segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

O ÚLTIMO FINAL DE SEMANA - PARTE VII




O Último Final de Semana – parte VII


Noite de Sexta-feira. Valéria foi a primeira pessoa a chegar na casa de praia. Entrar novamente naquela casa onde fora tão feliz, fez com que sentisse muitas saudades dos pais, e infelizmente, pensou, de Rodrigo. Ela o odiava mais que tudo na vida, e também o amava mais que tudo na vida. Ela acendeu as luzes e olhou em volta; notou que a casa tinha sido muito bem limpa, embora as paredes estivessem descascando aqui e ali, e o tecido do sofá, antes tão bonito, mostrasse uma cor desbotada. A casa era bela, mas decadente. Mas onde estaria Rodrigo? Esperaria por ele na sala de TV. 

Fernando e Carol chegaram praticamente juntos, alguns minutos depois, os dois ficaram muito surpresos em se encontrarem ali novamente, e após tantos anos. Fernando notou que Carol continuava linda, e que ainda estava apaixonado por ela. Eles conversaram na praia durante algum tempo, e quando avistaram as luzes na casa, concluíram que Rodrigo já deveria estar ali, e foram bater à porta. Valéria teve um sobressalto; seria Rodrigo chegando? Mas por que ele bateria à porta? Olhou pela vidraça, e viu os dois jovens parados. Não os conhecia. Hesitou, mas concluiu que pareciam inofensivos, e abriu-lhes a porta. Fernando e Carol se entreolharam, pois não conheciam a bela mulher que atendera à porta, perguntando o que desejavam. Foi Fernando quem falou:

“Estamos aqui a convite de Rodrigo. Ele nos escreveu pedindo que viéssemos aqui. Você é quem?”
Valéria mandou-os entrar. Viu que estavam tão confusos quanto ela.

“Meu nome é Valéria, sou filha de Cleide, a mulher que adotou Rodrigo após o acidente que matou seus pais.” E ela mandou que se sentassem, servindo-lhes um drink. Os três conversaram durante algum tempo, falando sobre como tinham chegado até ali, até que a campainha tocou novamente; era Gina. Valéria mandou que entrasse, e quando Gina e Carol se viram diante uma da outra, elas se olharam em silêncio, a hostilidade vibrando no ar entre elas. Mas cumprimentaram-se educadamente, e Valéria acomodou Gina no assento próximo ao de Carol – não sabendo da rivalidade que havia entre elas. A sala estava constrangedoramente silenciosa. O som abafado da TV, ligada na sala ao lado, era a única coisa que cortava o silêncio. Os três jovens se entreolhavam e baixavam os olhos quando percebiam que seus olhares eram correspondidos, dando sorrisos sem graça. 
Carol pensava que o que acontecera entre ela e Rodrigo tinha sido há muito tempo, e que não fazia mais sentido guardar tantos ressentimentos contra Gina, pois ambas tinham sido apenas vítimas dele. Valéria indagava-se sobre quem seriam, realmente aquelas duas mulheres, e que importância tiveram na vida de Rodrigo. Acabou concluindo que deveriam ter tudo a mesma importância que ela, ou seja: nenhuma! Sendo assim, achou que poderia ser mais gentil e aberta, e perguntou:

“Bem, então vocês eram colegas de faculdade de Rodrigo? Nunca tinha ouvido falar em vocês... mas também, quando Rodrigo foi para a faculdade, perdemos contato.”

O som forçosamente amigável da voz dela fez com que as duas outras mulheres compreendessem que ela e Rodrigo tinham sido amantes. Mas que também já não tinha mais tanta importância. Fernando 
olhou o relógio, impaciente:

“Quase dez horas da noite. Ele está demorando. Será que aprontou mais uma das suas?”

As mulheres olharam para ele. Valéria respondeu:

“Rodrigo é mesmo assim, imprevisível. E não confiável. Espero que eu não tenha perdido meu tempo.” 

Gina falou:

“Nem sei porque vim, eu não deveria estar aqui depois de tudo... acho que eu vou embora...”

Mas Carol interrompeu-a:

“Não, fique, Gina. Já que estamos aqui, por que não esperar um pouco mais? A estrada é perigosa á noite.”

