segunda-feira, 18 de julho de 2016

A RESENHA DO MAL – CAPÍTULO IXV







Enquanto todos aqueles acontecimentos funestos ocupavam a mente das pessoas na pequena cidade de Bernardina, em Petrópolis Lana aguarda a chegada de Mauro. Após tantos anos de ausência, desde que se separaram, os dois apenas trocavam algumas palavras quando necessário, devido aos ciúmes de Patrícia. 

Lana estava de férias, e tinha o dia todo pela frente; planejara ir até a piscina do clube e passar o dia por lá, lagarteando ao sol com algumas amigas, mas quando estava pronta para sair, o telefone tocou: era Mauro. Ele parecia constrangido por ligar para ela, e Lana logo pensou que pudesse ter acontecido alguma coisa com Brian:

-Mauro... que surpresa! Está tudo bem? É alguma coisa com Brian?

-Não... na verdade, não. Brian está bem, parece que ele e o irmão estão finalmente conseguindo se entender.

-Bem, isso é ótimo! Até que enfim! Eu sempre aconselhei Décio neste sentido. Mas ele tem ciúmes de você com Brian; acha que depois que ele nasceu, você deixou de dar atenção a ele. 

-Não é verdade... quero dizer...ele pode ter razão. 

-Como assim?

Ela escutou a respiração dele do outro lado da linha.

-É que eu fiz concessões demais à Patrícia, e acabei deixando meu filho mais velho um pouco de lado, ou dando a ele menos atenção do que eu deveria ter dado. Mas quero recuperar o tempo perdido, as coisas que eu perdi dele... você acha possível?

Lana pensou por um minuto antes de responder. Ela sempre ouvia o filho falando do pai com muito ressentimento. Achou melhor ser cuidadosa em sua resposta:

-Talvez. Se você realmente tentar desta vez. Sem se deixar levar pelos ciúmes absurdos de Patrícia.

Mauro respirou fundo antes de dizer:

-Patrícia e eu... nós estamos nos separando.

Lana sentiu o coração dar um salto. Deveria estar feliz com a notícia, mas lamentava que Brian tivesse que voltar para casa e enfrentar o divórcio dos pais. E no fundo, ela sempre guardara a esperança de que um dia Mauro cairia em si e veria a grande bobagem que fez ao trocá-la por Patrícia. Porém, conforme os anos foram passando e o casal apenas demonstrava felicidade em público, ela acabou se convencendo de que aquilo não iria acontecer nunca, e se acontecesse, ela seria a última a saber. Um pouco de ressentimento veio à tona:

-Lamento. Mas o que eu posso ter a ver com isso, Mauro?

Ele hesitou antes de responder. Lena esperou, as mãos trêmulas. Finalmente, mauro disse:

-Podemos conversar pessoalmente? Você não vai trabalhar hoje, vai?

-Não. Como você ficou sabendo?

-É que eu liguei para o seu escritório, e me informaram que você está de férias. Posso... posso ir aí agora? Preciso muito falar com você.

-Bem, eu estava indo ao clube.

Ela sentiu a decepção dele:

-Oh... mas é claro, que pena, você... é claro, me desculpe. 

-Onde você está?

-Em frente a sua casa. No carro.

Ela correu até a janela, e quando o viu, ele acenou para ela. Lana sentiu o velho clamor da paixão, 
pois lembrou-se dos tempos em que eles eram namorados e ele ia até a casa de seus pais busca-la para irem sair. Ela de repente se viu sentindo as mesmas velhas emoções, e descobriu que ainda o amava. Descobriu não confessou a si mesma. Porque ela sempre soube, na verdade. Apesar de todos aqueles anos, mágoas, decepções e silêncios mal explicados, Lena ainda amava seu ex-marido. Ela sorriu para ele, e fez sinal para que entrasse.

Enquanto ele saía do carro, Lana se viu ajeitando os cabelos e ajustando a saída de praia ao corpo, e calçou rapidamente as sandálias de saltos médios que usaria para ir ao clube. Olhou-se no espelho; correu até a bolsa e passou nos lábios um batom rosado que encontrou dentro dela. Sentou-se no sofá com o coração aos pulos, feito uma adolescente, esperando o som da campainha tocando. Quando ela o escutou, Lana quase saltou do sofá, mas se conteve no meio do caminho, pois não queria demonstrar muita ansiedade por rever mauro. Devagar, ela chegou até  aporta e girou a maçaneta. Do outro lado, mauro sorriu para ela. Ela mandou que ele entrasse:

-Sente-se, Mauro. Bebe alguma coisa?

Ele olhou em volta, notando as muitas mudanças na decoração da casa. Percebeu que Lana tinha varrido a presença dele. 

-Não, obrigada, Lana. E obrigada por me receber.

