A RESENHA DO MAL – Capítulo IV
Lana despertou com o toque do telefone celular,
que estava sobre a mesinha de cabeceira. Era manhã de sábado. Ela atendeu,
ainda sonolenta, e surpreendeu-se ao escutar a voz de seu ex-marido Mauro. Já
não se falavam há anos. Ela percebeu, logo de cara, que ele parecia muito
aflito:
-Desculpe ligar para você, Lana... mas por um
acaso, o Brian está aí?
Lana sentou-se na cama, intrigada:
-Claro que não! Por que ele estaria aqui?
Ela ouviu a respiração dele do outro lado, e a
voz de Patrícia perto dele, dizendo alguma coisa bem baixinho para que ela não
ouvisse. Mauro tapou o telefone, mas ela ainda pode escutá-lo dizendo a
Patrícia que ficasse quieta.
-É que ele não veio para casa ontem. Não
sabemos onde ele está. Uma vez ele comentou que gostava de você...
Aquela informação surpreendeu Lana, e ela
demorou um pouco antes de responder:
-Bem, já ligou para os amigos dele?
-Sim, mas ele não esteve com nenhum deles
ontem... estamos muito aflitos. Mas... não vou incomodá-la mais, Lana, e
desculpe mais uma vez. Se souber de alguma coisa, por favor, nos avise, sim?
-É claro!
Ele despediu-se, desligando. Lana levantou-se,
indo até o espelho do banheiro. Mal conhecia Brian, pois os ciúmes de Patrícia
o impediam de frequentar a casa do próprio irmão. Mas lembrava-se dele ainda
pequeno, quando encontrou Patrícia por acaso em um supermercado, e ela o
empurrava em um carrinho de bebê; assim que a viu, Patrícia cobriu o rosto do
menino com uma fralda, passando por ela de cabeça erguida. Anos depois, ela o
viu saindo da escola, de uniforme. Ele estivera em sua casa poucas vezes a
convite dela, nos aniversários de Décio, e ela percebia o quanto Brian admirava
o irmão mais velho e tentava aproximar-se dele, que o repelia. Várias vezes,
ela chamou a atenção do filho sobre aquilo, mas Décio encolhia os ombros,
dizendo que Brian era seu meio-irmão, e não irmão. Lana acreditava que os
irmãos precisavam se aproximar um do outro, mas havia muita mágoa no coração de
Décio, e muito ódio e ciúmes em Patrícia.
Após escovar os dentes, ela ligou a água da
banheira e foi telefonar para Décio a fim de contar-lhe sobre o desaparecimento
do irmão.
-Filho, tudo bem? Demorou a atender.
-Oi, mãe... tudo legal, eu ainda estava
dormindo... você está bem?
-Sim. Mas seu irmão... Mauro ligou dizendo que
ele não foi para casa ontem. Está desaparecido, ele está preocupado...
-Bem, e o que ele pensa que você tem com isso?
Ele que cuide do moleque. Ele e aquela vampira com quem ele se casou.
-Não fale assim, Décio. Brian é só um menino
assustado. Ele gosta de você. Você não está nem um pouco preocupado?
-Não. Vão achar ele. Deve estar em alguma boca
de fumo, e quando o dinheiro acabar, ele volta para casa.
Lana fechou os olhos, tentando não brigar com
Décio. Achou melhor mudar de assunto:
-Bem, e que tipo de cidade é Bernardina?
-Cidade? Você tinha que ver isso aqui. É uma
vila poeirenta no meio do nada.
-Já achou o que queria?
-Ainda não. Cheguei há pouco, lembra? E hoje é
domingo. Vou descansar um pouco.
-Desculpe por acordá-lo. Agora vou desligar. Beijo, filho.
-Beijo... mãe!
Ela ficou na linha, em silêncio, E Décio disse o que ela esperava ouvir:
-Se souber do moleque, me dê notícias, OK?
Ela sorriu, e desligou.
