segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Minhas Tias - Parte IX








Fui buscar minha prima Luiza no aeroporto, com tia Olga e meu pai. Fiquei feliz ao saber que papai estava mostrando-se bem mais receptivo à presença de Tia Olga em nossas vidas. Eu agora faria questão de participar daquela família de verdade, pela primeira vez, e não via a hora em que teria a permissão de tia Rosana para comunicar a todos que nós estávamos nos vendo.

Eu e Luiza nos damos bem logo no início, e levei-a a passear por todos os lugares bonitos e interessantes que eu conhecia em minha cidade, o que levou apenas dois dias, pois minha cidade não era muito grande e não tinha muitas atrações turísticas, a não ser por alguns museus. 

Luiza era uma adolescente inquieta, simpática e com a exuberância polida da mãe na maneira de falar e colocar suas opiniões. Falava bem o português, mas com um forte sotaque francês, pois não vinha muito ao Brasil. Era alta, muito magra, tinha cabelos castanhos e escuros cortados à altura do ombro, com sofisticada franja Chanel que emoldurava seu rosto de boneca e seus belos olhos castanho-esverdeados (que, segundo ela mesma, puxara do pai). Meu tio não pode acompanhá-la, pois estava muitíssimo ocupado, mas mandou dizer-me que seria um prazer receber-me na casa da família em Paris a qualquer momento. Meses mais tarde, quando tudo passou, tive o prazer de conhecê-lo e constatar que era um homem muito gentil, educadíssimo e sofisticado.

Tive que faltar às muitas das visitas à tia Rosana naqueles dias, mas ela foi compreensiva. Disse que eu aproveitasse bem a presença da minha prima, e não me preocupasse. Perguntei pelo retrato que ela estava pintando, e ela disse que assim que tudo ficasse mais calmo, ela me deixaria vê-lo. 

Nana tratava muito bem à minha tia e prima, mas eu sabia que ela resignadamente recolhia-se ao que ela mesma chamava de ‘seu papel’ naquela casa quando as visitas estavam presentes, e nunca aceitava os convites insistentes de papai para que se sentasse conosco à mesa, como sempre fazia. “Sei meu lugar,” ela repetia, “E não quero parecer uma intrusa aonde eu sei que minha presença não é adequada. Não passo de uma empregada.” Papai não entendia o seu tom magoado, já que Nana sempre fizera parte daquela família, e exasperava-se com ela. Certa vez, ao comentar o quanto achava estranha a atitude dela, eu soltei:

-Não percebe que Nana está enciumada? 

Meu pai pigarreou, corando:

-Não diga tolices, Alana!

-Não é nenhuma tolice, pai. Abra os olhos! Nana sempre foi apaixonada por você. Desde sempre!

Ele riu:

-De onde você tirou isso?

-Ela mesma me confessou, há alguns dias. 

Vi, no rosto dele, a surpresa; meu pai corou novamente:

-Ora... se isso é verdade, como foi que eu nunca percebi?

-Você sempre teve olhos apenas para minha mãe. Nunca percebeu os olhares das outras mulheres para você, pai? Impossível!...

-Bem, sim, mas elas não me interessavam!

-Ah, não interessavam, o que quer dizer que a partir de agora...

El deu uma gargalhada:

-Não, não vá tirando conclusões precipitadas, filha. Ainda é cedo....

-Não, pai, não é! Você tem idade suficiente para não desperdiçar nenhum minuto de sua vida.

-Está me chamando de velho?!

Rimos, e eu me corrigi:

-Não, apenas acho que apesar do amor que unia você e minha mãe, ela se foi, e agora você está livre. E com todo respeito, pai, não os estou julgando, mas todo mundo via que o amor de vocês era doentio, estranho... minha mãe tinha muitos problemas...era uma pessoa muito doente.

Uma sombra tomou conta do seu rosto, e ele ficou muito sério, olhando as próprias mãos que descansavam cruzadas sobre a mesa do escritório:

-Alana, eu gostaria que jamais voltasse a falar de sua mãe desse jeito... vamos deixar com que sua memória descanse em paz, como ela merece.

-Desculpe, pai... é que...

-E pare de ficar tentando arranjar-me relacionamentos. Se isto acontecer, a decisão e a escolha serão minhas.

Ele foi categórico, e só restou-me assentir com a cabeça, engolindo em seco.

