quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A Outra Margem - Parte VIII






Naquela manhã de terça-feira, Rayssa estava de bruços sobre a colcha da cama, observando em silêncio enquanto Luciano se arrumava para o trabalho. Enquanto ajeitava a gravata, ele a olhava pelo espelho. Conhecia a esposa suficientemente para saber que ela estava com algum pensamento fixo, talvez alguma coisa que gostaria de contar a ele mas sentia-se apreensiva. Os olhos deles se encontraram através do espelho, e ela sentou-se na cama. Ele terminou o nó da gravata e virou-se para ela, erguendo-a da cama, segurando-a pelas mãos:

-Bem, o que é que está "pegando,"Rayssa? Por que está tão calada?

Ela foi até ele, abraçando-o. Lembrou-se dos conselhos de Cláudia para que ele nunca soubesse que Joana estava tentando separá-los, pois ele ficaria do lado da mãe; mas Rayssa era verdadeira demais para continuar mentindo para Luciano, e aquela história a estava incomodando demasiadamente.

-Nossa, você me lê mesmo, hein?

-E então, vai me contar ou não? Tenho notado que você anda pensativa há algum tempo... e quando você está quietinha assim, é porque essa sua cabecinha anda ocupada, tecendo coisas... (ele moveu os dedos  entre os cabelos dela).

-Na verdade... é, eu tenho que te contar uma coisa. Lembra daquela sua viagem, há mais ou menos um mês? Eu fui visitar a sua mãe, e a Cláudia estava lá...

Rayssa viu uma veia na testa de Luciano mover-se; aquilo sempre acontecia quando ele estava desconfortável.

-Hum-hum. O que aconteceu?

-Bem... naquela tarde, ela me trouxe em casa. Conversamos um pouco, acabamos ficando amigas. Depois daquele dia, estivemos juntas duas vezes, e nos falamos por telefone acho que umas cinco ou seis vezes.

Ele arregalou os olhos, andando até a janela:

-Céus, Rayssa... nunca pensei que você fosse ficar amiga de Cláudia, amiga de uma ex minha.

-Por que? Você tem alguma coisa contra ela?

-Não! Só que... já faz tanto tempo que namoramos, e eu não me sinto confortável com essa situação.

Rayssa foi até ele, abraçando-o:

-Não se preocupe, ela jamais fala mal de você, e nem eu. Também não ficamos falando de sua performance na cama, ou qualquer coisa assim.

-Bem, então do que vocês falam? Sobre o que conversam?

-Ah, várias coisas... carreira, filmes, viagens, roupas... coisas de mulher.

-Hum... acho estranho. Você não é muito de sair com amigos, sempre me disse que não confia muito em outras mulheres, é meio-solitária.

-E você sempre me disse que eu deveria mudar. Pois então, estou mudando.

-Mas logo com minha ex?

-Você tem alguma coisa contra a Cláudia? 

-Não, já disse que não... mas fico preocupado que ela tenha aparecido na casa dos meus pais naquele dia, assim, do nada. Justamente quando você estava lá.

-Eu já disse, quando eu cheguei ela já estava lá. Na verdade, há uma parte da história que você não sabe: Foi Joana quem a convidou. Convidou nós duas ao mesmo tempo.

Luciano mostrou-se irritado:

-Mas por que ela faria isso?

-Faria não: fez! Também fiquei me perguntando, Luciano. Mas ela acabou nos prestando um favor nos apresentando. Descobri que temos muitas coisas em comum, e fiz uma amiga, o que como você sabe, é coisa rara.

-Não posso acreditar que minha mãe a tenha convidado. Mas com certeza, ela não fez por mal... mas... por que você só me contou agora?

-Porque eu queria evitar problemas entre vocês. Mas agora já passou, e as coisas tomaram outro rumo. Não gosto de esconder nada de você, amor. Achei que seria justo que você soubesse que eu e Cláudia ficamos amigas.

Ele sentou-se na cama, passando a mão nos cabelos e deixando uma lufada de impaciência escapar:

-Mas olha só que situação vocês criaram, Rayssa! Imagine só, chegar em casa e encontrar minha esposa sentada na sala, de papo com a minha ex noiva! 

-Bem, há algum tempo eu nem sequer conseguiria sequer considerar esta possibilidade, mas graças à sua mãe...

-Por favor, não coloque  a minha mãe no meio desta conversa, Rayssa.

Ela ficou parada e boquiaberta por algum tempo, tentando entender o que estava acontecendo.

-Espere um pouco: sua mãe convida a sua ex para visitá-la no mesmo dia em que me convida, não sei o motivo, mas até aí está tudo bem, "ela não fez por mal." (ela fez com os dedos da mão o gesto das haspas); mas o fato de nós termos ficado amigas é um absurdo, é isso? Afinal... nós estamos tendo uma briga, Luciano? Só porque teve um relacionamento que não deu certo com a Cláudia, ela tornou-se persona non grata? E se é assim, por que ela foi convidada para a casa de seus pais no mesmo dia em que eu fui?

Ele não respondeu. Rayssa continuou:

-E só pra você saber: a história não termina nisso! Lembra da minha presilha que sumiu? Ela estava no cabelo da Cláudia naquela tarde em que nós fomos lá! Fiquei pensando em como ela poderia ter aparecido no cabelo da sua ex, e fiquei furiosa, pois achei que você e ela estivessem tendo um caso!