Décio vestiu um short, um par de tênis velhos e
camiseta. Foi correr, já que não se exercitava há dois dias. As pessoas
passavam por ele, olhando-o fixamente, e Décio percebeu que era o assunto do momento
naquela cidade que não tinha muitos acontecimentos. Saiu do centro, indo correr
em uma estrada de barro, ladeada por capim seco e algumas árvores. Viu algumas
vacas pastando ao longo da estradinha, e mais nada. Passaram-se quinze minutos,
até que ele viu ao longe um jipe poeirento parado junto ao acostamento, na
estrada adiante dele. Ainda teve que correr alguns minutos até chegar ao carro,
e então parou. Havia uma moça – a mulher mais linda que ele já vira na vida –
parada junto ao capô aberto do carro, olhando o motor e coçando a cabeça. Ela não
o viu aproximar-se, e quando ela falou, percebeu nela um leve sobressalto:
-Posso ajudar? Algum problema?
Os olhos verdes e desconfiados da moça
fixaram-se nele, e no seu rosto suado e avermelhado pela corrida e pelo calor
do sol. Aos poucos, Décio viu o medo nos olhos dela transformar-se em
autoconfiança, e em seguida em hostilidade, em uma questão de segundos. Quando
ela falou, ele percebeu seu tom de voz frio:
-Não, eu me viro.
Ele insistiu:
-Sabe consertar motores?
Ela negou com a cabeça, ainda olhando para
dentro do capô.
-Já chamou alguém?
-Esqueci meu celular em casa. Mas estou bem, eu
vou andando. É perto daqui.
Ele puxou o celular do bolso do short,
estendendo-o para ela, que hesitou antes de pegá-lo. Ela discou um número, e
afastou-se, falando em voz baixa. Depois, devolveu o celular a ele.
-Pronto. Virão me buscar.
Décio reparou que ela não agradecera, nem
quebrara o gelo entre eles. Ficou parado, olhando-a e admirando a sua beleza
quase selvagem, mas domesticada pela excelente aparência e boas roupas. Décio
sentiu que ela gostara dele; tinha um sexto sentido para essas coisas; assim,
estendeu-lhe a mão:
-Sou Décio. E você?
Sem pegar a mão dele, ela respondeu entre os
dentes:
-Olha, você já ajudou muito, obrigada. E adeus.
Ele sentiu-se chocado com a frieza dela. As mulheres
tinham por hábito apaixonarem-se por ele e brigarem por sua atenção, e a reação
dela deixou-o desconcertado. Insistiu:
-Mesmo assim, ficarei aqui até que a ajuda
chegue. Esta estrada é deserta e pode ser perigosa. Eu... vou ficar ali – ele disse,
apontando para a sombra de uma árvore há alguns metros – não quero incomodá-la.
E afastou-se dela.
A linda moça respirou fundo, demonstrando
impaciência, e pensou: o que ele poderia me fazer? Após alguns segundos, ela o
seguiu para debaixo da árvore:
-O sol está forte... aliás, meu nome é Sophie.
Ele sorriu, apesar de ela não oferecer-lhe a
mão para apertar. Mal pode acreditar em sua sorte: a moça era Sophie, filha de
Endora Damata! Sua reportagem estava garantida, pensou. Decidiu continuar
fingindo não saber quem ela era.
-Prazer, Sophie. Você mora por aqui?
Sophie olhou-o de soslaio, e um riso de
escárnio escapou de sua boca:
-Sim, eu moro por aqui. Por enquanto. E você
sabe muito bem disso, e você não é daqui. É um repórter – mais um – que quer
entrevistar a minha mãe. Mas vou logo
dizendo que minha mãe não dá entrevistas. Está perdendo seu precioso tempo.
Décio não perdeu a calma:
Décio não perdeu a calma:
-Bem, minha profissão é tentar. E eu não
costumo desistir fácil. Me desculpe por não dizer quem eu realmente sou.