A cozinha da casa de tia Olga era um mundo à parte! Havia de tudo o que alguém poderia pensar, tecnologicamente falando, mas eu percebia que ela preferia usar os instrumentos mais tradicionais; moía os temperos e carnes usando um velho moedor manual, ao invés dos modernos processadores automáticos, e justificava-se dizendo que a boa comida precisava do contato artesanal do cozinheiro, pois só assim ele conseguiria colocar nela o sabor de sua alma.

-Mas então por que você tem todos estes acessórios?

-São presentes de fornecedores e clientes amigos. Eu os recebo, agradeço e aposento-os nas caixas. Célia é quem os espalha por aí, e os usa quando deseja. 

Célia era sua ajudante e governanta no Brasil, e tomava conta da casa em seus longos períodos de ausência. Era uma senhora aparentando sessenta e poucos anos, calada, simpática e discreta, com quem tive pouco contato, pois ela não aparecia muito quando havia visitas na casa. 

Tia Olga mexia em seus acessórios, separando o que seria necessário para seu próximo prato (eu e meu pai tínhamos sido seus convidados várias vezes desde que eu a conhecera, e realmente, comer o que ela preparava era um privilégio). Naquela noite, ela me disse que me ensinaria a preparar um prato especial; camarão com aspargos à moda italiana.

Eu prestava atenção enquanto ela separava os ingredientes: aspargos, camarões graúdos, azeite, mostarda, suco de limão, alcaparras, tomates cereja, sal e pimenta. Ela manuseava tudo com maestria, e eu seguia seus movimentos, hipnotizada. 

Quando pudemos, finalmente, nos sentar para saborear aquela delícia, meu pai, que trouxera um vinho maravilhoso, e Luiza, que chegara mais tarde pois era avessa à cozinha, nos acompanharam. Todos adoramos o prato!

Após o jantar, ainda sob o efeito do vinho, eu me sentia feliz, tranquila e leve, como há muito tempo não me sentia. Descobri que adorava minha tia Olga e minha prima Luiza. Ela perguntou-me:

-Prestou atenção à preparação do prato, Alana?

-Sim, tia, lembro-me bem dos ingredientes... mas não estou certa quanto às quantidades.

-Isto é algo que cada um deve descobrir por si, e é assim que damos personalidade aos pratos que preparamos. Um chef jamais é igual ao outro, mesmo quando preparam o mesmo prato! Você precisa ir descobrindo, testando as quantidades, e acima de tudo, deve acrescentar um ingrediente extra que fará parte do prato – o seu camarão com aspargos! O “Camarão à Alana!”

Todos rimos, mas eu levei tudo muito à sério. Ela acrescentou:

-E não se esqueça nunca de colocar toda a sua alma e atenção ao prato que estiver preparando. Não o faça com pressa, ou quando estiver de mau humor ou triste, pois estas coisas passam para o sabor da comida. Deixe lá fora qualquer aborrecimento, e assim, garantirá o sucesso do seu prato. Lembre-se que precisará, dentro em breve, saber preparar o Camarão à Alana muito bem!

Entendi imediatamente o que ela quis dizer; dissera, quando nos conhecemos, que o homem que viria a ser meu marido pediria aquele mesmo prato em um restaurante, e que através disto, eu ficaria sabendo quem ele é.

Meu pai, limpando a boca com o guardanapo branquíssimo de minha tia, finalizou:

-E amanhã mesmo você pode começar a praticar lá em casa.

Enquanto comíamos a sobremesa – um maravilhoso sorbet de cerejas – tia Olga anunciou que precisaria viajar dentro de dois dias, pois tinha que visitar seus restaurantes. Protestei:

-Mas você disse que ainda ficaria por um ou dois meses!

-É verdade, mas houve um imprevisto. Estamos construindo um novo restaurante no México, e minha presença é necessária para os retoques finais e a inauguração. Houve alguns imprevistos – na verdade, muitos -, e minhas férias terminarão mais cedo, como quase sempre acontece... 

Luiza sorriu tristemente:

-Eu vou voltar para Paris também, Alana. Ainda estou em período de aulas, só vim mesmo para conhecê-los.

Senti meu coração murchar, mas as duas me convenceram a passar alguns dias com elas em Paris, dentro de alguns poucos meses. Minha tia me disse que eu precisaria daquelas férias, e quando o fez, acho que só eu notei a seriedade de sua expressão.

Encerramos a noite às duas da manhã, muito alegres e levemente sonolentos.



(continua...)








Um comentário:

  1. Boa tarde Ana.. espero um dia poder dar ao que faço e a obra que pretendo acabar o ritmo das tuas conversações muito bem definidas no decorrer dos capítulos..
    exige tempo e imaginação.. parabens.. abração

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