segunda-feira, 26 de outubro de 2015

A OUTRA MARGEM - PARTE VII






Joana precisava de um novo plano para afastar Luciano e Rayssa. Sua mente maquinava em todas as direções, até que finalmente ela teve uma ideia: precisava pesquisar o passado de Rayssa e econtrar alguma coisa da qual pudesse valer-se. 

Enquanto isso, Georgina pensava na filha. Tinham conversado por telefone naquela manhã, e Rayssa contara-lhe tudo o que vinha acontecendo: os ataques de Joana, a amizade que fizera com Cláudia, o passado de Luciano no qual seus antigos relacionamentos tinham sido minados até o fim por Joana. Rayssa dissera-lhe que não deveria preocupar-se, pois ela sabia cuidar-se sozinha, mas a ideia de ter alguém tentando provocar a infelicidade de Rayssa não a deixava tranquila. Gostaria de conversar com Joana e descobrir a causa daquilo tudo, mas Rayssa a proibira: fizera com que ela promoetesse jamais tocar naquele assunto com Joana, pois ela apenas negaria tudo, e depois ainda iria fazer-se de vítima para Luciano, usando a doença de Carlos e sua "fragilidade." Ela concordara em nunca tocar no assunto das armações de Joana sobre sua filha; porém, nada prometera sobre visitar Joana e conversar com ela sobre outros assuntos, a fim de saber se descobria alguma coisa. Assim, telefonou para Joana:

-Olá, Joana! É Georgina. Estou ligando para saber como você e Carlos estão indo.

Joana modificou o tom da voz, tentando fazê-la parecer tranquila e disfarçar o quanto o telefonema de Georgina a desagradava:

-Olá, Georgina! Aqui estamos na mesma... como você bem sabe, a doença já mostra seus sinais. Carlos anda cada vez mais esquecido. Mas eu já esperava, então não me surpreendo... mas e você, amiga? Como estão os seus doentinhos?

Georgina notou a ironia disfarçada, mas achou melhor ignorar:

-Bem, alguns melhoram e vão para casa, outros não. Mas fico feliz em poder ajudá-los, Joana. Quando a gente ocupa a cabeça, os nossos problemas parecem mais simples. A vida destas pessoas é tão dolorida, os tratamentos são demorados e muito sofridos, mas mesmo assim, eles tentam ser otimistas e agradecem por estarem vivos ao final de cada dia. A vida é imprevisível, e eles me ensinam isso todos os dias.

-Pois é. A vida é essa caixinha de surpresa. 

Houve um momento de silêncio, e Georgina prosseguiu:

-Gostaria que você viesse aqui um dia, conhecer o meu trabalho. Quem sabe, você não se entusiasma e decide ajudar?

-Ah, eu gostaria sim, e um dia eu vou, mas agora eu tenho que cuidar de Carlos... você me entende...

-Claro, Joana. Se precisar de qualquer coisa, pode contar comigo. Caso fique muito difícil para você, nós aqui temos psicólogos que atendem voluntariamente os doentes e suas famílias, e posso indicar um deles a você. 

Joana não respondeu de início: Georgina estava sugerindo que ela precisava de ajuda psicológica, que tinha problemas mentais? Que ousadia! Pensou em responder rispidamente, dizer-lhe exatamente o que pensava de sua oferta! Mas engoliu sua ira e sua indignação, e fingiu estar agradecida:

-Ora, obrigada pela preocupação, mas eu estou lidando bem com isso. Aprendi a ser forte em minha vida. Sabe, já passei por muitas coisas e sou forte.

Naquele momento, Joana percebeu que falara demais, e tentou mudar de assunto:

-E por aí, como está o tempo? Aqui só chove...

Georgina não queria deixar o momento passar, e insistiu:

-Joana... se me permite perguntar, você disse que já passou por momentos difíceis. Eu também tive que lidar com a doença e a  morte de meu marido, e recuperar-me de uma grande dificuldade financeira após a morte dele... gosto de partilhar estas experiências, pois acho que as pessoas aprendem muito umas com as outras. Aqui nesta casa, no Segundo Lar, vejo pessoas que atravessam momentos terríveis e saem inteiras do outro lado, ainda mais fortes, e outras que simplesmente se entregam à autopiedade e passam a odiar a vida e culpam a Deus. Sei que não somos amigas íntimas, mas acho que deveríamos ser, pois nossos filhos formarão uma família um dia.  Se importaria de conversar a respeito comigo algum dia? 