Sophie concordou com a cabeça. Olhou-o nos
olhos pela primeira vez, e pensou que gostaria muito de pregar uma peça na
arrogância do rapaz. Sorriu para ele, seu sorriso mais estudadamente sedutor. Lembrou-se
da última vez que um repórter tentara entrevistar sua mãe, e ela mandou que um
empregado o pusesse para fora soltando um cão bravo atrás dele. O homenzinho
correu feito bala antes de entrar no carro e sair acelerando.
-OK. Pode tentar se quiser. Veja, minha carona
está chegando. Quer ir até a fazenda falar com minha mãe?
Décio nem sequer pensou em preocupar-se com sua
aparência suada, empoeirada e nada formal. Foi logo respondendo que sim. O velho
Ford parou na beira da estrada, dirigido por um homem mal-encarado que olhou-o
dos pés à cabeça, mas não disse palavra. Sophie entrou no carro, sentando-se no
banco da frente, e Décio sentou-se no banco de trás.
Percorreram ainda vinte minutos de estrada
esburacada em silêncio, antes de chegarem a uma porteira pintada de branco. O homem
saiu do carro, encaminhando-se para a porteira. Quando ficaram sozinhos, Décio
puxou conversa:
-Houve muitos antes de mim?
-Não. Apenas quatro.
-E eles sobreviveram?
Ela entendeu a piada, mas não riu. Sequer respondeu.
Décio ficou ainda mais desconfortável, e
engoliu em seco. A estranha o
fascinava e exasperava ao mesmo tempo. O empregado voltou ao carro, e entraram
na fazenda. Mais uma vez, ele parou o carro e foi fechar o portão. Sophie
percebeu que gostava do cheiro dele. Tinha o nariz muito sensível para cheiros,
e notou os resquícios do perfume caro que ele usara no dia anterior preenchendo
o espaço do carro. Também achou o rosto dele bonito, e gostou da voz dele. Mas
sabia que ele logo estaria bem longe dali, e que ela nunca mais o veria, e nem
deveria querer ver.
Chegaram na fazenda, e Sophie mandou que ele a
acompanhasse. Eles subiram um pequeno lance de escadas, indo dar em uma varanda
que circundava a casa de fazenda. Ele reparou o belo e antigo piso de ladrilhos
hidráulicos, e a beleza e austeridade da casa, embora estivesse precisando de
muitas formas. Passaram por várias janelas grandes e altas, todas elas,
fechadas e com as cortinas cerradas antes de finalmente chegarem a uma porta de
madeira enorme, sobre a qual descansava uma antiga aldrava com a cara de um
leão zangado. Décio notou o silêncio do lugar, e também algumas pessoas muito
mal-encaradas que os observavam enquanto faziam vários tipos de serviços no
terreno. O lugar era hostil e um tanto assustador, e ele sentiu como se
estivesse em uma daquelas cenas de filmes trash de terror. Porém, esperava ansiosamente
pela cena na qual ele poderia salvar a linda mocinha das mãos dos zumbis
malvados. Mas quando Sophie olhou para ele novamente, mandando que entrasse e
aguardasse na sala, seu olhar frio o fez compreender que aquela cena tinha sido
excluída do script.
Ela o deixou de pé na sala de estar, e sem
olhar para trás ou mandá-lo sentar-se, Sophie subiu as escadas de madeira cobertas
por um tapete vermelho desbotado que levava ao andar superior. Antes de entrar
no quarto da mãe, bateu levemente. A mãe parecia um pouco melhor – estivera mal
no dia anterior, e Diana precisara aumentar as doses dos sedativos. Ela estava
sentada na cama, tomando seu desjejum, e sorriu ao ver a filha chegando. Sophie
dirigiu a Diana um olhar, e ela compreendeu que mãe e filha desejavam ficar a
sós.
-Está melhor, mãe? – Sophie disse, sentando-se
na cama ao lado da mãe e afastando uma mexa de cabelo do rosto cansado da velha
senhora.