Ele ergueu a voz?

-O que?! Mas você está louca?

-O que você queria que eu pensasse? Uma jóia de família, peça única e antiga, que eu tinha perdido há dias, aparece na cabeça da sua ex?!

-E então você achou que eu tinha dado a sua presilha para ela? Mas... que absurdo! Que espécie de pessoa você acha que eu sou, Rayssa? Acha que eu seria tão burro, tão estúpido, tão... cruel, a fim de pegar algo seu e dar de presente a uma amante? E eu não tenho nada com a Cláudia, não nos vemos há anos...

-Eu sei, agora eu sei, porque ela me esperou sair da casa de sua mãe, nós conversamos e ela me explicou a mesma coisa.

-Explicou também por que a sua presilha estava no cabelo dela?

-Explicou sim, e a devolveu. Agora... por que você acha que minha presilha estava no cabelo de Cláudia, Luciano? Como ela pode ter ido parar lá? Eu já sei a resposta, mas quero que você adivinhe.

Ele calou-se, levando as mãos à cabeça em um gesto de desespero. 

Sem dizer palavra, Luciano agarrou seu paletó e passando por Rayssa feito um furacão, saiu de casa, batendo a porta. Ela sentou-se na cama, e as lágrimas que estavam fazendo doer sua garganta finalmente caíram, enquanto ela escutava o motor do carro sendo ligado e o barulho do freio quando Luciano saía às pressas.

Quase cego pelas lágrimas, Luciano tomou o caminho da casa de Joana. Ficava a apenas algumas quadras, e ele logo parou o carro em frente ao portão e tocou a campainha. Joana abriu-lhe  aporta sorridente, mas o sorriso morreu ao ver o estado do filho:

-O que aconteceu, meu filho?

Ele tentou recuperar a voz antes de perguntar:

-Mãe... o que você está tentando fazer?

Joana parecia confusa, e fez sinal para que ele entrasse. Luciano sentou-se no sofá próximo ao pai, que estava assistindo a um jogo e não deu o menor sinal de tê-lo reconhecido, continuando a olhar fixamente para a tela da TV. Ele virou-se para Joana:

-Desde quando ele está assim?

-Acho que são os remédios... mas a doença está avançando rápido.

-Mas eu estive aqui na semana passada e ele estava bem melhor!

-Pois é... ele tem fases. Está numa fase ruim, e daqui para frente, você sabe, vai piorar. Mas tem horas que ele parece despertar de um longo sono, e volta a ser ele mesmo por alguns instantes. MAs o que aconteceu com você, filho? Não deveria estar no escritório? Aconteceu alguma coisa com Rayssa?

Luciano lembrou-se do motivo daquela visita, e negou com a cabeça:

-Ela está ótima. Mas eu quero que você me explique direitinho  o que Cláudia estava fazendo aqui naquela tarde, quando eu estava viajando. No dia em que você convidou Rayssa para vir aqui.

Joana levou a mão à garganta, franzindo as sobrancelhas e fazendo um ar de quem estava tentando lembrar-se de alguma coisa, mas Luciano percebeu a estratégia da mãe.

-Não me diga que não se lembra, mãe. É o papai quem está doente, e não você.

Diante da rudeza dele, Joana gaguejou um pouco, tentando manter-se na defensiva:

-Vo-você já sabe, ela simplesmente apareceu sem ser convidada, e não vi motivos para destratá-la só porque...

-Mãe, por que você está mentindo para mim?

Joana recostou-se, levando a mão ao coração, como se estivesse sentindo a dor de uma punhalada:

-Jamais pensei que chegaria o dia em que meu filho se voltaria contra mim! O que Rayssa disse para que isso acontecesse?

-Deixe ela fora desta conversa, mãe. Quero a verdade. O que a Cláudia estava fazendo aqui, usando a presilha de Rayssa?

Joana ficou muda. Parecia estar tendo alguma espécie de síncope cognitiva. Continuou a fazer uma cara de quem não tinha a menor ideia sobre o quê o filho estava falando, até que Carlos, virando-se de frente para o filho, entregou-lhe a verdade em uma  bandeja:

-Joana deu a presilha de presente para Cláudia antes de Rayssa chegar. Eu vi, eu estava lá, eu disse que deveríamos devolver a ela, mas Joana não concordou.

Joana fuzilou o marido com  o olhar, e erguendo-se do sofá e abandonando a aparência frágil e desentendida que tinha assumido em questão de segundos, começou a gritar:

-Não acredite nele, filho, você sabe que seu pai não está bem! Carlos, você está imaginando coisas, é a doença! Você não sabe o que está dizendo!

Luciano segurou a mãe do pai, que olhou para ele com carinho, mas percebeu que logo em seguida Carlos voltara ao seu estado apático, fitando a TV. Sem dizer palavra, depositou um beijo na testa do pai e saiu, enquanto Joana o seguia desesperada até a porta, pedindo a ele que ficasse para que pudessem conversar, mas Luciano entrou no carro e voltou para casa, deixando a mãe parada à porta.

(continua...)



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