sexta-feira, 15 de março de 2013

A CASA DA NOITE SEM FIM - TERROR









A CASA DA NOITE SEM FIM



O dia havia sido cansativo no trabalho, mas apesar da dor de cabeça que sentia naquele final de sexta-feira, Joana decidiu que seria melhor pegar logo a estrada; assim, evitaria o tumulto dos engarrafamentos, que sempre aconteciam àquela época. Sendo assim, engoliu duas aspirinas – a bagagem já estava pronta na mala do carro – e pôs-se a caminho de casa, para visitar os pais no Ano Novo. Como planejara, chegaria quatro dias antes, e teria tempo de curtir a família e rever os amigos e vizinhos. Haveria uma grande festa no clube, como todo ano, onde a maioria das pessoas que viviam na pequena cidade se reuniria.

O início da viagem foi difícil, mas conforme o efeito das aspirinas fazia-se sentir, ela foi melhorando e relaxando, e pode apreciar o céu avermelhado, colorido pelo belo pôr de sol. Ligou o CD, colocando uma série de músicas suaves (“música de estrada,” como ela gostava de dizer) e deixou-se levar e enlevar pela beleza do caminho, que já conhecia muito bem, mas jamais cansava de admirar.

Estava tão envolvida por seus pensamentos e pelo leve entorpecimento causado pelas aspirinas, que nem se deu conta de que o tempo estava mudando. Quando deu por si, o céu cálido de final de tarde tinha se transformado em um tumultuoso céu de tempestade, e a ventania derrubava folhas e galhos de árvores sobre a estrada. A noite caiu rapidamente, e pouco antes do temporal desabar, a luz acabou, deixando tudo ainda mais apavorante. Ela mal conseguia enxergar a estrada, devido não apenas à chuva, mas à escuridão total, entrecortada pelos raios e pelo farol do carro. Decidiu que seria mais sensato parar um pouco, e esperar a tempestade passar.



Joana encostou o carro, apagando os faróis, e ficou observando a beleza dos raios. Apavorante, mas mesmo assim, muito belo! A música suave que tocava em nada condizia com o tempo lá fora, mas ajudava Joana a relaxar. Acabou adormecendo.

Quando despertou, cerca de vinte minutos mais tarde, ainda chovia, mas já era seguro continuar a dirigir. As luzes tinham voltado. A estrada estava totalmente deserta. Ela ligou o carro, esfregando os olhos antes de partir. Pegou uma bala na bolsa, para tirar o gosto ruim da boca e enganar a fome que começava a crescer, e pôs-se a caminho novamente.

Foi quando Joana percebeu que tinha se perdido. Não conhecia aquela estrada, uma linha reta e negra ladeada por pinheiros altos, que cresciam tão juntos, que mais pareciam um paredão. Não havia nenhuma placa ou sinal de vida. Como, após tantos anos fazendo aquele percurso, ela nunca tinha notado aquela estrada antes? No céu, uma lua crescente apareceu, tingindo de amarelo pálido as poucas nuvens que ainda restavam, deixando a paisagem ainda mais sinistra. A chuva tinha parado totalmente. 

Ela foi dirigindo devagar, tentando encontrar alguma indicação para poder voltar à estrada principal. Mas tudo o que viu, após dirigir por quase uma hora, foi a mesma estrada reta que se estendia à sua frente, e os pinheiros altos e ameaçadores. Nem percebeu quanto tempo havia passado, quando ela viu, em um canto da estrada, um velho carro enferrujado. Parou e saiu para ver melhor, e percebeu que se tratava de um modelo antigo, provavelmente dos anos cinqüenta. O que ele estaria fazendo ali? 



Bem, jamais saberia a resposta. Respirou fundo, absorvendo uma lufada de ar fresco que renovou-lhe as forças, e entrou novamente no carro.




Continuou dirigindo. A  luz de um poste piscou à sua direita, chamando-lhe e atenção para uma trilha que seguia por dentro da floresta de pinheiros. Uma abertura, uma estradinha de pedras, e lá no fundo, as luzes de uma casa brilhavam no meio da escuridão. 


Notou que estava ficando sem combustível. Perdera totalmente a noção do tempo, pois a noite parecia-lhe mais longa do que deveria ser. Estava muito sonolenta e cansada, e decidiu parar na casa para pedir ajuda. Quem sabe, obter informações sobre como sair dali, ou usar um telefone para contatar sua família, que deveria estar ansiosa à sua espera, ou quem sabe, até conseguir um pouco mais de gasolina. 

Parou o carro na beira da estrada e seguiu a pé pela trilha, que não era larga o suficiente para comportar um carro. Felizmente, tinha uma lanterna no porta-luvas, e usou-a para caminhar pela trilha com mais segurança. Ao aproximar-se da casa, dirigiu o foco da lanterna para a fachada, e percebeu tratar-se de uma casa de dois andares, muito antiga, protegida por grades de ferro e um portão, que rangeu fantasmagoricamente quando ela o empurrou.