-Sinto-me melhor hoje. Acho que posso até mesmo
dar uma volta pelo jardim.
-Mas está um calorão lá fora! Vai aguentar
andar nesse sol?
-Bem, então vou sentar-me um pouco na
varanda... vai ajudar-me a colocar um vestido fresquinho?
Ainda estou de
camisola.
-Claro, assim que você terminar seu café da
manhã.
Endora afastou a bandeja, dizendo que já havia
terminado. Sophie ficou triste; ela comia menos a cada dia, e às vezes,
colocava tudo para fora após alguns minutos. Pegou a bandeja, indo colocá-la
sobre a cômoda.
-Mãe... há um repórter esperando para falar com
a senhora na sala, lá em baixo... ele me ajudou na estrada quando o carro
quebrou. Me emprestou o telefone. Eu disse que a senhora não está recebendo
ninguém, mas... ele .. insistiu muito.
Sophie surpreendeu-se com o tom apaziguador de
suas próprias palavras; minutos antes, estivera desejando pregar uma peça no
rapaz. Endora, de quem nada escapava – nenhum sorriso, olhar furtivo ou
intenção oculta – logo soube que a filha gostara do repórter. E que se o havia
levado até lá, mesmo sabendo do que acontecera aos outros que tentaram antes
dele, era porque estava realmente interessada, e o tal rapaz deveria ser uma
boa pessoa. Para surpresa da filha, Endora disse:
-Com este eu vou falar. Mande servir um suco ao
rapaz, vá fazer companhia a ele e mande Diana entrar para me ajudar a por uma
roupa decente.
Quando a filha saiu, Endora acompanhou, sem
qualquer espanto, o momento em que um porta joias voou de cima da cômoda, indo
cair junto à poltrona. Aquilo era um sinal...
Na sala de estar, Décio estava debruçado sobre
uma fotografia de uma família que, ele supôs fossem os Damata assassinados por
Endora. Estava bastante entretido, observando a foto que descansava sobre o
aparador de uma lareira totalmente fora de lugar no contexto climático do
local, quando sentiu uma respiração junto ao seu pescoço, como se alguém também
observasse o mesmo retrato que ele, logo atrás de suas costas. Virou-se para
ver quem era, e sentiu um arrepio percorrer sua espinha dorsal – apesar do
calor – quando não deparou com ninguém. Ele tivera certeza de que havia alguém
junto com ele naquela sala. Mas logo distraiu-se com a volta de Sophie, que
trazia-lhe um copo de suco de tamarindo e o convidava a sentar-se. Ele ficou
pasmo: quantas vezes por dia aquela mulher era capaz de mudar de personalidade?
Convidou-o a sentar-se no antigo e nada
confortável sofá da sala de estar, sentando-se na poltrona diante dele, as mãos
sobre o colo, os olhos verdes gelados a observá-lo, enquanto ele engolia o suco
vagarosamente. Sophie disse:
-Minha mãe vai vê-lo.
(continua...)
UAU... senti arrepios aqui kkkk
ResponderExcluirFiquei pensando naquelas crianças que apareceram e deixaram Décio petrificado... quem seriam??
Endora vai falar com ele, uhuuuu, e Sofhie será que vai se apaixonar??
Tomara que naum.
Mas a história tá boa demais da conta.
bacios
Sophie, desculpe, escrevi errado rsrsr
ResponderExcluirOlá Ana
ResponderExcluirSempre temos que perceber os sinais.
beijinhos e boa semana.
http://eueminhasplantinhas.blogspot.com.br/
Me arrepiei, Ana, quanta coisa será revelada?
ResponderExcluirQue caminho percorremos, até chegar ao nosso destino?
A vida é mesmo uma caixinha de surpresas!
Aguardando...
Abraços carinhosos
Maria Teresa
GELO NA ESPINHA?? KKKK AMEI ISSO, ADOROS ESSES SUSPENSES! MTO BOM ANA. JA VOU CORRER PRO PRÓXIMO CAPÍTULO!
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