quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Confissões de Uma Idosa Cínica - Parte II




"Dona Abigail!!!" Acordei com alguém tocando a campainha na manhã de domingo, ao mesmo tempo que vociferava meu nome à porta. Calcei meus chinelos de pompom e fui atender, ainda descabelada, e muito curiosa a respeito de quem seria capaz de acordar uma velha senhora em uma manhã fria e chuvosa como aquela. Será que a casa estava pegando fogo?

Abri a gretinha da porta, e o vento gelado entrou, congelando-me as pupilas; mas ainda tive tempo de ver meu vizinho da porta ao lado, um linguarudo contumaz, acompanhado por um outro senhor de quepe usando um uniforme... da polícia! Escancarei a porta sem dizer nada, mas expressando toda a minha insatisfação através do meu olhar. O vizinho sorriu, meio-sem graça, enquanto o  policial perguntava:

-Bom dia, senhora. Está tudo bem? Precisa de alguma coisa?

Respondi:

-Estou ótima, ou melhor, estava, antes de ser incomodada. O que está acontecendo aqui?

Naquele momento, meu vizinho explicou-me, com aquela voz condescendente que se usa com os retardados mentais:

-É que eu não a via há quase dois dias, Dona Abigail, e então eu supus que alguma coisa terrível pudesse ter acontecido... decidi verificar se a senhora estava bem!

Olhei-o como se ele fosse o ET de Varginha:

-Bem,  com um frio desses, o que eu vou fazer aí fora? Para que abrirei as janelas? E por que chamou a polícia antes de verificar por si mesmo?

-Ora, sabe como é, dona Abigail... da última vez, a senhora espantou-me com a vassoura!

-E passou pela sua cabeça lesada usar o telefone, ou ligar para um de meus filhos?

Ele deu um sorriso amarelo:

-Na verdade... não.

Naquele momento, o policial fuzilou-o com o olhar,  dizendo-me que se eu precisasse de qualquer coisa, telefonasse para o número que estava no cartão que ele me entregou. Gostei dele! Enquanto isso, bati a porta na cara do infeliz vizinho bisbilhoteiro. Eu sei muito bem que ele aguarda meu passamento ansiosamente, pois há anos ele anda querendo comprar a minha casa, pois tem interesse em ampliar seu jardim. Fez várias propostas ao meu falecido marido, mas como metade da casa me pertencia, não permiti tal absurdo. Também abordou meus filhos no dia do velório. Bem que eles tentaram me convencer a vender e mudar-me para "Um lugar maravilhoso" que eles conheciam, mas deixei bem claro que eles só colocariam a mão na herança após a minha morte.

As pessoas se esquecem de um pequeno e importante detalhe: elas também vão ficar velhas! E ainda há  um outro detalhe, do qual elas se esquecem mais ainda: nem todo velho é idiota.



4 comentários:

  1. ela é bem antenada , está muito certa . muito bom Ana. mais uma vez arrasou. lindo dia te seja . bjim olguinha

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  2. Oi Ana amiga
    Sempre gosto dos seus textos, deve ser gostoso ter esse dom de " brincar " com as palavras e esse especial, foi muito legal ler

    Abraços,
    Trocyn Bão - Thiago

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  3. Boa tarde Ana.. casos assim a gente ve largamente.. e uma grande verdade.. gente a bisbilhotar.. a futricar na vida do outro.. tem de montão.. gostei da lembrança do Et de Varginha.. deu uma bela encrenca aquela vez e nunca foi bem explicado.. abração e um lindo dia a vc

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  4. A brincar com as palavras se escrevem textos maravilhosos de ler como este aqui "oferecido". Gostei. Deixo o meu elogio. Voltarei
    Cuymprimentos poéticos

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