segunda-feira, 10 de março de 2014

A Ilha Sem Barcos - Parte IV





E "eles" mandaram o vento, como Rosalba havia pedido. 

O mar enfureceu-se, e a pequena embarcação singrava as ondas com violência, enquanto Liana, apavorada, arrependia-se de sua escolha. Décio tentava acalmá-la, mas ele mesmo estava quase perdendo a cabeça. Olhou para a costa já muito distante, e viu que de nada adiantaria voltarem. Perguntou a Carlos, erguendo a voz acima do vento e do barulho das ondas, se ainda faltava muito para chegarem à Fiorde. Carlos olhou-o e respondeu que ainda tinham trinta minutos ou mais pela frente, dependendo de se as águas acalmariam ou não. Ele parecia sereno, acostumado que estava aos ventos e humores do mar. Sabia que uma tempestade se aproximava, mas preferiu não dizer nada aos seus passageiros, pois não queria causar-lhes pânico. Achou que chegariam à ilha bem antes da tempestade, e poderia passar a noite por lá, retornando na manhã seguinte à Pérola.

Mas seus cálculos de velho lobo do mar mostraram-se totalmente equivocados quando, de repente, um vento mais forte literalmente ergueu o barco sobre as ondas, e ele caiu novamente sobre águas duras como pedra. Décio e Liana usavam coletes salva-vidas, e quando ambos foram erguidos e arremessados de volta ao fundo do barco com toda força e ela gritou, ele lembrou-a de que mesmo se caíssem, estariam seguros - embora ele mesmo não acreditasse no que dizia. O rosto de Carlos mostrava toda a preocupação que sentia; já não conseguia disfarçar sua apreensão.  Nunca vira uma tempestade chegar tão de repente. Tentava controlar o barco, mas a tarefa tornava-se cada vez mais difícil. Apesar de experiente, Carlos não estava preparado para aquela tempestade infernal que viera bem  mais cedo e bem mais forte do que esperava.

Os dedos de Décio e Liana estavam brancos devidos à força com que seguravam-se na beirada do pequeno barco. Uma das malas caiu no mar, e Liana viu suas melhores roupas navegarem para longe dela para sempre. Décio, de olhos arregalados, tentava ver atrás de si o que Carlos estava fazendo a fim de controlar o barco, mas não atrevia-se a largar a beirada na qual se segurava. Rajadas violentas de água atingia-lhes em cheio, e ambos estavam encharcados e quase congelando de frio.

* * *


Enquanto isso, no Hotel Miramar, Nina olhava pela janela a chuva torrencial que caía, e sabia que as preocupações e preces de Cecília não eram exageradas. 

* * *


Em sua casinha, Rosalba escutava a tempestade que caía lá fora, e tendo enchido uma bacia d'água que pusera no meio da sala, colocou dentro dela um pequeno barquinho de madeira que ela mesma confeccionara, e com o qual brincava. Agitava as águas com uma das mãos, e com a boca, imitava o ruído do vento. De vez em quando, ela ria alto, um riso de puro sarcasmo. Seus olhos injetados mal piscavam; ela parecia estar em transe sob a luz fraca das velas acesas. O vento entrava pelas gretas, e ela o convidava para brincar com ela.


* * *

Cecília pensava na precipitação e infantilidade de Liana, querendo, à todo custo, deixar a ilha assim tão de repente por causa de um incidente com uma moça que não tinha controle sobre o que fazia ou pensava. Mais ainda, lamentava a decisão de Décio ao concordar com a esposa, cedendo aos seus caprichos e mimando-a como se ela fosse uma criança ranheta. Achava que ele deveria tê-la confrontado; afinal, iriam embora na manhã seguinte. Não era necessário que saíssem tão de repente. 

Mas mesmo tendo estes pensamentos, ela não conseguia deixar de temer por eles, lamentando o perigo que corriam e tentando imaginar o quanto Liana, que ela percebera ser uma jovem mimada, imatura e voluntariosa, poderia estar apavorada naquele mesmo instante. Só restava-lhes rezar e confiar na experiência de Carlos - apesar de achar que ele fosse um pescador um tanto atrevido que vivia arriscando-se em alto mar sem a menor necessidade. Cecília tentava não pensar em sua última visão. Pensando bem, o que ela havia visto? Apenas dois rostos apavorados, além de ouvir  a voz de Ian gritando. E nem era Ian que estava pilotando o barco, e sim, Carlos.

* * *

Rosalba anda brincava com seu barquinho. Com as mãos molhadas, afastou do rosto uma mecha de seu cabelo desgrenhado. Murmurou os seguintes versos :

"Quinze ilhas no arquipélago
Todas elas habitadas
Mas há a décima sexta,
Onde não existe nada...

"Uma moça bem malvada,
E seu príncipe encantado
Navegaram para o mar,
E lá ficaram encalhados...

"Na décima-sexta ilha
Há muitos séculos perdida
Ninguém pisa há tanto tempo,
Que ela já foi esquecida...

"Nem no mapa ela se encontra,
De tão assombrada que é...
Para lá levam as ondas
Tudo aquilo que não é...

E de repente, com um gesto brusco das mãos, Rosalba agitou a água da bacia com toda força, afundando o barco. Minutos depois, ela enxugou as mãos e deitou-se em sua cama, cobrindo-se com suas cobertas sujas e velhas.





4 comentários:

  1. Menina contadora de lindas histórias, um barco perdido, mapas que desnorteiam e seres encantadores... Ana minha doce amiga, estou voltando com o blog, e enviando o link do seu blog para uma amiga que ama sereias, ela também está desenvolvendo um tema tão belo quanto o seu, tenho certeza que serão boas amigas. Que Deus te abençoe, muitos beijos...

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  2. Uma bela história,mas a tal garota ela é muito mau!!
    Na verdade ela é uma bruxa!! Ela trouxe o vento,fez o mar ficar violento,e no final,enviou o barco para a ilha perdida.
    Adorei Ana,beijinhos.

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  3. ELA AGE COMO NADA TIVESSE ACONTECIDO NE??
    ADOROOOOOOOOOOO.
    ANA VC E DEMAIS.
    BJS!!

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  4. Boa tarde,
    Encantado pela historia que escreve, a garota que não consta do mapa certamente que era inteligente com olhos lindos.
    Abraço
    ag

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