terça-feira, 25 de março de 2014

A ILHA SEM BARCOS - Capítulo IX



Nina estava recostada em um confortável encosto de travesseiros que Cecília preparara para ela, e relia um livro de poemas que sempre trazia consigo, desde a juventude. De repente, não conseguindo mais concentrar-se na leitura - mesmo que já soubesse, de cor, todos os poemas do livro- ela o pôs na mesinha de cabeceira e puxou as cobertas até o pescoço. Quase vinte e cinco dias, e nem sinal dos náufragos. Mas ao mesmo tempo, de todos aqueles acontecimentos ruins, algo bom resultara: o romance entre Genaro e Cecília. "Minha amiga ainda é muito jovem", pensava; "Tem todo o direito de resgatar sua felicidade. E Genaro também. Espero que eles possam ser realmente felizes juntos. Mas... será que Cecília o convencerá a permanecer na ilha? Porque conforme o próprio Genaro nos explicou, ele tem muitos negócios no continente. Será que Cecília irá embora com ele quando tudo isto terminar? E se ela for, o que será do hotel? Não tenho mais ninguém na vida... o que será de mim?"

Com aqueles pensamentos, Nina teve a compreensão de que seus dias no mundo estavam terminando. Talvez a sua missão - a última - fosse chegar àquela ilha para servir de companhia para Cecília. Agora, poderia ir em paz. A idade já lhe pesava, e não havia mais nada que a segurasse ali. Seu dinheiro estava quase no final, pois gastara-o para manter-se hospedada no hotel, e também com as várias instituições que ajudava. Talvez só lhe restasse o suficiente para mais um ano ou dois, se economizasse bastante. Quando o dinheiro acabasse, o que faria?

Sua mente dava voltas. Chegou a desejar que não durasse mais muito tempo.

* * * *


Na praia da Ilha de Pérola, Antônio caminhava sozinho, e pensava em sua vida. Sentia saudades das filhas. Também sentia muitas saudades de Rosa, sua esposa também  falecida. A solidão que o abraçava era maior que tudo. Pensava nos anos vazios que o aguardavam, e em como seria a sua vida sem a última criatura que amara.

Um grito de gaivota trouxe-o de volta ao presente, e ele se viu diante de Rosalba, que o olhava timidamente a alguns metros de distância. Ele estancou, comovido: mais uma vez, lembrou-se de Diana, e lágrimas vieram-lhe aos olhos. Rosalba percebeu-lhe a emoção, e aproximando-se dele, tocou-lhe gentilmente o antebraço, fazendo uma leve carícia:

-Por que o moço chora?...

Antônio não conseguiu mais conter-se: as lágrimas agora rolavam pela sua face. Ele a olhou, comovido, e deixou escapar um sorriso triste ao responder:

-Choro pela vida. Pela minha vida triste. Choro pelas minhas filhas.

-O moço tem filhas? Tem? Como é o nome delas?

Ele secou as lágrimas com as costas da mão:

-Elas se chamavam Diana e Liana. Eram lindas. Eram gêmeas. Diana parecia-se com você...

Ela sorriu. Antônio percebeu um brilho em seus olhos quando sua face se animou, e ela, batendo palmas de alegria, exclamou:

-Ela é como eu? Como Rosalba? Eu nunca vi ninguém como eu!

-Antônio balançou a cabeça, tristemente:

-Ela era como você.

-Mas... não é mais?

-Não, não é. Ela morreu. Não está mais neste mundo.

Rosalba pareceu pensar por um longo tempo, antes de perguntar:

- Ela morreu... como papai e mamãe. Mas... e a outra filha? Onde ela está? Ela é como eu?

Ele balançou a cabeça:

-Não. Ela é bem diferente de você, querida.
-E o que aconteceu com ela?
-Ela foi embora em um barco, e não voltou mais.

Rosalba arregalou os olhos. Percebeu de quem ele estava falando. Pareceu sem-graça. Baixou os olhos, e pensou que aquele homem era gentil. Não merecia estar sofrendo tanto. Pensou no barquinho que fizera, e deixara escondido entre as pedras na praia, longe do mar e das marés altas. Mas sabia que ainda não era hora de trazê-los de volta. Mesmo assim, tentou consolar Antônio, e sorriu-lhe novamente:

-Não chore, moço, ela está bem. Eles estão todos bem, e vão voltar. Acredite. Eu sei.

Antônio lembrou-se que Cecília também vivia dizendo a mesma coisa. Parecia que elas sabiam o que tinha acontecido com sua filha e seu genro. Gostaria de poder acreditar nelas, mas as esperanças se enfraqueciam dia após dia, quando  o barco de busca e o helicóptero que Genaro contratara voltavam sem notícias. Logo, ambos teriam que ir embora da ilha e retomar suas vidas sem os filhos. Afinal, a vida continuava sempre...

* * * *

Ao depararem com os visitantes do outro mundo, O jovem casal não conseguiu deixar de demonstrar pânico. A emoção tomou conta de Décio e Liana, e Carlos, intrigado, perguntava aos dois quem eram aquelas pessoas, de pé diante da janela.

