sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

MALDADES - PARTE II




Durante o sexto período de faculdade, algo especial aconteceu; algo que mudaria minha vida e minhas convicções para sempre. Algo que me fez desafiar convenções, duvidar de mim mesma, por à prova tudo no que eu acreditava: eu me apaixonei. Não, não estou falando de um namorico inconsequente, mas de uma paixão arrebatadora, daquelas que tiram a gente do sério, que fazem com que percamos a fome, o sono, a concentração.

Eu tinha então vinte e dois anos. Minhas amigas diziam que eu era bonita. Sim, eu era bonita. Puxei os cabelos negros e sedosos e a forma esguia de minha mãe, os olhos castanho-esverdeados e o queixo quadrado de meu pai. Além de bela, sabia me vestir, tinha uma certa classe, era totalmente segura de mim e de minha aparência.

A primeira vez que eu me senti insegura quanto à minha aparência e quanto às minhas roupas, foi quando vi Sean.

Uma noite de terça-feira na cidade, tomando cerveja com os amigos da faculdade. Eu vestia calças jeans desbotadas, camiseta e uma jaqueta de couro. Não tinha feito as unhas, e meu cabelo estava preso em um rabo-de-cavalo. Calçava o par de botas mais velho que eu tinha. Acabáramos de sair de uma aula, e estávamos discutindo as teorias de Freud. Isso é tudo o que me lembro daquela noite, pois depois que olhei para Sean, sentado em uma outra mesa, conversando com um outro grupo de pessoas, tudo à minha volta deixou de existir.

Ele não era realmente bonito, não bonito da maneira convencional. Tinha cabelos castanhos, fartos e ondulados, penteados para trás, e estava um tanto desarrumado: barba por fazer, jaqueta jeans ultra-desbotada, camiseta com a gola gasta, calças jeans  muito velhas e até um pouco sujas. Mas o fascínio estava nos olhos; não: no jeito de olhar. Na fala, na voz, talvez na maneira com que ele fazia com que todos se calassem assim que começava a falar, e como os olhos de todos que estavam com ele pareciam reverenciar cada coisa que ele dizia. Tinha boas maneiras, apesar das roupas velhas e da aparência muito jovem – talvez vinte e cinco anos. Via-se que tinha berço. Mas não foi isso o que me atraiu. Senti um forte apelo sexual quando ele olhou para mim, notando-me, afinal, quase no final da noite.

Desde então, nossos olhos não se desgrudaram mais, nem mesmo quando não estávamos olhando um para o outro. Posso dizer que foi paixão à primeira vista. Nunca na vida eu tinha percebido de maneira tão efusiva que eu tinha um coração, e que ele poderia bater tão forte a ponto de me fazer tossir.

Eu, que a princípio nem o achara muito bonito, fui aos poucos achando-o cada vez mais bonito, quanto mais eu olhava para ele, como se ele exercesse algum tipo de fascínio ou magia sobre mim.

A noite foi chegando ao fim, o bar esvaziando, e meu desespero aumentava. Temia que talvez nunca mais fosse vê-lo. As pessoas que estavam na mesa com ele começaram a se levantar para ir embora. Alguns já se despediam e dirigiam-se, meio-tontos, para a porta. O mesmo começou a acontecer na minha mesa, já que o pobre garçon parecia que não ia agüentar mais muito tempo de pé. Fomos nos dirigindo para a saída, e quando passei por ele, agora sentado sozinho, ele agarrou meu pulso. Sim, literalmente. Um de meus amigos olhou-me , como a perguntar se eu precisava de ajuda, mas eu fiz sinal para que ele fosse embora. Fiquei parada ali, de pé, o bar vazio, o garçom começando a varrer o salão, enquanto um outro fechava as portas. Então, ele se levantou e saiu comigo de mãos dadas para a calçada, como se já nos conhecêssemos há muito tempo. A lua estava alta no céu. O relógio da torre da faculdade marcava duas e trinta e cinco da manhã. As calçadas estavam vazias e silenciosas, e só ouvíamos o vento e o som de nossos próprios passos. 

Ele sorriu para mim, e foi como se a própria vida estivesse sorrindo para mim pela primeira vez. As cores tornaram-se mais fortes, o vento, mais perfumado, e eu, leve como uma pluma. A mão dele apertava a minha, e parecia que toda a minha concentração estava naquele toque, que apertava sem machucar, e que aquecia minha pele , enviando arrepios por todo o meu corpo. Nem sei por quanto tempo andamos assim, de mãos dadas, sem nada dizer. Eu pensava: “Se ele me beijar, eu morro, mas se ele não me beijar, eu me mato!”