Ela se sentou em frente a ele, torcendo as mãos, mas tentando parecer calma. Ele estava mais bonito 
do que nunca, ela pensou. Mauro olhava para o rosto da ex-mulher, satisfeito por ver que ela envelhecera um pouco, naturalmente, mas que ainda tinha lindas feições e um corpo bonito, que não tentara modificar com plásticas e injeções de botox, como Patrícia fazia. Lana tinha a mesma beleza natural, bem-cuidada, mas sem artificialismos exagerados. Respirando mais fundo, ele percebeu que ela ainda usava o mesmo perfume – o que ele adorava. Mauro começou:

-Não quero tomar muito do seu tempo... eu vim falar de Décio. E de Brian. 

-Como você acha que Brian reagirá ao divórcio?

-Acredito que bem... certa vez, durante uma discussão entre mim e Patrícia, ele até sugeriu que nós nos separássemos, pois poderíamos ser bem mais felizes longe um do outro. Isso foi há quase dois anos. Como ele estava certo!

-Uma pena... Mas fico feliz que ele se adapte logo.

-Pois é, Lana.

-Onde você está morando agora?

-Na verdade, estou em um hotel. Eu e Patrícia nos separamos há apenas um dia e uma noite. Logo começarei a procurar um apartamento. Espero que Brian decida viver comigo.

-E você acha que Patrícia vai concordar com isso?

-Ele tem quase dezoito anos. Logo poderá decidir com quem vai querer ficar. Espero que ele me escolha. Acho que ele vai me escolher.

Ele riu, e ela concordou com a cabeça. Esperou que ele continuasse a conversa. Mauro pigarreou:

-Então... 

-Por que se separaram? (ela levou a mão à boca, ficando logo vermelha) me desculpe, eu não deveria ter perguntado isso!

Ele riu de novo, e coçou o queixo. Ela achava aquele gesto muito charmoso. Ele sempre fazia aquilo. Como estava acostumada a ele!

-Não, tudo bem. Nós nos separamos por um único motivo: porque nunca deveríamos ter nos casado, para início de conversa. Patrícia é bem mais jovem. Eu sei... sempre soube que de uns tempos para cá  ela vinha tendo seus casinhos com caras bem mais jovens que eu, e nem me importava. E não me importar fez soar um alarme. 

Lana lembrou-se das inúmeras vezes em que ele chegava tarde em casa, por estar com Patrícia, e o quanto ela sofreu e se importou. Mas não disse nada. Aquilo ficara no passado, e ela se surpreendeu ao descobrir que já não tinha a menor importância.

-Mas o maior motivo, foi o ciúme dela. Ela sempre sentiu muitos ciúmes de Décio. Mas principalmente, de você. Teve um “piti” depois que conversei com você ao telefone, quando Brian sumiu... fez um escândalo. Ela no fundo sabia que eu nunca deixei de pensar em você.

Aquela confissão fez com que Lana perdesse o chão. O que significava tudo aquilo? Não podendo encará-lo, ela foi até o bar e começou a preparar dois drinks – apesar de ainda não ser meio-dia. Tomou um gole bem grande de Martini, e serviu-se de mais um pouco. Levou a ele o Martini, do jeito que ele gostava.

-Mauro, eu não estou entendendo aonde você quer chegar...

Ele foi direto:

-Preciso saber, Lana: você está com alguém?

Ela quase perdeu a fala; que direito ele tinha de perguntar-lhe aquilo? Após tantos anos, só porque ele estava divorciado não lhe dava o direito de tentar reaproximar-se dela. E Lana disse aquilo a ele, com todas as letras. Mauro escutou-a em silêncio, e colocou o copo na mesinha de centro após toma-lo todo de um gole só. 

-Desculpe, Lana... mas eu me dei conta de muitos erros que cometi. 

-Só porque Patrícia pediu o divórcio?

-Não foi ela quem pediu; fui eu! Se dependesse dela, ainda estaríamos vivendo aquela mentira.

-De que mentira você está falando, Mauro? Você se separou de mim para ficar com ela. Eu não causei nenhuma dificuldade. Você também não pensou duas vezes antes de me deixar e deixar seu filho pequeno para ir atrás de uma aventureira... desculpe, eu não deveria ter chamado Patrícia assim. Mas é o que ela era. Apostou todas as fichas em você, e ganhou. Se não fosse você, seria outro qualquer. Qualquer um que pudesse sustenta-la e dar a ela a vida de rainha que sonhava. 

Aquelas palavras, engasgadas durante tanto tempo, saíram aos borbotões, e Lana sentiu-se aliviada ao dizê-las. Mas surpreendentemente, não havia nelas nenhum tom de raiva, apenas de constatação. Um desabafo. Uma lembrança. Mauro concordou com ela:

-Você está coberta de razão, Lana. Mas tem uma coisa que você não sabe. Eu nunca te disse que naquela manhã, quando acordei e achei minhas malas prontas ao lado da cama, e a casa vazia, eu me arrependi do que estava fazendo. Compreendi que não queria deixar você para ficar com Patrícia. Mas você aceitou tudo sem questionar, sem fazer cenas de ciúmes, sem pedir para que eu ficasse... sem lutar por mim. Achei que não me amasse mais, ou que estivesse com muita raiva de mim.

-E eu estava, Mauro. Mas de nada adiantaria demonstrar. Tenho certeza de que se eu tivesse pedido a você quer ficasse, você teria ido embora atrás dela da mesma maneira.