“Eu vim de ônibus, posso ficar em um hotel e ir embora amanhã.”

“Não, olhe, eu te dou uma carona de volta.”

O tom jovial de Carol fez Gina lembrar-se do quanto tinham sido boas amigas no passado, e ela sorriu, desarmando-se. Fernando percebeu, e respirou aliviado.  A tensão pareceu aliviar-se um pouco, enquanto Valéria serviu-lhes novos drinks e foi até a cozinha preparar algo para todos comerem. Havia macarrão no armário, molho de carne, um pedaço de queijo na geladeira, pão... e vinho tinto; faria uma macarronada. 

Ela trabalhou rapidamente, pensando na mensagem que recebera, a qual dizia que Rodrigo estava muito doente... seria verdade? Ela não acreditava! Também achava que não deveria ter ido, mas estava ali. E aquelas duas mulheres não poderiam ser consideradas suas rivais, pois Rodrigo as conhecera depois que se separaram. Mas estava claro, pela tensão entre as duas, que algo muito ruim havia acontecido entre eles. Mas ela lembrou-se que coisas ruins sempre aconteciam quando Rodrigo estava presente.

A campainha tocou novamente; era Ronaldo, que apresentou-se como amigo de Rodrigo. Como Valéria, ele não conhecia ninguém naquela sala, mas sentiu-se bem acolhido por todos, que estavam jantando, e após as apresentações, logo convidaram-no para juntar-se a eles. A macarronada de Valéria estava deliciosa, e todos tomaram muito vinho. 

De repente, os três amigos começaram a falar das muitas vezes em que tinham visitado aquela casa. Contaram histórias engraçadas que tinham vivido ali, na companhia de Rodrigo, e os ressentimentos que guardavam contra ele pareciam ter dado uma trégua ao se lembrarem do quanto já tinham se divertido juntos antes de... 

Valéria e Ronaldo escutavam as histórias em silêncio, rindo de vez em quando. Valéria ficou conhecendo um lado da vida de Rodrigo que ela nem sequer imaginava que tinha existido, e Ronaldo também. Foi quando Fernando, olhando para eles, perguntou:

“E vocês? Como conheceram Rodrigo?”

Valéria hesitou antes de responder:

“Como eu já disse, ele foi adotado pela minha mãe, que era prima da mãe dele. Eu o conheci quando ele tinha treze anos, e eu, quinze. Nós crescemos juntos...”

Lágrimas vieram aos olhos de Valéria, e todos compreenderam que ela já tinha sido apaixonada por Rodrigo – ou ainda era! Ronaldo perguntou:

“Você e ele foram namorados?”

Ela assentiu. Gina e Carol confessaram que elas também, e todos ficaram boquiabertos quando Ronaldo disse que ele e Rodrigo tinham tido um caso. Mas ele logo arrematou a história, dizendo que estava bem agora e que já esquecera tudo.”

“Eu nem ia vir, mas na última hora, eu me vi entrando no carro e dirigindo para cá.”

E todos disseram, ao mesmo tempo:

“Eu também!”

Após rirem da coincidência, perceberam que Rodrigo ainda exercia grande poder sobre eles. Apesar da situação tensa, eles descobriram que gostavam uns dos outros. Logo, Valéria abriu outra garrafa de vinho (a terceira). Por algumas horas, esqueceram-se de porquê estavam ali, e conversaram animadamente. Andando pela casa, Fernando achou a velha vitrola de discos de vinil, e colocou uma velha música para tocar. Todo mundo que estava presente tinha uma história com Rodrigo e aquela música, pois ele a adorava! Logo, lembraram-se de tudo que Rodrigo havia feito com suas vidas, e o ressentimento voltou a surgir e ocupar aquele espaço cheio da presença dele. Carol desligou o aparelho de som. Novamente, o som das TV chegou até eles. Aquela casa era tão familiar para todos eles... como puderam não perceber quem Rodrigo era realmente?

E quem era ele?

A noite avançava rapidamente. Logo, todos estavam sentados no sofá, sonolentos. Valéria disse que poderiam passar a noite na casa, e eles concordaram. 
Ronaldo estava pensativo, olhando o mar, quando Gina o abordou:

“Eu não sabia que Rodrigo era... gay.”

