segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A OUTRA MARGEM - PARTE IX





Quando entrou em casa, Luciano encontrou Rayssa sentada no sofá da sala, chorando de desespero. Ela ergueu o rosto ao vê-lo entrar, tentando secar as lágrimas com a manga da camisola. Ele ergueu os braços e deixou-os cair novamente ao longo do corpo, em um gesto de rendição, enquanto caminhava até Rayssa, sentando-se ao lado dela e segurando-lhe a mão:

-Me desculpe, Rayssa... eu... sempre soube dos ciúmes de minha mãe em relação às minhas namoradas, mas jamais pensei que ela poderia atacar você desse jeito. Você é minha esposa!

Rayssa fungou:

-E ela só não o fez antes porque nós morávamos em outra cidade, Luciano... sabe... eu menti para você em mais uma coisa... eu e Cláudia conversamos sim sobre você. E sobre você e eu, e você e ela. E também sobre uma outra namorada sua que eu não conheci, mas que hoje é amiga de Cláudia. O nome dela é Roberta.

Luciano arregalou os olhos, forçando um sorriso e tentando disfarçar seu embaraço:

-Nossa... então as três juntaram-se em um complô contra mim? 

-Não; mas sua mãe armou complôs contra todas nós para separar-nos de você. A história que Cláudia me contou é terrível! Joana até contatou um ex-namorado dela para que ele criasse situações que fizessem você acreditar que ela o estava traindo com ele. O nome do tal rapaz é...

-Nando!

Luciano ergue-se do sofá, as mãos na cabeça:

-Meu Deus... mas isso é... horrível! Eu cometi uma grande injustiça contra Cláudia, eu a destratei, chamei-a de... meu Deus, nem quero repetir! E o tempo todo a culpa era de minha mãe?! Minha própria mãe?

Rayssa começou a ficar preocupada com a reação dele; afinal, Nando tinha sido o pivô da separação entre ele e Cláudia, pois Luciano acreditara que os dois estavam tendo um caso; agora  que sabia da verdade, será que Luciano se arrependeria de ter terminado com Cláudia? Ela nada disse, e continuou observando o marido, enquanto ele andava de um lado a outro da sala, sacudindo a cabeça. Finalmente, ela explodiu:

-Quer parar de andar assim, de um lado para o outro? Está me deixando ainda mais nervosa, Luciano.

Ele estancou no meio da sala, olhando para ela como se voltasse à realidade e percebesse que ela ainda estava ali:

-Desculpe. É que tudo isso é um grande choque para mim. Não sei o que pensar ou como agir.

-Preciso saber se isso tudo, ou seja, saber da verdade, faz com que seus sentimentos por Cláudia voltem a ser... afinal, vocês foram ambos manipulados por sua mãe.

Luciano demorou alguns segundos para responder:

-Não! Claro que não. Eu amo você. Você é a mulher certa para mim, acredito que mesmo sem a interferência de minha mãe eu e Cláudia nunca daríamos certo. Mas mesmo assim, minha sensação é absolutamente péssima. Eu... preciso me desculpar com ela por tudo, mas ao mesmo tempo, será que vale a pena, após tantos anos?

Rayssa ergueu as sobrancelhas:

-Será? 

Ele permaneceu em silêncio por um tempo, antes de rebater:

-Será o que?

-Que você não a ama mais? 

Dizendo aquilo, Rayssa levantou-se e correu para o quarto, trancando a porta. Luciano sentou-se na sala, pensando no caos no qual sua vida se transformara após aquela revelação, pois sabia o quanto a separação entre Cláudia e ele fora dolorosa, o quanto tinha sofrido, o quanto a tinha amado e sentiu-se magoado ao pensar-se traído por ela, e naquilo, ele também mentira para a esposa. A dúvida de que tudo tinha realmente terminado entre ele e Cláudia pairava sobre sua cabeça, fazendo uma sombra sobre sua vida. Será que um amor tão forte, mas que acontecera há tanto tempo, poderia ter permanecido adormecido por todos aqueles anos?

Lamentou pelo quanto tinha sido cego ao não acreditar nela... mas as armações da mãe tinham sido perfeitas, tanto que conseguira envolver até mesmo Nando, um ex-namorado que Cláudia tivera logo antes dele e que durara apenas um ou dois meses, pois ela logo percebera que Nando não passava de um canalha. Luciano lembrou-se de uma conversa entre ele a mãe, um desabafo após uma discussão que tivera com Cláudia por causa de Nando, que aparecera em uma boate onde ambos estavam e não parou de olhar para eles. Aquilo fora o suficiente para dar à mãe combustível para atear fogo no relacionamento dos dois, pois ao saber da existência de Nando, Joana resolveu usá-lo em seus planos. Como fora tolo!

Seus sentimentos pela mãe tornaram-se ambíguos, pois apesar de amá-la por ser sua mãe, não sabia se algum dia poderia perdoá-la. Conseguiria frequentar sua casa novamente, poderia pedir à esposa que tentasse esquecer tudo e perdoasse sua mãe?  Como ficaria a vida dela, depois que a doença do pai progredisse?

