sábado, 6 de janeiro de 2018

AMOR E REVOLTA – CAPÍTULO X








Cadu foi pegar Helena, Teófilo e Gertrude no aeroporto. No trajeto até sua casa, onde Rafaela tinha organizado um almoço de família para recebe-los,  os três se revezavam contando detalhes sobre a viagem e as coisas que tinham feito. A certa altura, Helena perguntou:

-Como está o nosso Marvin?

Cadu não sabia muito bem como responder àquela pergunta, mas disse apenas que ele estava indo bem. As férias tinham começado, e ele passava a maior parte do tempo se divertindo com os amigos. Gertrude vociferou;

-Não vá sufocar o menino com suas preocupações, Helena!

Teófilo respondeu, apaziguando a situação que começava a ficar tensa novamente entre as duas:

-Meninas... não vamos estragar a boa impressão que ficou deste passeio, certo? Vamos mudar de assunto.

Finalmente, após um engarrafamento de meia hora, chegaram em casa. Depois dos cumprimentos, Gertrude imediatamente dirigiu-se ao banheiro principal, dizendo que precisava refrescar-se. Helena pediu para usar o banheiro da suíte, e Teófilo foi sentar-se na poltrona de Cadu, onde começou a ler um jornal. Ele sempre fazia aquilo: era sua maneira de não se aborrecer. 

O almoço de família transcorreu tranquilamente, com todos sentados à mesa escutando as histórias engraçadas sobre a viagem. Pareciam ser como eram antigamente, e aquela constatação causou uma dor fininha em Rafaela, durante uma das pausas para gargalhar das histórias de Gertrudes. Mas havia algo perturbando seu coração e sua mente, e ela sabia bem o que era. Os resquícios do jantar em casa daquele estranho casal ainda soavam um alarme dentro dela: ela deveria tirar seu filho daquele meio o mais rapidamente possível, mas como? Se ela tentasse fazê-lo diretamente, usando sua autoridade, o que poderia acontecer? Marvin já tinha dezessete anos, e provavelmente faria tudo para desobedece-la. E ela temia que ele pudesse tentar se matar outra vez, caso se sentisse pressionado.

Rafaela lamentou ter deixado as coisas chegarem àquele ponto: ficara tão entusiasmada ao ver o menino feliz após tanto tempo, que decidiu ignorar seus instintos de mãe. As coisas tinham ido longe demais, e seu filho estava totalmente envolvido com aquela menina e sua família.
Rafaela não percebia que, do outro lado da mesa, Gertrude a fitava com preocupação também, entre uma história e outra. 

E enquanto ela colocava as louças na lavadora e os demais se distraíam com seus drinks na sala de estar ou assistiam a um filme, Gertrude aproximou-se de Rafaela, enquanto ela trabalhava na cozinha. Carregava uma bandeja com copos usados, que depositou sobre a pia, e a filha imediatamente começou a arrumá-los na lavadora. Gertrude olhou para ela de uma maneira diferente, e Rafaela sentiu que suas barreiras de proteção estavam caindo, até que a mãe finalmente perguntou:

-Vamos lá, Rafaela. Que bicho está mordendo você?

Rafaela achou melhor abrir-se com a mãe.

-É que... ando preocupada com Marvin. Essa menina que ele está namorando, mãe. Fomos convidados para um jantar na casa deles, digo, na mansão deles... são pessoas muito estranhas.

-De que forma?

-Bem, são liberais demais. Diferentes da gente. Perfeitos demais, também, sabe. A perfeição me incomoda, sempre me incomodou. Enfim... são bonitos demais, a casa parece coisa de revista... roupas caras, maquiagem cuidadosamente estudada... sorrisos brancos demais.

Gertrude sorriu:

-Hum... e o que mais? Tenho certeza que isso não é sobre a pasta de dentes que eles usam...

-Bem, a mãe, Sunny, - olha que nome estranho: quem se chama Sunny? – veio me dizer que ela e o marido levam uma vida liberal. Têm um casamento aberto, entende? Saem com quem querem, transam por aí... e que educam os filhos dentro destes conceitos também. Sabe, eu imaginei as festas que os dois dão – ela disse que nos convidará para a próxima.