Mal chegara à porta de entrada, e antes que batesse, ela se abriu, e um jovem muito formal (vestia terno preto) apareceu. Ela engoliu em seco:


-Boa noite... meu nome é Joana e eu estou perdida, acho que entrei em uma estrada desconhecida devido à tempestade. Será que eu poderia usar seu telefone?

Ele examinou-a por alguns instantes, antes de responder:

-Sinto muito, mas não tenho um telefone.

Naquele momento, a chuva recomeçou a cair, pesadamente. Ele abriu caminho para ela, convidando:

-Não gostaria de entrar? Ficará ensopada debaixo deste aguaceiro. Posso servir-lhe uma xícara de chá e alguns bolinhos e sanduíches.

Diante da oferta tentadora, pois já não comia há várias horas, Joana aceitou o convite. Ele a conduziu pelo salão silencioso, decorado com móveis que pareciam muito antigos e austeros. Dentro da casa estava aconchegante e tranquilo, embora Joana sentisse um certo ar sinistro, como se ela estivesse sonhando. Percebeu que a mesa já estava posta para dois quando eles se sentaram. Perguntou se ele estava esperando por alguém, e ele apenas deu-lhe um sorriso enigmático, servindo-a do aromático chá. Ela tomou um gole, mas só depois que ele mesmo serviu-se de uma xícara.

- Você mora sozinho aqui nesta casa enorme?

-Sim.



Joana percebeu que conversar com ele seria uma tarefa difícil. Terminaram de comer, em silêncio, ouvindo apenas a chuva que caía pesadamente lá fora. De repente, ele levantou-se, dizendo:

-É tarde. Devo conduzi-la ao seu quarto.

Joana entrou em pânico, mas tentou não demonstrar:

-Obrigada, mas eu já vou indo... – dissera aquilo dirigindo-se para a porta. Ele ficou parado junto à mesa, até que ela abriu a porta e percebeu que chovia tanto, que era impossível até mesmo enxergar alguma coisa. Ficaria ensopada ao chegar ao carro, e não tinha muita gasolina. Também não poderia dirigir em uma noite daquelas. Acabou aceitando a oferta do rapaz, e antes que ele fechasse a porta de seu quarto, que ficava diante do dela, ela perguntou-lhe o nome. Sem virar-se para olhá-la, ele respondeu: 
-Pode chamar-me de Conde.




Após um longo tempo, Joana despertou. Olhou em volta, para o quarto desconhecido, e até que sua memória recolhesse em ordem os últimos acontecimentos, permaneceu deitada. Depois, levantou-se da cama e abrindo as cortinas, percebeu que ainda era noite e ainda chovia pesadamente. Mas tivera a impressão de ter dormido durante horas, pois estava descansada e faminta.

Ao descer as escadas para o salão, encontrou-o sentado à mesa posta para o almoço. Ou seria para o jantar? Ela perguntou, enquanto ele puxava a cadeira para que ela se sentasse:

-Que horas são? Acho que dormi demais...

-Não sei que horas são. As horas não passam por aqui. É sempre noite, e sempre chove forte.




Atônita, Joana encarou-o:


-O que quer dizer? Você é louco, ou coisa assim?

-Não. Mas existe uma coisa da qual você precisa saber: Jamais sairá desta casa. Sinto muitíssimo.

Ela engoliu em seco, levantando-se sem nem ao menos tocar em sua comida.

-Ah, não vou sair? Pois olhe só para isto!

Correndo até a porta, escancarou-a e jogou-se na noite molhada e fria. A chuva encobria a paisagem desconhecida, mas ela conseguiu entrever a trilha que a levara até ali, e seguiu-a em meio à tempestade.


Mas ao chegar na estrada, onde deixara o carro, percebeu, para seu terror, que o mesmo estava velho e enferrujado, como se muito tempo houvesse passado desde a hora em que chegara. Encharcada e apavorada, ela não teve alternativa, senão voltar à casa e pedir explicações. 



Ele a esperava à porta, impassível, e quando ela entrou, fechou-a atrás de si. Conde convidou a moça a sentar-se novamente à mesa, oferecendo-lhe uma toalha branca, com a qual ela secou os cabelos. E ele começou a fazer-lhe seu relato, que ela ouviu, sem interrupções:

-Esqueça-se da vida que teve antes de chegar até aqui, pois todos os que você ama, já estão, há muito tempo, mortos. Foi assim quando cheguei. Percebi que o tempo passa de modo diferente por aqui. Impossível contá-lo. Antes de você, eu tive outra hóspede. Parecia-me que ela tinha chegado apenas um dia depois de mim, mas como é sempre noite, eu não tinha muita certeza... perguntei-lhe em qual ano estávamos, e a data que ela me forneceu me fez ver que já tinham se passado mais de cinqüenta anos desde que eu chegara. 