Vitória aproximou-se deles, e Décio deu um passo para trás diante da imponência da figura da mãe. Não conseguia tirar os olhos dela. Tinha medo de que, se piscasse, ela desapareceria, pois se estava ali, certamente havia um bom motivo. Vitória olhou para Liana demoradamente, e a moça sentiu como se a sua falecida sogra a estivesse lendo por dentro:

-Meu filho já falou sobre mim, eu suponho.

Liana balbuciou:

-Claro... eu a reconheci pelas fotos que ele me mostrou. Mas como...
-Não me interrompa quando eu falo, garota. Você...

Vitória começou a caminhar em volta de Liana:

-Você é como eu: autoritária, exigente. Mas sabe conseguir o que quer com muito mais suavidade. Eu não; simplesmente esticava a mão e pegava o que queria.

Dirigindo-se ao filho:

-Parabéns! Você conseguiu uma cópia quase perfeita de sua mãe!

Décio engoliu em seco: pela primeira vez, olhou para a esposa com olhos críticos, e percebeu que até mesmo alguns traços físicos - a cor dos olhos e do cabelo, a postura altiva e o porte sempre empertigado de Liana - faziam lembrar sua mãe. De repente, o amor que estava em seu coração foi substituído por um grande vazio. Décio teve medo. Não conseguiu replicar a mãe. Liana olhava para ele, boquiaberta, compreendendo imediatamente a situação. Naquele instante, ela também percebeu que vira em Décio alguém que ela poderia manipular: não o amava verdadeiramente.

Diana aproximou-se da irmã:

-Liana, eu estou aqui para te ensinar que as pessoas... as pessoas são todas diferentes umas das outras, e que estas diferenças podem ser temporárias. Eu nasci em um corpo deficiente, que tinha uma mente deficiente, mas veja: agora que estou livre, eu voltei ao meu estado normal. As pessoas são colocadas juntas porque precisam ensinar e aprender umas com as outras. Você falhou em sua missão comigo, mas ainda há tempo de recuperar-se.

Liana tinha os olhos rasos d'água:

-Eu peço que você me desculpe, Diana. Mas eu estava cega... meu Deus, o quanto eu a feri! Eu deveria ter ajudado meus pais a tomar conta de você...

-Está tudo bem, Liana. Mas existe alguém que você ainda pode ajudar: Rosalba. Você deve ajudá-la a melhorar suas condições de vida, a estudar. Ela tem muito potencial, mas vive abandonada naquela ilha, sozinha...

Liana baixou os olhos molhados, concordando com a cabeça. Lágrimas escorriam-lhe pelo rosto. Enquanto tudo aquilo acontecia, Carlos, de um canto do cômodo, a tudo observava, atônito. Teria muitas histórias a contar quando voltassem... mas... quem acreditaria nelas?

Vitória chegou bem perto do filho, olhando-o nos olhos:

-Eu e você fomos colocados juntos para que eu o ensinasse a ser forte, mas acho que falhei em minha missão, pois na minha ansiedade em torná-lo forte, acabei me sobrepondo a você, e tornei-o frágil e amedrontado, meu filho. Critiquei-o demais, não o incentivei, não o ensinei a ser independente. Eu queria que você fosse como eu... Mas os pais às vezes falham.

-Mãe, a culpa foi minha...
-Não, e pare de se justificar sempre! Está na hora de você retomar seu caminho na vida, e de uma forma mais independente.

Ela olhou para Liana, e Décio compreendeu o que ela queria dizer: não precisava dela em sua vida. Não a amava. Apenas queria alguém que lhe dissesse o que fazer e como agir, pois não se sentia forte o suficiente para decidir.

Naquela noite, ninguém dormiu. Depois que elas se foram, Carlos, Décio e Liana (não mais um casal- apenas bons amigos) conversaram sobre tudo o que tinham experimentado naquela ilha.




3 comentários:

  1. Boa noite,
    Escreveu uma historia passada numa ilha que pode ser verídica em qualquer lugar, sua criatividade encanta.
    Abraço
    ag

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  2. Oi Ana, não estou comentando, mas estou lendo rsrs!! E hoje finalmente deixo algo pra ti:

    A imagem desse capítulo é forte e reveladora...

    Estou gostando muito de como está entre(laçando) as vidas dessas pessoas, e digo isso: literalmente. Ao mesmo tempo que laça, você cria elos e eles são cada vez mais surpreendentes.

    Aprecio a maneira surreal nesse contato extraterreno fantástico que você desenha com muita propriedade.

    Estou a espera de conhecer as outras ilhas desse arquipélago rs... Será que elas também guardam algum mistério?

    Estou aqui, no camarote da ala norte, tomando meu chá com uma pedaço de tortelette folhada com creme e chantily, simplesmente porque a leitura está se transformando em espetáculo.
    bacios da fã

    Lu C.

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