segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

O ELEFANTE BRANCO - PARTE V









De manhã cedo, Iris entrou no jipe a fim de buscar algumas tintas e removedores que Alana pedira. Ao dar partida, ela viu Rubens chegando em casa. Parecia cansado, com olheiras escuras sob os olhos, e andava encurvado. Pensou que ele era um homem velho, embora fosse também bastante vigoroso. Pensou nos dias em que ele e tia Bárbara desfrutaram de seu amor clandestino; teriam sido descobertos pelo marido traído?

Ela pôs o carro na estrada, enquanto Rubens entrava na edícula.

Alana estava na cozinha, terminando o café da manhã quando ele entrou e cumprimentou-a com um grunhido que parecia ter sido um “bom dia” disfarçado. Ela respondeu da mesma forma. Antes que ele entrasse em seu quarto, ela pediu:

-Rubens, precisamos conversar. Poderia sentar-se aqui, por favor? Pode pegar café, se quiser. 
Ele bufou, e serviu-se de uma xícara do café de Alana, sentando-se. Permaneceu cabisbaixo, as duas mãos em volta da xícara quente. Alana não queria começar uma briga, e tentou ser suave:

-Gostaria que você soubesse que os irmãos Caio e Mercedes – você os conhece, não? – estiveram aqui ontem à tarde. Ele vai começar a trabalhar na casa junto comigo, ofereceu-se para ajudar. Talvez Mercedes venha também. Mas... o fato, é que você desaparece de repente, mesmo depois de eu ter pedido que nos ajudasse a terminar o trabalho, e fica sumido um dia e uma noite inteiros! Isso não pode continuar assim. Se acha que seu emprego é importante, você tem que fazer o que eu peço. Precisamos de você na casa. 

Rubens olhou para ela, e seus olhos eram um par de coisas frias e indiferentes. 

Alana tremeu, mas tentou mostrar-se forte.

-Espero que tenha entendido desta vez, ou então terá que achar outro lugar para morar e trabalhar. 
Ele assentiu com a cabeça, e foi para o quarto, levando a xícara. Alana respirou fundo, e foi para a casa grande. Quando chegou, viu que Caio a esperava à porta. Trazia uma caixa – provavelmente, seu material de trabalho. Ela o cumprimentou alegremente, tentando dissipar a timidez que ele lhe causava. A filha tinha razão: ele era um rapaz bonito demais. 

-Bom dia, Caio! Acordou cedo!

-Bom dia, Alana. Pronto para começar!

Assim que eles abriram a casa, Rubens surgiu para trabalhar. Alana sugeriu que ele começasse por algum quarto do andar superior. Ele agarrou lixa, pincel e um galão de tinta e subiu as escadas, sem nada dizer, e sem cumprimentar Caio. Alana levou a mão à testa, sacudindo a cabeça em desaprovação:

-Ele sempre foi assim, Caio?

Caio riu, e murmurou:

-Não sei muito sobre ele... mas a fama de esquisito corre pela cidade. Vamos começar?

Ela concordou com a cabeça. 

Enquanto trabalhava, Alana podia sentir os olhos de Caio se alternando entre o trabalho cuidadoso que fazia na parede e suas costas. Caio era uma pessoa intensa, sem dúvidas. A respiração dele era suave enquanto trabalhava, e ele demonstrava muito concentração no que fazia, mas ela sabia que ele estava atento a cada movimento seu, o que começou a deixa-la um tanto desconfortável. Ela olhou para trás inesperadamente, e deu com os olhos dele. Ele manteve o olhar. Ela sorriu, sem graça, pois não sabia o que mais poderia fazer. Sentia-se como uma adolescente. Ele sorriu de volta, e aquele sorriso derreteu o gelo que estava em volta do coração de Alana desde que o marido desaparecera. 
Há muito tempo ela não era olhada daquela maneira. Para ela, mesmo antes do desaparecimento do marido, seu corpo tornara-se apenas como um veículo de locomoção que a levava aonde tinha que ir, permitindo que ela pudesse fazer as coisas que precisava fazer, seguindo a sua rotina. 

Alana tentou voltar a concentrar-se no trabalho, mas como notou ser quase impossível, pediu licença, alegando sede. Ao chegar em casa, abriu a torneira e pegou a água fria nas mãos – apesar do frio que fazia – e molhou o rosto com ela. Fez isso várias vezes, até que se acalmasse. O que estaria acontecendo com ela? Aquele rapaz despertava-lhe sentimentos que há muito tempo estavam enterrados dentro dela. Desejos inconfessáveis que ela já não sentia mais há anos e anos. 
Pensou no marido desaparecido. Às vezes, quando pensava nele, alguns detalhes faltavam, e ela tinha que se concentrar ou olhar uma fotografia para trazê-los de volta. Mas naquele momento, a memória foi tão forte, que ela conseguiu sentir-lhe o cheiro. Alana fechou os olhos, deixando a água fria escorrer pelo pescoço, entrando por baixo da blusa, e teve um calafrio. O que estaria acontecendo com ela? Como poderia estar pensando daquela forma em um rapaz que poderia ser seu filho? Ela achou que a súbita lembrança do marido tinha sido um alerta, uma forma de lembra-la de que ele ainda não estava oficialmente morto – apenas desaparecido. A qualquer momento, Mario poderia entrar por aquela porta e reivindicar seu lugar de volta na vida dela e da filha. A qualquer momento, ele poderia surgir, e suas vidas voltariam a ser alguma coisa parecida com o que foram – mas jamais igual. 