Ele deu uma pausa, olhando para ela, e Joana perguntou-lhe o que tinha acontecido à outra moça:

- Ela morreu tentando fugir daqui. Como você, abriu a porta e saiu. Quando decidi ir atrás dela, achei apenas seus restos mortais, seus ossos, que reconheci devido aos restos das roupas que usava. Deve ter tropeçado e batido a cabeça em uma pedra no jardim, não sei... sepultei-a junto à árvore, perto da estrada.




-Você nunca tentou fugir daqui?


-Oh, sim... uma única vez. 

Dizendo isso, ele pôs sobre a mesa o braço esquerdo, de onde faltava-lhe a mão. Joana olhou para ele, ainda mais apavorada:

-Fui perseguido por um enorme lobo, que me fez isso... e ainda com meu punho entre os dentes, conduziu-me à força de volta até a casa. Talvez ele tenha matado a outra moça. Talvez só não a tenha matado, Joana, porque você decidiu voltar por si mesma.




Ela levantou-se da mesa, e começou a andar de um lado para o outro da sala, tentando absorver o absurdo daquela história. Lá fora, a chuva e o vento pareciam zombar deles. 


Finalmente, disse:

-Não pretendo passar o resto de minha vida aqui.

Ele rebateu:

-O resto de sua vida já passou. Não compreende?

-E se tudo isso for apenas uma ilusão? Já pensou nisso? E se nós tentássemos, juntos? 

Ele mostrou-se desconfortável. Passou a mão pelo cabelo.

-Você não sabe o que está dizendo. Ele pode estar lá fora, ouvindo tudo o que dizemos e até mesmo o que pensamos. 

-Ora, isso é demais para mim! Não importa, eu vou embora daqui. É preferível a ficar encerrada em uma casa velha com um.. um.. desconhecido.

Ele pareceu ferido, mas não disse nada. Ela segurou-lhe a mão, convidando mais uma vez:

-Venha comigo!

Ambos caminharam até a porta, e ao abri-la, Joana teve a visão mais pavorosa de sua vida: um enorme lobo de olhos vermelhos e luminosos estava sentado à porta, mostrando-lhe todos os imensos dentes. Ela bateu a porta correndo, apenas a tempo de evitar que o lobo saltasse sobre eles.

 
A chuva jamais parou de cair, e o dia jamais amanheceu. Outras almas perdidas chegaram àquela casa com o passar dos anos, mas nem todas sobreviveram. Mas a casa sempre tinha novos cômodos para acomodar novas almas.
                         



6 comentários:

  1. Ana, fiquei com os cabelos em pé! Acho que não vou mais pegar estrada em dia de chuva, muito menos à noite!

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  2. Ahhhh, acabou? Como assim, eu queria mais!
    A trama de horror estava tão boa... Mas eu gostei demais e viajo nestas histórias que escreve, nossa... adoooro!
    Nossa, deu até vontade de continuar tua história... rsrs
    que atrevimento o meu, afff!

    Quero mais, tá?
    bacios

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  3. Ana, voltei pra te dizer que gosto destes teus lapsos de tempo, ricamente introduzidos na trama.

    bacio

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  4. Como é bom ler histórias assim! Sou ligadíssima nelas e vejo todos os filmes de suspense que chegam à locadora. A leitura traz uma grande vantagem, faz com que usemos a imaginação. Bjs.

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  5. Voltei pra re(ler) , acredita? kkkk
    Esse conto é bom demais no quesito terror!

    Fiquei pensando na casa onde só havia noites e chuva lá fora. Afff... Se pelo menos a tal Joana pudesse ganhar asas de uma fada, seria o fim da casa, da noite, do conde e do lobo!
    Mas daí o significado do conto cairia por terra. Mas olha, dá pra pensar nessa continuação (talvez... Sei lá!)

    bj

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  6. ADOOOOREEEEIII.

    EU AMO TERROR, SUSPERNSE, MAS TERROR ME ATRAI, ME CHAMA MTA ANTENÇÃO.

    EU SÓ QUERIA QUE ELA TIVESSE TIDO A NOÇÃO DE ESTAVA MORTA. SERIA MTO BOM, ELA ENCONTRAR O CARRO CAÍDO NO LAGO, E O CORPO DELA TIPO INCHADO DE AFOGAMENTO. MAS MESMO ASSIM EU ADOREI.

    BJS GRANDE E CONTINUE MUUITO ASSIM. ADOROOOOOO.

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