segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

AMOR E REVOLTA - CAPÍTULO XV







- O que a traz aqui, Gabi?

Jane sentou-se no sofá em frente a ela. Seu perfume invadiu o espaço. Gabi reparou nas unhas bem feitas, esmaltadas em branco leitoso, e na cor levemente bronzeada e dourada de sua pele perfeita. Os cabelos louros tinham sido presos em um coque que se desfazia em volta do rosto, destacando os olhos de um azul cristalino. Gabi sentiu-se ridícula em suas calças jeans stretch e camisa de malha branca e sem detalhes. 

-Vim por causa de Marvin. Eu poderia ter mandado um e-mail, mas precisava olhar para você.

Ela sentiu que as feições de Jane se dissolveram, e a máscara dela caiu. Gabi continuou:

-Quero saber se ainda estão juntos, ou se existe esta possibilidade.

Jane foi ríspida:

-Não. Pode ficar com ele, o caminho está totalmente livre pra você.

-Se ele me quisesse... mas ele quer você. Ele a ama. E ele está sofrendo.

Jane riu, olhando para o teto durante alguns instantes:

-E você, que é uma boa samaritana, veio aqui entregar o Marvin de bandeja para mim?

Gabi ficou furiosa, mas com a voz controlada e firme, disse:

-Na verdade, eu acho que você não o merece. É uma garota fútil, vazia, aproveitadora e egoísta. O Marvin merece coisa bem melhor, e nem estou falando de mim. Mas ele está sofrendo, e no mundo onde vivo, amigos ajudam amigos. Sei que é difícil para você compreender isso; afinal, não tem nenhum amigo verdadeiro, a não ser os que se juntam em volta de você feito moscas querendo, quem sabe, uma transa fácil ou desfrutar do seu dinheiro. Mas eu estou preocupada com o meu amigo. E vim aqui por ele.

Jane sentiu-se profundamente abalada pelo que Gabi lhe dissera, mas conseguiu recuperar sua máscara de frieza e responder:

-Para pedir que eu volte com ele? Foi ele que pediu que você viesse?

-Vejo que não o conhece mesmo! Ele nem suspeita que eu estou aqui. Só vim para saber se ainda existe – se é que alguma vez existiu – um resto de sentimento da sua parte por ele. Marvin jamais imploraria nada a você - (naquilo, ela mentiu) – pois ele tem dignidade. É... acho que ele precisa de alguma coisa que você não tem para dar, Jane.

Jane ergueu as sobrancelhas;

-E o que seria?

-Calor humano. Amor. Porque você nem humana é. Não passa de uma aberração. Uma criatura hermafrodita, como naquele filme de ficção científica, que se aproximava das pessoas para devorá-las, lembra? Você seus amigos esquisitos não têm nada a ver como Marvin. Dão suas festas esquisitas de nudismo tentando provar ao mundo que não têm preconceitos, mas massacram quem é diferente de vocês. Alimentam-se das almas dos outros, pessoas normais que cruzam seus caminhos, e que vocês chamam de preconceituosas. Desnudam seus corpos em frente ao espelho porque não suportariam desnudar as suas almas podres. Transam com todo mundo, mas não se entregam a ninguém. Se drogam para não perceberem o quanto são vazios, o quanto suas vidas são vazias e sem sentido. Falam em ajudar os necessitados enquanto criam empresas de fachada para lavar dinheiro sujo de drogas que traficam. Criam a imagem de caridosos e bonzinhos, envolvidos em causas justas pelo proletário, a fim de conseguirem votos para o bonequinho de vocês, o Deputado Tavinho, que os ajuda a limpar sua sujeira. Enfim, vocês são patéticos!

Jane sentiu-se muito magoada ao ouvir aquelas palavras, mas Gabi nem teve tempo de ver seus olhos encherem-se de lágrimas, pois levantou-se e saiu da casa sem olhar para ela. No caminho, as pernas dela tremiam; teria exagerado? Pelo menos, dissera tudo que estava entalado em sua garganta.
Depois que Gabi se foi, Jane permaneceu sentada no sofá, chorando copiosamente durante muito tempo. As lágrimas caíam aos borbotões, e os soluços sacudiam seu corpo inteiro. E na casa vazia, ninguém apareceu para consolá-la – embora os criados estivessem escutando atrás das portas – e ela sentiu-se muito só. 

Ficou recapitulando as palavras de Gabi durante muito tempo, e pensando no quanto ela estava certa: Marvin merecia coisa bem melhor. Finalmente, alguém tivera a coragem de dizer o que ela precisava ouvir a respeito dela mesma e de sua família. Não poderia odiar Gabi por isso. Ela apenas dissera a verdade, uma verdade que era óbvia para todos que os cercavam, mas que não era pronunciada porque ninguém queria perder as vantagens que desfrutavam sendo seus amigos e orbitando em volta deles. 

Sim, ela era patética. Sua família era patética. Durante todo o tempo, ela alimentara a ilusão de que estava ensinando Marvin a ser uma pessoa real, melhor, mais verdadeira e livre, enquanto tentava trazê-lo para dentro do seu mundo surreal e podre, onde ninguém era de verdade. Duvidou até da amizade de Juninho; afinal, ela estava pagando para que ele fosse com ela para Paris. Se ela não tivesse dinheiro, será que teria a amizade dele?  

Naquele momento, ela tomou uma decisão que modificaria toda a sua vida.


Enquanto isso, Rafaela e Cadu tentavam consolar o filho. A família estava sentada na sala após o almoço. Rafaela disse:

-Marvin, eu sei que pode parecer que o mundo acabou, mas Jane é seu primeiro amor. Ainda virão muitos, e quando isso acontecer, ela será só uma lembrança para você. seus sentimentos são muito intensos, e isso é normal na sua idade, mas você pode viver sem ela. Acredite em nós. 

Marvin segurava as mãos de seus pais, buscando a força que precisava. Compreendeu que eles sempre estiveram ao seu lado. Eram sua família, sua fortaleza. Nada valia mais do que aquela relação, que o encorajava a prosseguir sempre, mesmo diante das maiores dificuldades. Ainda sentia muito a falta de Jane – e iria sentir por um bom tempo – mas já acreditava que um dia poderia esquecê-la. Cadu disse:

-Meu filho, nós estaremos sempre aqui para você. Por favor, conte com a gente. Sei que nós nos desentendemos de vez em quando, mas olha... você e Melissa são a nossa vida. Faremos tudo por vocês.

E Marvin sabia que era verdade.

Na festa de natal, Marvin tentou se divertir, mas checava as mensagens a todo momento. Tinha mandado uma mensagem de natal para Jane, mas ela não respondeu. Ficou muito triste, mas pensou que, se ela não tinha respondido, talvez fosse porque já o tinha deixado para trás. 
Porém, o telefone de Gabi piscou na noite de natal; ela estava na cama, preparada para dormir após cear com sua família, quando a mensagem entrou; era Max. Ele a convidava para sair no dia 26. Uma lanchonete de comida australiana tinha sido inaugurada na cidade. Ela recusou o convite, mas ele respondeu com um emoticon triste: uma carinha chorando. Ela riu. Ele mandou nova mensagem, insistindo, de uma maneira muito amigável e sedutora. Ela aceitou; afinal, por que não? O que tinha  a perder? Ia sair com um cara lindo, ir a uma lanchonete cara. Se transassem, que mal haveria? Não pensava em se casar com ele. 


(continua...)








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