Joana viu-se pega de surpresa; o que Georgina pretendia, falando com ela daquele jeito? Mas aquele pequeno discurso a fizera lembrar-se de que após a morte de Carmen, ela nunca mais tivera uma amiga. Havia as senhoras do clube, que ela encontrava uma ou duas vezes ao mês, mas nenhuma delas era sua amiga de verdade. Nem sequer tinham feito uma visita a ela depois que ficaram sabendo da doença de Carlos. Deixaram de aparecer, e os convites para os jogos de bridge às sextas-feiras rareavam cada vez mais, como se a doença do seu marido pudesse ser passada através dela. Sentiu-se ferida, mas manteve a cabeça erguida. Sabia que aquelas mulheres jogavam um jogo de aparências, no qual ela mesma era uma vencedora talentosa, e que não havia amizades entre elas: somente competição. Considerou rapidamente a proposta de Georgina, e finalmente, respondeu:

-Bem... eu ando muito ocupada...

-Eu sei, eu também tenho muitas coisas a fazer. Mas será que eu poderia vistá-la no final de semana? Ficaria muito feliz se você me recebesse, Joana.

Diante daquele argumento, Joana notou que não tinha como recusar sem parecer rude, e decidiu concordar:

-Sim, eu vou falar com as crianças e...

-Não, vamos deixar nossos filhos de fora, ou não poderemos conversar direito. Só nós duas desta vez, Joana.

-Ok, então... você poderia vir no domingo? Prepararei um almoço para nós.

-OK! Eu levo o vinho e a sobremesa. Farei uma torta de damascos deliciosa.

Quando desligou o telefone, Joana ficou pensativa e desconfiada. Começou a construir sua habitual armadura, a que ela usava toda vez que alguém tentava ultrapassar a barreira do socialmente aceitável, do superficial. Não conseguia entender como tinha "caído naquela conversa mole de Georgina sobre amizade!"

Joana não sabia, mas estava carente, e aquela carência a tinha acompanhado durante toda a sua vida, desde a infância, e era um tipo de carência que ela com a qual não conseguia lidar: ela sentia falta dela mesma! 

Transformara-se em outra pessoa a vida toda, primeiro, tentando agradar ao pai e não despertar a sua fúria a fim de evitar surras, e depois, tentando agradar ao sogro, fazendo de seus dias um constante anular-se para que ele a aprovasse e aceitasse. Mais tarde, após o casamento, desistira de sua carreira a pedido do marido, e as vontades de Carlos foram impondo-se às vontades dela cada vez mais. Até mesmo em coisas banais, como escolher um prato em um restaurante, ele prevalecia. Fazia o pedido por ela.

Determinava quais as cores que ela deveria vestir, o que usar nas muitas festas e reuniões às quais compareciam, e até sobre a decoração da casa a vontade dele prevalecia. 

Quanto a Luciano, ele praticamente tomara para si a responsabilidade de moldar a personalidade do filho, deixando a ela somente a parte prática - levar à escola, ajudar nas tarefas escolares, vestir e alimentar. Ela tinha que encontrar uma forma de fazer com que Luciano a notasse e a amasse, e a melhor forma que encontrara de fazer auquilo, fora entrando no jogo proposto pelo marido, mostrando-se frágil e vulnerável - quando não era.

 Tornara-se uma hipócrita. Passava aos outros a imagem da senhora indefesa, frágil, sempre cordata, submissa e doce, quando sua vontade era gritar, dizer a todos que ela existia e que tinha uma vida própria, que preferia comer carne ao invés de peixe, vestir verde, e não azul, usar um vestido chanel ao invés de um vestido longo. Mas incorporara aquele papel de mulher frágil e submissa com tanta força, e há tanto tempo, que só conseguia ser ela mesma quando atacava outras pessoas - preferencialmente, as namoradas do filho, que não a conheciam bem. Mas Joana também não notava que ela não era aquela pessoa agressiva. Era apenas alguém tentando sobreviver, alguém que tinha medo.

E sempre que Luciano mostrava-se verdadeiramente interessado em alguma mulher, ela pensava que estava diante de uma concorrente, alguém que faria com que ela desaparecesse ainda mais. Porque Joana não sabia colocar-se. Não sabia o que fazer para determinar seu verdadeiro lugar, para os outros e principalmente, para ela mesma. 

Agora, diante da doença progressiva do marido, ela via que o dia de ser ela mesma e fazer as próprias escolhas estava chegando, e ela não sabia como lidar com aquilo. O que ela sempre quisera a vida toda estava por vir: a sua liberdade. Mas o que fazer com ela? Inconscientemente, ela procurava por um substituto, alguém que estivesse por trás dela, balançando as cordinhas para que as coisas se ajeitassem, resolvendo tudo por ela, como sempre tinha sido. Agia como quem deseja mandar na vida do filho, mas na verdade, queria que o filho mandasse nela, tomando o lugar do pai. E naquele arranjo, Rayssa estaria atrapalhando, sobrando.


(continua...)



2 comentários:

  1. Eu estou a adorar, grato por poder ler! E expectante pelo desenrolar, ou seja, estou agarrado, positivamente, ao enredo!

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  2. Linda a história, que perdi alguns capítulos, mas já recuperando!
    Obrigada, abraços carinhosos
    Maria Teresa

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