Mas ao invés disso, começamos a conversar. Ele me contou que se chamava Sean, que era filho de pai Americano e mãe Francesa. Estava estudando  Direito, mas detestava o curso. Seu grande sonho era viver numa pequena cidade do interior, em algum lugar onde se pudesse respirar ar puro, criar bichos , plantar, tomar banho de rio. Disse-me, mas sem ostentação, que era rico o suficiente para nunca precisar trabalhar, se assim o desejasse, mas que gostaria de ser dono de seu próprio negócio, embora ainda não tivesse muita certeza de qual seria esse tal negócio. Enquanto ele falava, um leque de oportunidades se estendia diante de meus olhos. Eu tinha tudo o que ele sonhara: morava em uma cidade pequena, fazia faculdade apenas para agradar minha mãe – como ele, para agradar seus pais- e tinha meu próprio negócio. E Santo Onofre tinha muitos sítios e fazendas por onde passavam rios, e  onde se podia criar bichos e plantar flores.

Amanhecemos em uma mesa do Herald’s, um café  que abria às seis da manhã. Diante de cada um, uma grande xícara de capuccino e dois brioches de queijo e presunto. Ambos tínhamos olheiras profundas e estávamos muito cansados, mas era como se já soubéssemos tudo um sobre o outro. Falamos de nossas vidas, famílias e cidades. Ele demonstrou grande interesse em conhecer Santo Onofre, então convidei-o para passar alguns dias conosco nas férias, e ele aceitou imediatamente sem nenhuma cerimônia.

Resolvemos passar o dia juntos – tínhamos decidido trancar nossas matrículas na faculdade. E fomos para o apartamento dele, onde tomamos banho, fizemos amor e dormimos o resto da tarde. Eu estava total e irremediavelmente apaixonada.

Quando acordei, ele estava deitado de lado, olhando para mim. A força e a magia do olhar dele me excitaram, e fizemos amor novamente. Cada vez era intensa, inigualável, terna.

Depois daquele dia, tudo o que aconteceu foi conseqüência. Liguei para mamãe e Marcio no dia seguinte, dizendo que estava – estávamos indo para casa. Apesar dos protestos de Dona Eugênia, eu estava decidida e nada me faria mudar. Finalmente, ela teve que concordar comigo.

Os dias que se seguiram foram paradisíacos. Marcio e Sean se deram bem imediatamente, e mamãe se apaixonou por ele- graças à Deus. Fizemos muitos programas: fomos ao teatro, ao cinema, mostramos a cidade a ele, viajamos para a praia no final de semana, preparamos jantares magníficos na cozinha de nossa casa, e em pouco tempo Sean conhecia mais pessoas na cidade do que eu mesma. Meses depois, ele comprou uma pequena propriedade, um sítio caindo aos pedaços, e imediatamente começou a reformá-lo. Também comprou um ponto comercial na cidade e abriu uma pet shop de sociedade com Marcio. Tornou-se grande amigo de Johnny e de Nina ,e frequentador assíduo do Johnny’s. Nós nos divertíamos  pra valer nos concursos de karaokê,  e Sean tocava piano e violão tão maravilhosamente e cantava tão bem que Johnny pediu-lhe que cantasse sempre nas noites de quinta-feira.

Eu notava que as mulheres da cidade se derretiam para ele, mas Sean era sempre polido e só tinha olhos para mim. Eu sentia que não tinha nenhum motivo para sentir-me insegura, principalmente quando fazíamos amor. Ele era totalmente dedicado nesses momentos, fazendo-me sentir a única mulher do mundo.

Quase um ano depois, a reforma do sítio ficou pronta. Tudo estava lindo, e Sean decidiu dar uma grande festa para comemorar, convidando a cidade inteira. E me pediu em casamento. Disse que tinha feito tudo aquilo pensando em mim, e que se eu não aceitasse me casar com ele, ele iria embora imediatamente. Ele realmente parecia inseguro quanto à minha resposta, e quando eu disse ‘sim’ entre lágrimas, ele deu um grande suspiro de alívio. Eu estava totalmente realizada, e ele também.

Mais ainda porque era início de dezembro, e Nina contou-nos que Clara estava vindo para casa, e que ficaria alguns meses.



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