sexta-feira, 29 de março de 2013

A CRIA - PARTE II





A CRIA - PARTE II

A Descoberta

Eu não conseguia olhar aquele bebê nos olhos. Parecia que ele percebia, e os cantos de seus lábios se erguiam levemente em um riso sarcástico, quando eu era obrigada a olhar para ele. Sarah não tocara no assunto; fomos até o hospital, onde o médico os examinou, e disse que estavam bem de saúde; mas pude notar que também ele estava desconcertado com a feiura daquela criança, e acabou pedindo que Sarah o levasse novamente ao hospital para que pedissem mais exames. Eu sabia que havia algo errado com aquele bebê, e o médico de Sarah, Dr. Geraldo, também.

No caminho de volta para casa, Sarah pediu-me que passasse no açougue para comprar mais carne. Dentro do carro, ela me agradeceu novamente pela ajuda que eu estava prestando, e acrescentou:

-Querida, eu sei que você está chocada com a aparência de Saulo.

Tentei negar, mas ela me interrompeu:

-Mas alguns bebês são assim mesmo. Lembro-me de uma amiga que teve um bebê tão feio e mirrado, que causava espanto! Mas depois, eles crescem e ficam bonitos.

Como eu poderia explicar a ela que aquele bebê não se parecia em nada com o lindo bebê que eu vira nascer?

Eu me sentia angustiada. A criança parecia sugar as energias da mãe, toda vez que ela o alimentava. Algumas vezes, eu percebia sangue no bico do seio de Sarah. Ela reclamava, mas queria continuar amamentando a criança. Lourdes ajudou-a com os seios rachados, aplicando um creme especial, que pareceu trazer algum alívio à minha amiga.

Naquela noite, Pedro retornou à casa - antes do esperado. Abri a porta para ele, que me abraçou entusiasmado, e subiu as escadas correndo. Achei melhor deixá-los à sós naquele momento. Sentei-me na varanda, olhando o jardim às escuras, e pensando nos últimos acontecimentos. Tentava achar alguma explicação para todos aqueles estranhos fatos: o feio bebê que parecia diferente daquele cujo nascimento eu testemunhara, meu tornozelo milagrosamente curado, a árvore que, afinal, não caíra, o esquecimento de Sarah em relação à noite do parto. Estava ali, envolvida em meus pensamentos, quando Pedro, lívido e muito pálido, veio sentar-se ao meu lado. Olhou-me. Escondeu o rosto entre as mãos.

-Meus Deus, Vanessa... meu Deus... por favor, conte-me toda a história novamente.

Voltei a contar-lhe a mesma história que já havia relatado pelo telefone. Ele ouviu tudo, sem fazer perguntas.

-Você também percebeu que o menino não é normal?
-Sim, Pedro. Mas acho que Sarah ainda não está pronta para encarar esta verdade.
-Eu sei... ela se nega. Tentei explicar a ela. Dr. Geraldo telefonou-me, e ele tem quase certeza de que o bebê sofre de uma anomalia rara.

Suspirei fundo; queria criar coragem para abordar o assunto que me afligia:

-Pedro... Sarah também não se lembra da presença da mulher que a ajudou no parto. Parece que o episódio apagou-se de sua memória. Lembro-me de que a mulher deu-lhe um chá para beber, um tranquilizante, segundo ela. Eu... eu estava assustada! deveria tê-la impedido... sinto muito!

Comecei a chorar, convulsivamente, e Pedro colocou uma mão em meu ombro, dizendo:

-Não fique assim... você fez o melhor que podia. Não é sua culpa.
-Mas você não entende... eu venho tentando dizer que essa criança que você viu lá em cima, não é o bebê que eu vi nascer.
Pedro levantou-se, em um sobressalto:

-Como? O que você...
-É isso mesmo, Pedro. Esse menino não é seu filho. Acho que aquela mulher estranha trocou o bebê por outro. Eu não a vi sair da casa depois do parto, acabei dormindo pesadamente também... eu... quando acordei e vi o bebê, fiquei apavorada! Me desculpe, mas é a verdade...
-Vanessa, você está tentando me enlouquecer?
-Não!
-O que você está dizendo é muito grave! É um caso de polícia!
-Eu não brincaria com algo assim, Pedro. Sei o que estou falando! Sérgio, o jardineiro, contou-me que seu filho foi salvo de um afogamento por esta mulher, quando tinha quatro anos, e que depois daquele evento, o menino tornou-se feio e fraco. Morreu no ano passado. Nunca mais foi a mesma criança. Converse com ele, e ele lhe contará tudo.

Pedro olhou-me nos olhos, sentando-se novamente, o rosto entre as mãos. Parecia cansado e envelhecido.

