segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Confissões de Uma Idosa Cínica - Parte VII




Nunca pretendi viver tanto... se cheguei até aqui, foi por obra do destino. Também não tenho aquele medo de morrer que a maioria das pessoas tem - principalmente, alguns idosos, que transformam a ideia da morte em fobia. Tampouco tenho aquela pena de deixar este mundo, da qual falou o comediante Chico Anísio. Na  minha hora de ir, fecharei os olhos e irei, simplesmente. Não levo culpas, arrependimentos, ansiedades ou saudades. Sei muito bem que os que ficam tem muito o que viver, e por isso, logo serei esquecida.

O que há do outro lado? Outra questão que também não me preocupa muito... sabem, já passei por algumas experiências um tanto esquisitas e incomuns... já vi e ouvi certas coisas que não se deve partilhar, principalmente, quando se chega à minha idade, ou as pessoas dirão que você está vendo coisas... elas me bastam. Sei que existe alguma coisa depois disso aqui, embora eu não saiba o que é, e nem esteja preocupada em saber. E se as coisas que eu experimentei tiverem sido apenas alucinações, então, também é um motivo para não me preocupar de jeito nenhum, pois se nada houver, nada sentirei, nada verei, nada serei.

Existe uma ansiedade tão grande, uma urgência em se prolongar a vida, em se parecer mais jovem hoje em dia. Fico pensando: para quê? Os idosos não são respeitados! melhor seria se as pessoas se preocupassem em tornar a vida melhor para nós, enquanto estivermos aqui, ao invés de ficarem tentando prolongá-la! Viver mais para que? Qual a vantagem? Os jovens nos ignoram, nos desprezam, riem da nossa experiência, não nos querem por perto! Nos aposentamos ganhando misérias! O plano de saúde dos idosos custa uma fortuna, e quem fica dependendo da saúde pública sofre todo tipo de desrespeito e humilhação. Viver mais, nestas condições?

As pessoas olham para fora dentro do ônibus ou fingem que estão dormindo para não terem que ceder lugar para nós; motoristas passam direto no ponto quando vê que só há um idoso fazendo sinal. Os mais jovens ignoram nossas opiniões e querem que a gente dê o fora quando estão conversando e tomando decisões importantes - algumas delas, relativas às nossas vidas! Viver mais para quê?! Em um mundo onde ser velho é ser desrespeitado, esquecido, ridicularizado!?

Não me agarro a esta vida; não mesmo! Mas enquanto eu estiver aqui, farei questão de não viver da maneira como 'eles' querem que eu viva; serei dona do meu nariz! Farei as coisas que eu gosto. Me recuso a agir como a maioria das pessoas da minha idade, ou seja, tentando não incomodar, não falar demais, contentando-me em ficar no quartinho dos fundos e em sorrir, satisfeita, toda vez que alguém olhar para mim e disser "Que gracinha a sua vovó!" Eu não sou uma gracinha, sou uma pessoa adulta, sã e capaz! Exijo respeito.

Também já não vou mais à igreja há muito tempo, pois sinto que os religiosos nos consideram estúpidos e incapazes de raciocinar. Acho um absurdo, as coisas que ouço quando vou à igreja! Eles pegam a Bíblia e a detonam de todas as formas, distorcendo as passagens para que caibam em suas concepções preconceituosas e absurdas. Várias vezes, sinto que aqueles padres nem sabem o que estão dizendo, apenas repetem automaticamente aquilo que escutaram ou leram em algum lugar. Nem sinto que eles mesmos acreditam no que estão dizendo. As missas são repetitivas; há mais de dois mil anos, as mesmas coisas são ditas, nada muda, nada evolui. Pra mim, chega. Como diz minha neta, "Já deu!" Na última vez que estive em uma missa, vi um cartaz enorme na entrada, com a lista dos dizimistas, e os nomes e sobrenomes dos que haviam pago o dízimo, ao lado dos nomes dos devedores! Achei aquilo absurdo e humilhante. Também tive que aturar o padre falando mal de outras religiões durante (contei no relógio) dezessete minutos! Já vivi demais para ter que engolir aquelas baboseiras. Não vou mais à igreja. Nem faço questão que rezem missas pela  minha alma quando eu me for. Quem gostar de mim, que faça uma oração silenciosa.

A evolução total do mundo não será quando o homem conseguir viver cento e cinquenta anos, mas quando conseguir viver cinquenta anos bem vividos, de forma a não prejudicar seu semelhante, respeitando os direitos alheios, considerando os idosos e sua sabedoria, tratando bem dos animais e do planeta. Isso sim.



2 comentários:

  1. Boa tarde Ana. bem isso né.. chega-se a esta idade e não se tem mais medos pq a vida já foi quase que totalmente realizada..metas cumpridas.. a morte é o passamento final que a pessoas mais almeja depois de certa idade.. vejo tb que muitos limitados por crenças e suas religioes sofrem muito na hora da partida.. melhor deixar tudo de lado e viver os momentos até que ela chegue.. bjs e um lindo dia

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  2. Ana, a história é ótima e a idosa não me pareceu cínica, mas lúcida. Seu blog, em suas histórias e ilustrações, é perfeito! Uma ótima semana!

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