De repente, em meio àqueles pensamentos, Luciano notou que em nenhum momento tinha pensado sobre os sentimentos de Rayssa. Pensara na mãe, em Cláudia e em si mesmo. Por que dissera a Rayssa que não sentia mais nada por Cláudia, se ele nem sequer sabia se era verdade, se estava confuso?

Concluiu que precisava rever Cláudia e conversar com ela, nem que fosse para pedir-lhe desculpas. 

Bateu à porta do quarto, e Rayssa veio abrí-la, ainda fungando e de olhos vermelhos. Luciano segurou as mãos dela, erguendo-lhe o queixo para que olhasse para ele. Rayssa sabia o que estava para vir, e por mais que seu coração dissesse a ela que não queria ouvir o que ele tinha a dizer, ela só conseguiu ficar calada, olhando para ele, enquanto sentia seu coração ruir a cada palavra.

-Rayssa, eu nunca menti para você, pois eu a respeito muito, além de amá-la. Sinto muito que tudo isso esteja acontecendo e peço desculpas pelo sofrimento que minha mãe causou a você. Mas eu preciso fazer uma coisa e espero que você me entenda: tenho que rever Cláudia, falar com ela, pedir-lhe desculpas...

-Eu notei o quanto você ficou perturbado ao saber o motivo da separação de vocês, mais perturbado do que quando eu lhe contei sobre o que sua mãe aprontou comigo. E eu fui uma idiota ao deixar com que Cláudia entrasse em nossas vidas novamente. Eu deveria ter mandado ela embora naquele dia, ao invés de deixar que ela me envolvesse daquele jeito!

-Espere, Rayssa, Cláudia jamais agiria movida por esse tipo de sentimento, eu a conheço... a conheci bem. Se ela esperou por você a fim de esclarecer tudo, ela o fez de boa vontade, sem más intenções. 

Rayssa suspirou, e concordou com a cabeça. 

-Eu sei. Desculpe, é que eu só estou tentando colocar a culpa nela para que você a odeie. 

Ela recomeçou a chorar, e Luciano a abraçou:

-Rayssa, você é digna apenas da verdade. Só ficaria com você porque a amo, jamais por piedade, pois isso seria uma falta de respeito com você e comigo. Espero que você me ame o suficiente para me dar a chance de descobrir as minhas verdades, desanuviar a minha cabeça. Preciso rever Cláudia. Não tenho mais o telefone dela. 

Rayssa olhou para o rosto do marido com tristeza, e indo até  a mesa de cabeceira, pegou o celular e discou o número de Claúdia, entregando o aparelho a Luciano e saindo do quarto em seguida.


.    .    .    .    .

Após três toques, Cláudia atendeu:

-Oi, Rayssa! 

Ele sentiu o peito apertar-se ao ouvir a voz dela novamente, e a voz dele sumiu. Ela repetiu a saudação, e ele finalmente conseguiu responder:

-Olá, Cláudia. Sou eu.

Cláudia prendeu a respiração ao ouvir a voz do ex-noivo. Levou uma das mãos à garganta, tentando conter o nó que se formava. Jamais poderia pensar que ouvir de novo a voz dele pudesse deixá-la daquele jeito. Ela ficou muda, não sabia o que dizer, nem o porquê de ele estar ligando para ela do celular de Rayssa. 

-Eu preciso conversar com você pessoalmente. Rayssa me contou tudo o que aconteceu, ela também me contou sobre o que minha mãe fez com você quando estávamos juntos.

-Luciano, isso foi há muito tempo.

-Eu sei, mas preciso falar com você.

-Não sei se é uma boa ideia, aliás, não é uma boa ideia. Rayssa sabe que você está me ligando?

-Sabe, e foi ela quem discou seu número.

-Ela está aí?

-Não, ela deu uma saída para que a gente pudesse conversar melhor.

Cláudia mal podia acreditar no que estava acontecendo. Já não via Luciano há muitos anos, desde que tudo acontecera e eles tinham terminado. Quando ele terminou com ela, passara um período de vida muito difícil e doloroso, pois era muito apaixonada por ele. Às vezes ainda pensava em Luciano, sentia saudades dos bons momentos, mas a cena final, na qual ele a acusara de ser mentirosa e traidora, não querendo sequer ouvir sua história, apagava as boas lembranças em pouco tempo. E agora havia Rayssa! Não podia trair sua amiga, afinal, ela não tinha culpa de nada. Com voz firme, respondeu:

-Luciano, acho melhor não nos vermos de novo. E eu lamento muito, mas acho melhor que eu também não reveja Rayssa. Não quero me meter na vida de vocês. Fui imprudente ao me aproximar dela, no mínimo. Ela é tão... doce, forte, inteligente, sensível, engraçada... tenho certeza de que você deve amá-la muito e não quer magoá-la, assim como eu.