E o perfume dele, entrando de forma estranha pelas narinas, fez com que ela abrisse os olhos e olhasse para trás.
Lá estava ele. Sólido, tridimensional, detalhadamente visível. Talvez um pouco mais pálido, mas era Mario. Ele a olhava com tanta intensidade, que Alana perdeu a respiração, e acabou derrubando uma xícara que estava sobre a pia com o cotovelo. A xícara espatifou-se em vários pedaços, sendo que um deles cortou-lhe a canela direita, e o sangue escorreu para o chão. Ela olhou para o chão, vendo o sangue e os cacos, e quando olhou para a porta de novo, ele não estava mais lá.

Alana correu para fora, chamando pelo nome dele. Correu em direção aos penhascos, onde pensou ter visto uma sombra mais escura desaparecendo entre as pedras que levavam lá para baixo, em direção à  praia. Ela chegou bem na ponta, e continuou olhando, ansiosa, mas tudo o que via, era a areia branca e as ondas batendo nas pedras lá embaixo. Gritou o nome dele novamente ao ver alguém ao longe, correndo pela areia, mas a luz do sol ofuscou-a, e ela o perdeu. 
Alana estava muito na beirada do penhasco. Fazia sombra nos olhos com uma das mãos. Não percebeu que seu pé empapado de sangue deslizou na pedra lisa. Ela sentiu a pedra escorregar, e tentou equilibrar-se. Teve ainda um vislumbre das ondas que a esperavam lá em baixo, depois que ela caísse, e sentiu, apavorada, o cheiro da maresia. Abriu os braços, mas antes que mergulhasse no precipício, alguém puxou-a para trás, agarrando seu pulso e abraçando-a com força. 

Ela abriu os olhos, o coração ainda aos pulos, e notou que estava segura, o rosto amparado por um peito forte e ofegante, e que tinha braços envoltos por uma blusa de lã cinzenta em volta dela. Ela olhou para cima, e viu o rosto de Caio, muito preocupado e aflito. Ela olhou para baixo, para o precipício e a praia, ouvindo o grito triste das gaivotas.

O vento começou a soprar forte, e as nuvens encobriram o céu. 

Caio levou-a de volta à casa, onde sentou-a em uma cadeira na cozinha e, pegando um pano de prato, enrolou-o em volta do corte na perna dela. Perguntou por uma possível caixa de primeiros socorros, e Alana apontou o banheiro com o queixo, sem nada dizer. Ele entrou lá, voltando com a caixa de remédios, e pôs-se a lavar o ferimento, estancando o sangue e colocando um curativo sobre o corte. Enquanto isso, ele viu a xícara quebrada no chão, e afastou os cacos para um canto com os pés.

Alana ainda pensava em tudo o que tinha acontecido naqueles poucos minutos. Teria sido uma miragem, uma alucinação – ou simplesmente, fruto do seu sentimento de culpa? Caio perguntou:

-Alana, o que aconteceu?

Ela sacudiu a cabeça. Ele insistiu:

-Você não estava... não estava tentando...

Ela leu o pensamento dele, e riu:

-Não. Não estava tentando me matar, apenas escorreguei.

Ele suspirou, aliviado, e levou a caixa de volta para o banheiro. Quando voltou, pegou um copo de água com açúcar, tomou um gole e deu o resto para ela, indagando:

-Você chamou por um nome. Mario. Quem é Mario?

-Meu marido. Quero dizer, meu... eu não sei mais o que ele é, se é meu marido ou ex-marido. 

Ele a encarou, preocupado. 

-O que  aconteceu?

-Não sei. Acho que eu escorreguei.

-Não; quero saber o que aconteceu ao seu marido.

Ela demorou um pouco a responder:

- Ele desapareceu. Um dia, não voltou para casa do trabalho. Nós tentamos telefonar para ele, mas o celular só chamava e ninguém atendia. Chamamos a polícia, procuraram por ele durante muito tempo... as investigações ainda continuam, mas ele está desaparecido há dois anos. 

-Eu sinto muito... deve ter sido muito difícil para vocês.

-Mais do que você pensa, Caio. Ainda é.

De repente, os lábios dele estavam sobre os dela. Eram frios e macios ao mesmo tempo. Um beijo leve, um roçar de lábios que ao mesmo tempo era breve e intenso. Ela se viu correspondendo-o, os sentimentos emaranhados dentro dela, alternando-se entre quentes e frios, o coração pulando descompassadamente como se ela fosse uma adolescente.

Eles ouviram o ruído de passos, e mal puderam recuperar-se antes que  Iris entrasse na cozinha, acompanhada de Mercedes. Ao ver o sangue no chão, ela assustou-se:

-Mãe! O que houve?

Alana tentou parecer bem casual, tentando controlar o nervosismo:

-Nada, imagine, foi só um corte pequeno. Derrubei uma xícara. Mas está tudo bem.

Mercedes aproximou-se:

-Precisa de alguma coisa? Não é melhor ir a um hospital?

Alana sacudiu a cabeça, rindo:

-Não! Já disse, não foi nada. Caio em ajudou, fazendo um curativo. Não é mesmo, Caio? E ele é bom nisso. 

Iris olhou de um para o outro, e de alguma forma, captou alguma coisa no ar. 

Mas Mercedes tentou quebrar a tensão, dizendo:

-Bem, já que estamos todos bem... vamos ao trabalho!

(CONTINUA...)











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