-Vou pedir ao médico que faça um teste de DNA nesta criança, Vanessa. Se o que você estiver dizendo for verdade, alguma coisa muito grave aconteceu. Onde estará meu filho? Onde mora esta mulher?
-Tentei falar com Sérgio, mas ele se nega a dar-me o endereço. Diz que devemos deixá-la em paz, pois é inofensiva. "Apenas uma velha só." Mas sei que se você o colocar contra a parede, ele o levará até ela.

Na manhã seguinte, após o café da manhã, eu passeava no jardim quando vi Sarah empurrando o carrinho de bebê ao sol. Fui juntar-me a ela. Sarah parecia imensamente serena e feliz, embora estivesse mais magra, e ainda com  olheiras profundas. Usava um chapéu branco de renda, que dava-lhe um ar de camponesa, e cantarolava para o bebê. Olhei dentro do carrinho, querendo que de alguma forma, a criança verdadeira estivesse ali; mas deparei com os olhos negros e injetados, a pele branca e descamada. A criatura perecia ser fria, sem vida, embora agitasse os braços e emitisse sons de bebê.

E apesar de apenas poucos dias terem passado, Sarah estava ficando cada vez mais magra, e suas olheiras, cada vez mais profundas. Ao mesmo tempo, tornara-se calada, e toda a sua usual vivacidade desaparecera. Sua única preocupação, era o bebê. Ficava junto a ele o tempo todo, como se temesse que alguém pudesse roubá-lo dela. Até quando Pedro se aproximava, ela tentava proteger seu filho - talvez por perceber que o pai não o aceitava.

Naquele mesmo dia, Pedro convenceu Sérgio a levá-lo onde a velha senhora vivia; mas ambos voltaram para casa frustrados, pois apesar de já ter ido à casa daquela mulherzinha algumas vezes, Sérgio não conseguiu encontrá-la; era como se ela tivesse desaparecido! Pedro acabou se convencendo de que os caminhos dentro de uma floresta são tortuosos, e que com certeza, Sérgio tinha se perdido.

No dia seguinte, Pedro levou a esposa e o filho ao hospital para novos exames, segundo recomendações médicas. Fiquei em casa, pois não queria intrometer-me em assuntos de família. Eu pensando se já não seria hora de ir embora, mas Sarah pediu-me que ficasse com ela mais alguns dias. Ela continuava se alimentado de carne praticamente crua, e de outros alimentos em grandes quantidades, mas mesmo assim, ficava cada vez mais magra.

Mais uma vez, saí para uma caminhada pelas redondezas. Estava uma linda manhã. Foi quando avistei, ao longe, a mulherzinha. Sem que ela me visse, segui-a à distância, e consegui achar a sua casa. Ficava numa clareira, bem próxima à estrada, e eu não entendia como Sérgio não tinha conseguido achá-la... talvez estivesse tentando proteger a velha mulher. Fique escondida atrás de um grosso tronco de árvore, observando tudo. Percebi que na varanda havia plantas penduradas a secar - talvez para chás ou outras 'poções' que ela preparava - e também esqueletos de pequenos animais cuidadosamente montados sobre a cerca. Algum talismã? Vi quando ela abriu a porta da casinha, e colocou um gato para fora. Olhou em volta, como se estivesse farejando o ar, e temi que ela me descobrisse ali. Mas finalmente, ela entrou.

Aproximei-me devagar, e com cuidado, encaminhei-me para a lateral da casa e espiei pela janela.

Lá dentro, era tudo muito sujo e rústico. O chão parecia não ser varrido há muito tempo, cheio de folhas secas e pedaços de gravetos. Havia pouca mobília, e a que havia, estava embaçada de poeira. Olhei para todos os cantos; contornei a casa, indo parar do outro lado. Olhei novamente, e para meu espanto, avistei um berço rústico. De costas para a janela, a mulher o embalava, e parecia estar brincando com o bebê que ali estava. Foi quando ouvi o choro do bebê. Ela inclinou-se e o pegou no colo, e quando ela o ergueu, vi que aquele era o bebê que nascera de Sarah!


2 comentários:

  1. Lindo o teu jeito de escrever.
    Que nesta Páscoa possas te alimentar
    de muita vida, através da vida do
    ressuscitado.
    E muito obrigada pelo teu constante carinho.

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  2. MEU DEUS QUE DOIDA.
    ACHEI QUE ELA TIVESSE TRANSFORMADO O BEBÊ EM MONSTRINHO, COMO O FILHO DO JARDINEIRO, MAS NÃO TROCADO. É UMA BRUXA? AII QUE DESESPEREO, SE ISTO FOSSE UM LIVRO EU JA TINHA ENGOLIDO ANA.

    BJS E TO CORRENDO PARA O III.

    FUI..... VUEI...

    PATTY.

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