-Mas eu preciso ver você. Não quero magoar Rayssa, mas preciso que você me entenda, e me conceda uma oportunidade de revê-la! Melhor assim do que passar a vida toda ao lado dela pensando em se... ela não mereceria isso.

Cláudia fechou os olhos, apertando as pálpebras, e como se a voz que falasse ao telefone não fosse dela, sentiu seus lábios se mexerem e ela mesma dizer:

-Está bem. Hoje à noite?

-Hoje à noite.


.    .    .    .    .


Ele esperou à mesa do restaurante. Ainda era cedo para jantar, então pediu um Bloddy Mary. Estava muito nervoso. Pensava no quanto Rayssa estava sendo madura e compreensiva, e temia não saber se poderia voltar para casa naquela noite e levar uma resposta até ela, abraçá-la com a certeza de que ela era a mulher de sua vida. Não queria ser um canalha, mas não conseguia deixar de sentir-se como um. Ela saiu antes dele, dizendo que ia espairecer, pagar um cinema. Fizera aquilo para evitar uma situação embaraçosa para ambos, ele sabia. 

Pensava em tudo aquilo, quando ele  viu  Cláudia surgir à porta, olhando as mesas, até que o avistou. Os seus olhos se encontraram, e Luciano sentiu seu coração arder. Cláudia sentiu que corava como se fosse uma garotinha, e foi andando devagar até a mesa. Ele reparou no quanto o tempo fizera bem a ela: estava ainda mais linda do que quando tinham sido namorados. Ela notou que Cláudio ganhara mais corpo, estava mais maduro e mais forte. As poucas linhas sobre a testa deram-lhe um ar mais inteligente, emoldurando seus olhos verdes e tornando-os ainda mais intensos. 

Ele ergue-se, puxando a cadeira para ela, e sentiu o perfume dos seus cabelos enquanto ela se sentava: o mesmo que ela sempre usara. Aquele cheiro trouxe-lhe à memória uma torrente de lembranças das noites maravilhosas que tiveram juntos, quando ela colocava aquele mesmo perfume após o banho e deitava-se aninhada em seus braços, na cama. 

Ela viu os pelos dos braços dele. Coisa estúpidam, pensou, reparar nos pelos dos braços de um homem! Mas ela lembrou-se da sensação de senti-los roçando contra o seu queixo, quando ele a abraçava por trás na cama. 

O garçom aproximou-se e ela pediu uma taça de vinho tinto.  "O de sempre," Ele pensou. 

O jantar chegou, e eles remexeram a comida, dando apenas algumas garfadas. Conversaram sobre tudo o que acontecera, e ele se desmanchara em mil desculpas, que ela aceitou. Eles choraram. Ele segurou a mão dela sobre a mesa, e ela demorou um pouco antes de retirá-la, e o calor da mão dele que ficara sobre as costas da mão dela parecia queimá-la. O garçom trouxe o aperitivo, e ele entornou a pequena taça de licor de uma só vez. Ela nem tocou na dela. Ao perceber que ela não ia tomá-la, ele esticou o braço e pegou-a, bebendo tudo de uma vez só. "Como sempre fazia," ela pensou.  

O estômago dela revirava-se em calafrios. Sob a camisa de seda, o corpo dele suava. Após a refeição, eles se levantaram e caminharam em silêncio para fora do restaurante. Na calçada, à porta do restaurante, uma chuva fina começara a cair. Ficaram frente a frente, sem saber como prosseguir dali em diante. De frente um para o outro, eles se aproximaram rapidamente, de súbito, como se aquele gesto tivesse sido combinado, e em um instante, estavam perdidos nos braços um do outro em um beijo longo e sedento, a sede de muitos anos sendo saciada, a chuva lavando todas as mágoas e ressentimentos, e ele percebeu o quanto ela se encaixava bem entre os braços dele, e ela admitiu que nunca ninguém a beijara daquele jeito, nem antes e nem depois dele. 

Mas o que eles não sabiam, é que do outro lado da calçada alguém os observava. 

Rayssa deixou que as lágrimas caíssem livremente. Ainda ficou por ali durante algum tempo, até que os dois se separaram, para logo depois, beijarem-se de novo, com toda intensidade. Rayssa notou que Luciano nunca a tinha beijado daquela forma, e ela compreendeu imediatamente que o tinha perdido.

Não; pior ainda: que jamais o tivera. 

(continua...)









Um comentário:

  1. Admirável a postura da Rayssa, por mais que nos doa, não é possível ficar com uma pessoa, sem saber se conhecendo a verdade, ficaria conosco.
    História de vidas que lutam pela verdade, mesmo que tenham de abrir mão de sua felicidade.
    Aguardando o próximo capítulo, obrigada, abraços carinhosos
    Maria Teresa

    ResponderExcluir

Obrigada por visitar-me. Adoraria saber sua opinião. Por favor, deixe seu comentário.

A RUA DOS AUSENTES - PARTE 5

  PARTE 5 – AS SERVIÇAIS   Um lençol de luz branca agitando-se na frente do rosto dela: esta foi a impressão que Eduína teve ao desperta...