Ele respirou fundo:

-E eu esperava que você me pedisse para ficar. Quando não pediu, eu fiquei arrasado. Achei que a única coisa a fazer, fosse pegar as malas e ir embora. E eu fui...

Lana sentiu que ele estava dizendo a verdade, e sentou-se novamente em frente a ele:

Se eu tivesse pedido, você teria ficado, Mauro?

-Sim, eu teria. 

Ela percebeu o quanto as pessoas se afastavam umas das outras devido a mal-entendidos como aquele. Então, todos aqueles anos poderiam ter sido diferentes se ela ao menos tivesse engolido seu orgulho e pedido para que ele ficasse? Ou se ele tivesse dito que estava arrependido, e que a amava? Mas ninguém disse nada, e as coisas aconteceram como aconteceram.
Ela se lembrou da tarde quando eles foram assinar os papéis do divórcio, e que ele tinha os olhos vermelhos e evitava olhar para ela. Estava magro, e as roupas, mal arrumadas. Após a assinatura dos papéis, no corredor, ela escutou quando ele chamou o nome dela com a voz embargada, mas caminhou mais rapidamente em direção à saída e não o atendeu. 

-Você nunca amou a Patrícia?

Ele negou com a cabeça:

-Não. Patrícia era como um prêmio, uma boneca-troféu que eu exibia e fingia amar diante dos amigos. Mas eu não estava enganando ninguém, pois meus amigos – que eram antes meus e seus amigos  nunca a aceitaram totalmente, o que a deixava louca de raiva, até que todos eles se afastaram, e fizemos novos amigos ao gosto dela. Todos levianos, vazios, fúteis. 

-Vocês nunca foram felizes?

-Tivemos nossos momentos, principalmente, junto de Brian. Mas quando penso nisso, quase todos  os outros bons momentos que passei ao lado dela, aconteceram em uma cama. Aprendi que ser feliz na cama é bem menos importante do que eu pensava para uma relação. Há outras coisas, além disso. E ser feliz com alguém era tudo o que eu tinha com você: companheirismo, cumplicidade, amizade, amor, paixão, sonhos em comum, gostos parecidos, aconchego... coisas que eu e ela jamais tivemos. 

Ela concordou com a cabeça, e secou as lágrimas na pontinha da toalha que estava na bolsa. Não queria ter chorado na frente dele, mas era tarde. Mauro a olhava também com os olhos cheios de lágrimas, e via a imagem dela embaçada pelas lágrimas que ele finalmente permitiu que caíssem.

Mauro disse:

-Eu não sei se você vai se lembrar, mas uma vez eu e Patrícia entramos em um restaurante onde você estava jantando com outro homem. 

-Eu me lembro; foi mais ou menos uns cinco anos após a nossa separação.

-A noite acabou para mim quando eu vi você com ele. E Patrícia percebeu logo de cara... tivemos uma briga feia em casa.

Lana encolheu os ombros, sem saber o que dizer. Mas ela se lembrava bem daquela noite: o homem que estava com ela acabou sendo apenas uma aventura passageira, algo para preencher o vazio que Mauro deixara. Ela também se sentira muito ferida ao ver Mauro na companhia de Patrícia, que quando a viu no restaurante, tratou de exagerar nos carinhos e beijos que dava em Mauro. Ela percebeu que ele estava constrangido, mas jamais pensou que fosse por causa dela, e sim devido às carícias em público de Patrícia, que estava fazendo com que as pessoas olhassem e comentassem. Mauro continuou: 

-Eu sei que foram muitos anos separados, e que sua vida seguiu em frente, assim como tentei seguir com a minha, Lana, mas se algum dia você pensar que poderia me perdoar e me dar uma nova chance, ficarei muito feliz em poder tentar dar a você o que eu deveria ter dado. 

A cabeça de Lana dava voltas. Ele se despediu dela com um beijo na testa, e saiu, fechando a porta devagar. Ela ficou ali, sentada no sofá, sentindo frio naquele início quente de tarde. Pensou em tudo o que ele dissera, e que ela guardara a esperança de ouvir aquelas mesmas palavras há anos. Mas nunca pensou que seriam tantos anos!

Ligou para as amigas que a esperavam no clube, e disse que estava resfriada e não poderia ir. Não estava disposta a entrar nas conversas animadas e engraçadas das amigas. Ao invés disso, ela ficou em casa. Fez uma faxina geral. Faxinar sempre fazia com que ela pensasse melhor. Quando terminou, o sol estava se pondo, e a casa brilhava. Cansada, tomou um longo banho de banheira com seus melhores sais, e depois foi assistir a um filme romântico na TV. Enquanto via o filme, pensou que seria muito agradável se Mauro estivesse ali, assistindo-o junto com ela; mas seria possível recomeçar, depois de tantos anos separados?


(continua...)





2 comentários:

  1. História muito linda, Ana, quando existe amor, sempre há possibilidade de recomeço...
    Excelente semana, abraços carinhosos
    Maria Teresa

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  2. Of course, it can work. You know what they say: "Love is better the second time around."

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