Naquele ponto, Rafaela parou de falar, começando a limpar a pia com uma flanela úmida, achando que a mãe não deveria saber de toda a verdade. Seria demais para os conceitos dela. Mas Gertrude, que conhecia muito bem a filha, logo percebeu que ela tentava esconder informações, e disse, a voz levemente autoritária:

-E o que há de errado com as festas que eles dão?

Rafaela respirou fundo, encarando a mãe. Seria inútil tentar mentir para ela.

-Festas de nudismo. 


Gertrude cobrou aboca com a mão, baixando os olhos. 

-Meu Deus! E... você sabe se nosso Marvin já participou de alguma?

Rafaela respondeu em voz baixa:

-Quem sabe... provavelmente, sim. Não sai mais daquela casa!

-Filha! Precisamos fazer alguma coisa...

Gertrude começou a andar de um lado para o outro da cozinha:

-Somos uma família cristã... onde já se viu, Rafaela? Festas de nudismo? Sexo livre?
Rafaela imediatamente se arrependeu de ter contado tudo à mãe:

-Fale baixo! Não quero que o Marvin saiba que estamos tendo esta conversa. E nós nem sequer frequentamos a igreja.

-Ora, eu frequento! Vou à missa todo domingo de manhã.

-Mas eu não. A questão não é essa, mãe. São... os valores, tudo o que ensinamos a ele! Fidelidade, moral, compromisso, respeito! E eles estão metidos com um político que eu não gosto, um tal de Tavinho... ele é deputado. Há alguns anos, esteve envolvido com suspeitas de corrupção, mas abafaram o caso, como sempre. Sunny alega que ele ajuda a manter uma ONG que ela administra para ajudar crianças carentes.

-Hum... já ouvi falar dele. Não é flor que se cheire.

Rafaela fechou a lavadora, apertando o botão, e a máquina começou a encher-se de água, enquanto ela se jogou em uma cadeira, a cabeça entre as mãos. Gertrude sentou-se ao lado dela, colocando a mão em seu ombro:

-Filha... vamos todos encontrar uma solução juntos. Somos uma família, afinal. Mas acho que proibir o Marvin de namorar esta menina terá efeito contrário. Precisamos mostrar a ele que ela não é para ele, que é diferente. Para isso, precisamos trazê-la para dentro desta casa. Fazer com que ela conviva mais tempo conosco.

-Mas ela só vem aqui e logo se tranca no quarto com ele. Mal fala conosco, parece nos ignorar!

-Você precisa mudar isso. Puxe conversa com ela. Faça algumas perguntas indiretas, ouça as respostas. Aprenda mais sobre ela, e se preciso, vá a tal festa de nudismo. Colha material de pesquisa, enfim. Aprenda mais, encontre pontos fracos, com certeza haverá muitos. Depois, deixe que Marvin fique sabendo sobre eles. Ponha-os no Google!

Rafaela riu:

-Ora, mãe... fuçar a vida dos outros assim?

Gertrude ignorou-a:

-Com certeza, eles devem ter algum podre. Você disse que estão envolvidos com esse tal Tavinho... deputado. Quem sabe, a tal ONG não serve para lavar dinheiro? Vamos investigar. Vamos fuçar as redes sociais deles. Vamos procurar por sites de notícias nos quais os nomes deles aparecem. 

De repente, Gertrude ergueu uma sobrancelha, esfregando as mãos, e disse:

-Tenho um amigo que pode ajudar.

Rafaela ficou surpreendida pela esperteza da mãe. Que Gertrude era antenada, ela já sabia, mas que conhecia alguém que fazia investigação virtual, era uma surpresa. Ela olhou a mãe dentro dos olhos, como se vasculhasse a verdade:

-Peraí, mãe. Que história é essa? Quem você conhece que investiga esse tipo de coisa?

-Gertrude ajeitou o cabelo com um gesto de mão:

-Ora... não é da sua conta. E não acho uma boa ideia deixar a Helena ficar sabendo, ou ela vai atrapalhar tudo. Bem capaz de querer ir até a casa desta família e armar um escândalo.

Rafaela concordou, achando que aquela seria a reação de Helena.


(continua...)




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