“E eu acho que ele nunca foi. Só se aproximou de mim porque queria meu dinheiro. E eu caí feito um idiota... mas no fundo, foi bom, pois antes dele, eu estava para casar-me com uma mulher que eu não amava só porque ainda não sabia que eu era gay.”

“A vida é estranha...”

“É. E qual a sua história com ele?”

“Muito feia. Eu pensava que ele me amava, mas após levar todas as minhas economias, descobri que ele estava tendo um caso com minha melhor amiga. A Gina, que está sentada ali.” 

Gina ergueu o braço, mostrando-se. Começou a contar sua própria história:

“O bastardo me engravidou e depois em fez fazer um aborto, dizendo que o médico só faria um exame. Perdi o bebê e não posso mais ser mãe por causa dele.”

Todos mostraram-se chocados, e Carol também, dizendo não saber que aquilo tinha acontecido com ela:

“Ah, eu não tinha ideia disso, Gina! Nossa... sinto muito!”

Mas Gina sorriu tristemente, encolhendo os ombros. Apontou para Fernando:

“E o Fernando, que sempre foi apaixonado por você, Carol, perdeu-a para ele.”

Fernando ficou muito vermelho, pigarreando:

“Isso é coisa do passado. Mas ele foi tão cretino comigo quanto foi com vocês, podem acreditar. E quanto a você, Valéria?”

Ela encolheu os ombros, tomando mais um gole de vinho antes de falar:

“Simplesmente, seduziu a minha mãe e todas as amigas dela. Isso, aos treze anos de idade! Depois, me seduziu. Ele era simplesmente fascinante, e usando de seu fascínio e de chantagem, deixou-nos na rua da amargura. Minha mãe teve que deixar esta casa e um apartamento para ele, e também pagou caro pelo seu erro, pois doou quase todo o nosso dinheiro para que ele se calasse e não a acusasse de pedofilia.”

Dizendo aquilo, ela começou a dar gargalhadas. Todos estavam chocados, pois perceberam que ela estava histérica e bêbada, e que a história delas era a mais feia de todas. Fernando abraçou-a, enquanto Valéria tremeu nos braços dele. Finalmente, ela se acalmou. Após um longo silêncio, Carol ergue a voz, tentando soar animada:

“Hey! Já que estamos aqui, por que não aproveitamos e nos divertimos um pouco? Vamos dançar!” 

Todos olharam para ela, meio-bêbados e confusos, mas ninguém respondeu. Ela correu até o aparelho de som, escolhendo uma música bem alegre, e dançando, puxou Ronaldo para o meio da sala. Os dois começaram a dançar, e logo, Gina juntou-se a eles. Mais tarde, Fernando convidou Valéria, que aceitou, e todos continuaram dançando durante bastante tempo. Valéria abriu mais algumas garrafas de vinho e serviu fatias de pão e queijo. 

Lá fora, uma lua imensa e branca observava aquela cena através da vidraça. 

Quando se cansaram, espalharam-se pelas almofadas e tapetes, rindo muito. Depois, todos silenciaram, parecendo pensativos e muito cansados, e Valéria disse:

“Querem saber? Aquele bastardo pode estar nas últimas, mas pelo menos, proporcionou-nos esta oportunidade de nos conhecermos!”

Todos olharam para ela, e Fernando perguntou, surpreso:

“Como assim, nas últimas?”

Valéria percebeu que eles não sabiam ainda. Continuou, com mais cuidado:

“Então ele não lhes disse? Rodrigo está morrendo. Tem câncer em estágio terminal.”

Foi um grande choque para todos ali presentes. Ninguém foi capaz de dizer mais nada. Apenas Ronaldo pôs-se a chorar, um choro sofrido e soluçante. Carol passou um braço em volta dos ombros dele, consolando-o. Fernando desabafou:

“Quem diria... então agora há um motivo para estarmos aqui, finalmente...”
Gina respondeu:

“Será que ele se arrependeu do que fez e quer desculpar-se?”

Mas foi Valéria quem encerrou o assunto:

"Ele nunca se arrepende. De nada.”

(CONTINUA...)



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