, e por isso ninguém prende ele. Dizem que tem até político na área... o Gio é o Poderoso, e nós, seus escravos. Ele gosta quando um de nós traz mais gente, e foi por isso que o Pablo trouxe você. Mas quando ele soube que você era menor e tinha família, ele deu uma surra no Pablo, depois que seus pais apareceram aqui naquela noite. O Gio não quer chamar atenção para este lugar."

Perguntei se ela e Pablo se amavam, e ela ficou pensativa: "Não sei. É coisa de pele. Somos iguais, nos damos bem na cama. Mas eu não sei o que é amor. Nunca soube. Nem ele. O Pablo é um cara legal, ele tem bom coração, mas olha... é complicado. Ele não é pra você." Terminei meu sanduíche, ainda confusa com todas as coisas que tinha escutado. Pedi a ela se eu podia falar com o Pablo antes de ir, e ela pegou o celular, marcou um encontro para a gente longe dali. 

18/02/14

Nos encontramos em um quiosque na praia. Eu, carregando aquela mochila enorme, usando calça jeans e botas, naquele calorão, e ele, de bermuda, segurando a prancha. Lindo. Quando vi ele se aproximando do quiosque pela praia, meu coração saltou dentro do peito. Ele estava tão lindo... eu só queria sentir aquela boca na minha outra vez. Mas ele foi frio:

-O que você quer?

-Me despedir de você. Mas antes de eu ir embora, queria saber uma coisa.

-O que?

-Você gostou de mim? Alguma vez foi real pra você?

(Ele me fuzilou com aqueles enormes olhos azuis):

-Eu me amarrei em você, mesmo depois que descobri que você é tão novinha... (ele me fez uma carícia no rosto, e minha pele queimou mais do que com o sol). Por isso eu não quero você aqui. Sabe, isso que eu fiz com você - te atrair - já fiz com outras. Mas você é diferente, eu sei que você não sobreviveria uma semana por lá. Você é inocente. Acho que foi isso que  mais me atraiu. Tão diferente de  mim, tão pura, tão frágil. Eu nunca fui inocente. Não passei por essa fase.

Eu abracei ele. Deixei que meu rosto afundasse no peito nu dele, aspirei seu cheiro de mar. As palavras saíram sem que eu pudesse segurar: "Eu te amo." Ele beijou meus cabelos, e murmurou: "Sei lá... acho que eu também."

A gente se beijou. 

Ele pegou a prancha e foi embora sem olhar para trás. Eu voltei para casa, onde meus pais, desesperados, já estavam ligando para a polícia.  

Acho que amadureci bastante...





3 comentários:

  1. Até que ela teve sorte dele ter gostado dela, senão teria sido muito pior...
    A realidade, muitas vezes, não nos dá chance alguma!
    Linda história, Ana, obrigada!
    Abraços carinhosos
    Maria Teresa

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  2. estou super presa nessa história. amando

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  3. Uma amadurecimento em tempo.
    Ainda nos meios dos loucos existem consciência, aqui a moça busca salvar um menina iludida em sonhos e fantasias da competição.
    Belo trabalho Ana.
    Abraços.

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