domingo, 23 de março de 2014

A Ilha Sem barcos - Parte VIII




Na Ilha, Liana pensava no sonho que tivera com sua irmã há alguns dias. Lembrou-se de  Diana, e do quanto ela fora um obstáculo em sua vida. lembrou-se - não sem uma certa culpa- do alívio que sentira quando ela, após uma doença prolongada, finalmente morrera. Só então Liana pode ver-se livre de seu fantasma e dos embaraços que ela lhe causava, e ainda mais: ter para si a atenção dos pais. Pena que sua mãe morreu logo depois da irmã. 

Um sol pálido flutuava no céu, e ventava frio. Liana caminhava pela praia, e ao fazer as contas, descobriu que já estavam perdidos naquela ilha há quase vinte dias. Conseguiram sobreviver graças à presteza de Carlos (pensava em dar-lhe uma recompensa financeira assim que fossem salvos).

 E ali, naquele lugar ermo e deserto, teve a chance de ficar mais tempo perto do marido. Começou a perceber o quanto ele lhe era fiel, jamais questionando suas vontades e fazendo de tudo para que ela fosse sempre poupada dos trabalhos mais pesados, mesmo tendo que trabalhar mais que o dobro para ajudar Carlos nas tarefas de caçar, pescar, colher frutos, juntar lenha, cozinhar e limpar a casa. No começo, toda aquela atenção e dedicação deixaram-na muito confortável, mas com o tempo, Liana começou a sentir-se entediada. Conviver com Décio era o mesmo que conviver com sua própria sombra. Jamais discutiam, pois ele sempre cedia às suas vontades, sem nunca questioná-las. Pensou que se estavam naquela situação, a culpa tinha sido dele, pois concordara com ela em viajar mesmo com a ameaça de tempestade.

Estava perdida em seus questionamentos quando percebeu - e desta vez, não estava sonhando - que Diana caminhava logo atrás dela. Como no sonho, tentou sair correndo, mas a outra a seguiu de perto, até que finalmente, agarrou-a pelo ombro, obrigando-a a parar e olhar para ela. Liana estava apavorada! Mas quem não ficaria, ao estar cara a cara com a irmã morta?! Arfando, Liana desvencilhou-se da mão firme da irmã, e soltou um grito de pavor com toda a força de seus pulmões. Lá na casa, Décio e Carlos a ouviram, e correram na direção dela. Quando viram, ao longe,  a moça parada junto a ela, os dois estancaram.

Diana sorriu para a irmã. balbuciou com a mesma voz fraca que tivera:

-Diana perdoa Liana. Liana precisa contar a verdade ao Décio! Se Liana não conta, Diana vi contar.
-Não! Vá embora! Você não existe!

A outra pareceu triste, o sorriso morrendo aos poucos:

-Diana existe! Mas Liana sempre gostou de fingir que não. Eu sou sua irmã, e você é parte de mim. Não pode esconder Diana para sempre. Nós somos iguais, lembra? Papai dizia. Mamãe dizia.

Diana estendeu a mão e acariciou o rosto de Liana suavemente. Ela desmaiou.

Décio e Carlos despertaram-na com a água fria do mar jogada em seu rosto. Liana abriu os olhos, e viu os dois debruçados sobre ela. Olhou em volta, sentando-se de repente. Carlos perguntou-lhe:

-Quem era quela moça? Parecia-se com você... de onde ela veio? Simplesmente sumiu no ar! 
Décio olhava em volta, tentando encontrar pegadas ou qualquer sinal da outra. nervosa, Liana murmurou:

-Vocês a viram também? Então não estou louca!

Décio abraçou-a, mas ela desvencilhou-se dele. Surpreso, ele ficou olhando para ela, esperando qualquer dica sobre como deveria agir. Com a voz insegura, perguntou:

-Quem é ela, Liana? E como ela chegou aqui? Aonde ela está?

Liana suspirou fundo. 

-Vocês não acreditariam se eu contasse. Mas mesmo assim, eu vou tentar. Ela é... ela foi minha irmã gêmea, Diana.

Décio ficou boquiaberto. Carlos escutava a conversa, tentando entender melhor.

-Não sabia que você tinha uma irmã. Muito menos, uma gêmea. Por que nunca me contou?

Carlos cortou-o:

-Espere aí... você disse que ela foi sua irmã? Como assim?

-Ela... Diana tinha deficiência mental. Morreu há alguns anos.

Os dois se entreolharam. Carlos parecia incrédulo, e não tentou esconder sua incredulidade, sacudindo a cabeça e dando um leve sorriso sarcástico. Décio deu um passo na direção de Liana, e ela deixou-lhe segurar sua mão. Ele olhava para ela como quem olha para uma pequena e frágil flor que a qualquer momento pode ser levada pelo vento. Aquela condescendência pareceu irritá-la, pois ela virou o rosto, evitando encará-lo.

-Explique esta história melhor, Liana. 

-Eu nunca lhe contei pois tive medo que você não quisesse se casar comigo. Como meu ex-noivo. mas acho que agora isso não é tão importante; o que importa é descobrirmos quem está se fazendo passar por minha irmã, e porquê. Pois a minha irmã está morta.

-Então... foi por isso que você teve aquela reação intempestiva ao ver Rosalba! Agora eu finalmente compreendi...

A cabeça de Décio dava mil voltas. Acabara de descobrir um segredo importante sobre a vida da esposa, e ainda não tinha conseguido digerir aquela informação. Nem sequer pensava no que a esposa tinha acabado de dizer sobre alguém estar se passando pela sua irmã falecida.

Eles foram caminhando devagar pela areia, abraçados. Carlos seguia adiante deles. Pensava que estava farto daqueles dois riquinhos problemáticos e cheios de mania. Pensava também que no dia seguinte começaria a construir uma jangada que os tirasse dali. 

Mas ao chegarem à casa, tiveram uma chocante surpresa: de pé, junto à janela, esperavam por eles Vitória (mãe de Décio) e Diana.

* * * *

Na Ilha de Pérola, Cecília e Genaro almoçavam juntos. Nina não estava se sentindo muito bem, e ficara no quarto, tomando a sopa que Cecília lhe preparara. Antônio tinha saído para uma caminhada pela praia. Todos estavam preocupados com ele, pois conforme os dias passavam e não havia notícias, mais calado e arredio ele se tornava. Na noite anterior, porém, ele falara-lhes sobre a filha morta. Todos entenderam então a aversão que Liana sentira quando vira Rosalba.

Após o almoço, Cecília abriu uma garrafa de vinho tinto e eles foram sentar-se junto à lareira. Genaro finalmente rendera-se ao fato de que gostava muito da companhia de Cecília, e que ela o atraía como mulher. Ela, por sua vez, não tentava mais disfarçar a paixão que sentia por ele. Toda aquela espontaneidade culminou em uma tarde na cama, enquanto a chuva batia na vidraça. À noite, eles anunciaram à Nina e Antônio que estavam juntos.

* * * *

(continua...)



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