sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

A Flor Jamais Colhida - Parte II




O tempo passou. Gabriel continuou escravo daquele amor platônico por Hilda, a namorada de Nuno, seu amigo de infância. Ele tentava fingir que não havia nada, mas só fingia para os outros. Quando a noite chegava e ele estava sozinho em seu quarto, pegava-se pensando nela. A convivência entre eles era quase diária, já que Nuno era seu melhor amigo e os três faziam parte do mesmo grupo de pessoas que saía nos finais de semana e iam a clubes e restaurantes. Gabriel até pensava em deixar de frequentar o grupo, mas eles eram seus amigos há tanto tempo que não conseguia imaginar a vida sem eles. 

Ou sem ela.

Até que um dia, Nuno tocou a campainha. Era manhã de domingo. Não tinha saído com o grupo no último sábado, pois viajara à praia com Hilda. 

Gabriel notou que o amigo parecia ansioso. Ao cumprimentá-lo, percebeu um brilho diferente em seu olhar. Enquanto preparava um café e colocava a mesa, ficou sabendo que Nuno e Hilda estavam noivos:

-Eu pedi a mão da Hilda em casamento.

Aquela frase bateu com força uma porta entreaberta no coração de Gabriel. Foi uma batida seca e dolorida. O jardim onde estava sua flor jamais colhida fora trancado para sempre. Gabriel engoliu em seco, tentando manter o controle de suas emoções para que Nuno nada percebesse. Virou-se de costas para ele e fingiu estar procurando algo no armário da cozinha. Ainda perguntou, controlando o tom de voz para algo que soasse natural:

-E ela aceitou?

Ainda guardava um restinho de esperança, que murchou imediatamente quando Nuno respondeu:

-É claro que sim! Nós nos casamos daqui a dois meses. Já combinamos tudo, e na segunda-feira daremos entrada na papelada.

Ao ouvir aquilo, Gabriel fez nascer à fórceps um sorriso no rosto e virou-se para o amigo, abraçou-o e deu-lhe os parabéns.

No dia do casamento, ninguém na igreja chorava mais do que ele. Era um choro silencioso e profuso, e todos ficaram comovidos ao vê-lo no altar (era padrinho do noivo) chorando tanto pela felicidade dos amigos - sem saberem que o choro era de dor. Estava feliz por Nuno. Estava feliz por Hilda. Só não estava feliz por si mesmo. Ainda sorria entre as lágrimas. Só conseguiu parar de chorar quando entrou no banheiro masculino e trancou a porta, e engoliu um Valium que deixou-o meio-amortecido pelo resto da noite. Depois, bebeu e dançou com todas as meninas da festa. 

Dias após o casamento, ele aceitou uma oferta de emprego do outro lado do país. Despediu-se dos amigos durante uma festa, feita especialmente para ele. Abraçou Nuno e Hilda, sentindo seu perfume de rosas pela última vez. Depois, enquanto os amigos conversavam e riam, pediu licença e foi sentar-se sozinho na varanda do bar, alegando que precisava de um pouco de ar fresco.

Minutos depois, Hilda foi juntar-se a ele. Geralmente, os dois não ficavam sozinhos, ainda mais em lugares semi-escurecidos como aquele. Ela sentou-se ao lado dele, segurando-lhe a mão. Ele olhou para ela, mas não conseguiu vislumbrar o seu olhar na escuridão. Então, ele olhou para a frente - para a lua em formato de sorriso que estava pendurada no céu - e deixou-se ficar dentro  daquele momento, fingindo que Hilda era dele. Ela comentou:

-Você não me parece feliz, Gabriel. Está tudo bem?

Ele sentiu-a apertar-lhe a mão.

-Na verdade, não...

Naquele momento, ele pensou em contar tudo a ela. Pensou em deixar que aquele sentimento que vinha sufocando-o há tanto tempo finalmente vazasse pelos seus olhos, através da sua boca e pelos seus poros, aliviando-lhe o peso no coração, que sacudia seu peito feito uma locomotiva em alta velocidade. Mas lembrou-se das palavras da mãe. Hilda continuou:

-Pode me contar tudo... Nuno pediu-me que viesse falar com você, pois ele está preocupado também, e achou que você desabafaria melhor comigo. Sou melhor ouvinte do que ele.

-É que a minha vida está tão estranha, Hilda... tão vazia... você já desejou ardentemente uma coisa que não podia ter?

As palavras simplesmente saíram; fugiram ao seu controle, e ele arrependeu-se um segundo após dizê-las. Sentiu que a mão dela deslizava para longe da dele com delicadeza, indo pousar entre os joelhos, como quem dissesse: "Não gostaria de ouvir o que você tem a me dizer." Pelo menos, foi assim que ele interpretou o gesto dela. Um fiapo longo de nuvem encobriu a lua.

Hilda respirou profundamente, tentando encontrar uma maneira de sair daquela situação tão delicada. Achou melhor contar a ele a verdade:

-Sei. E como sei! Porque eu me sinto da mesma forma.

Ele olhou para ela, e naquele momento, a lua reapareceu. Ela olhava para ele. Ficaram assim durante alguns segundos. Gabriel pensou em perguntar-lhe: "Então por que casou-se com Nuno?" Mas ele não tinha certeza se o que ela sentia era em relação a ele, e então calou-se; mas ela pereceu ter-lhe ouvido os pensamentos:

-Sabe por que me casei com Nuno?

-Vocês se amam, naturalmente...

Ela o interrompeu:

-Sim, ele me ama muito, desesperadamente. Eu o amo também, mas não da mesma forma. Aceitei a proposta dele porque... porque eu ...

As palavras pareciam atravessadas na garganta dela. Ela respirou fundo e soltou a frase junto com o ar:

-Estou grávida! Eu vou contar para ele hoje.

Gabriel sentiu que um muro de pedra havia desmoronado sobre a cabeça dele. Ela chorava. Ele viu o brilho da lágrima descer pelo rosto dela. Queria dizer que nada daquilo importava para ele, que ele assumiria a criança como se fosse dele. Queria tantas coisas, e queria que ela fosse embora com ele. Mas pode apenas perguntar:

-Você me ama, Hilda?

Ele sentiu a surpresa no silêncio dela. Ela murmurou:

-Amo. Mas é tarde demais. Não poderíamos fazer isso com o Nuno. Ele é seu melhor amigo, e é uma pessoa maravilhosa. 

Ele concordou com a cabeça, tristemente. Ela beijou-o no rosto. Ele fechou os olhos para receber o beijo dela. Ela demorou-se com os lábios sobre o rosto dele por mais tempo do que demoraria uma simples amiga. Depois, ela levantou-se e voltou para o grupo. 

Ele ficou ali mais algum tempo, e depois seguiu-a. Quando chegou lá, eles se entreolharam. 

Gabriel partiu na manhã seguinte.

(continua...)




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