quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Minhas Tias - Parte VI




Eu lutava para controlar meu impulso de mencionar Tia Rosana, pois gostaria muito de saber qual seria a reação de meu pai e tia Olga quando eles soubessem que estivera com ela. Mas só me contive porque havia prometido não mencionar nada enquanto ela não me autorizasse.

Eu me perdia no relatos de tia Olga sobre seus restaurantes, suas comidas, seus pratos preferidos pelos clientes. Ganhara muitos prêmios e fora entrevistada em vários programas fora do país. Eu via que ela se orgulhava muito de sua profissão, e percebia, entre as linhas de suas histórias, uma pessoa doce mas ao mesmo tempo, muito firme. Ela parecia ser a mais forte entre as três irmãs que eu já conhecia(eu ainda não conhecia a última delas). Mas apesar da conversa interessante, eu percebia que papai e Nana estavam muito desconfortáveis. 

A certa altura, ao notar que tia Olga não tinha a menor intenção de retirar-se antes que o almoço fosse servido, Nana, a contragosto (só eu consegui ver seu mau humor por trás do gentil sorriso, pois a conhecia bem) chamou-nos todos para a mesa de almoço. Ela tinha preparado salada verde e  macarronada com um molho grosso de tomates, vinho tinto e queijo gorgonzola, uma receita simples para o almoço de um dia de semana.

Tia Olga serviu-se, comendo devagar, e apreciando a massa muito bem feita de Nana. Elogiou-a, e vi que as maçãs do rosto de nana coraram de satisfação - afinal, sua comida  estava sendo elogiada por uma das maiores "chef de cuisine" do mundo! 

Após o almoço, nos dirigimos para a varanda - estava calor, e papai achou que seria confortável sentarmo-nos à sombra. Mesmo tentando ser gentil, sua calma artificial era óbvia, e ele começou a olhar seu relógio de pulso várias vezes. Eu nunca tinha visto meu pai tão tenso, a não ser durante a doença de minha mãe!

As sombras da tarde avançavam sobre nós. Eu e tia Olga tínhamos muito a conversar, a tal ponto, que eu achava a presença de meu pai dispensável, mas por algum motivo que só eles conheciam, eu sabia que ele não queria que nós duas ficássemos a sós. Achei estranho que, mesmo após tantos anos sem termos notícias dela, tia Olga não mencionou minha mãe - sua irmã- nenhuma vez. Não quis saber do que ela morrera, ou como tinha sido a sua vida. Aquilo deixou-me um tanto intrigada, mas achei melhor não dizer nada; afinal, eu nem sequer a conhecia, e não sabia dos motivos que ela tinha para tal. Uma luta silenciosa estava sendo travada naquela varanda. parecia-me que tia Olga tinha algo muito importante que ela queria me dizer, mas meu pai estava ali para garantir que ela não o fizesse. Os dois fuzilavam um ao outro com o olhar, por cima dos sorrisos educados. Talvez pensassem que eu não percebia nada.

Após o almoço, Nana retirou-se para a cozinha e não voltou. Eu escutava o som dos pratos e talheres sendo manuseados, e mais tarde, senti o perfume de um de seus bolos perfeitos saindo do forno. 

De repente, minha tia Olga, em tom saudoso, perguntou:

-Rodrigo... aquele banquinho de pedra sob o qual costumávamos nos sentar, sob as roseiras... ele ainda existe?

Vi que meu pai estava à beira do pânico. Abriu a boca para responder, mas sua voz não saiu. Achei que precisava ajudá-lo:

-Existe sim, tia Olga, sei do banquinho que você menciona porque vi muitas fotos onde ele aparece. Além disso, eu e meu pai adoramos nos sentar nele, até hoje.

Ela pareceu muito emocionada, e assentiu com a cabeça. Nana chegou, limpando as mãos em um avental, e nos chamando para um café com bolo. Tia Olga ignorou-a solenemente, e pegando a minha mão, pediu:

-Você me leva até lá?

Nós nos levantamos, e vi que papai ia nos seguir, mas tia Olga o deteve:

-Se você não se importa, Rodrigo, eu gostaria de ficar sozinha com minha sobrinha um pouco.
-Mas Olga, Nana está chamando para o café...

-Eu sei, e não vamos nos demorar muito. 

O tom de voz de minha tia era imperativo, e vi meu pai literalmente murchar de tanta impotência. O pavor nos olhos dele era gritante. Certamente, ele temia que ela me contasse alguma coisa. 

Nós descemos os degraus da varanda, e fomos caminhando de braços dados pelo jardim até a lateral da casa, onde estava o banquinho coberto pelas roseiras brancas, que estavam muito floridas naquele dia. Sentamo-nos sob ele, e tia Olga deu um longo suspiro. Seu rosto parecia melancólico, mas não chegava a estar triste. Acho que as lembranças que chegavam até ela naquele instante eram coisas muito alegres, pois ela às vezes sorria discretamente.

Após um tempo de silêncio, ela me olhou:

-Sarah foi uma boa mãe para você?

Achei a pergunta muito estranha, mas respondi:

-Minha mãe era excelente pessoa. Só não foi boa consigo mesma. Levou uma vida triste e solitária. Eu gostaria que ela tivesse participado mais de minha vida, mas eu sei que ela não podia... sofria de depressão profunda!

Tia Olga não pareceu nada surpresa. 

-Uma pena que vocês não se falavam, tia...

Ela encolheu os ombros:

-Também acho. Mas o isolamento não partiu de mim, Alana. Ela quis assim. Sua mãe carregava muita culpa dentro de si... por isso ela era tão triste, e decidiu isolar-se do mundo...

Ela viu, pela minha expressão de surpresa, que eu não sabia da história delas. Eu mal conseguia segurar a minha ansiedade.

-Mas por que vocês se afastaram? O que aconteceu?

Ao invés de responder à minha pergunta, tia Olga disse:

-Gostaria de ensiná-la a cozinhar um prato muito especial, Alana. 

-Não mude de assunto, por favor! Pensei que tivesse vindo aqui para contar-me a verdade.

Meu tom de voz foi rude. Ela pareceu magoada:

-E eu pensei que você soubesse da verdade. Ninguém contou pra você, não é? Que direito tenho eu de vir aqui hoje, após todos estes anos e jogar uma pedra no lago tranquilo que é sua vida?

-Lago tranquilo?! Você não faz ideia! Nunca pude trazer um amigo em casa, e andava nas pontas dos pés por causa de minha mãe. Ela nunca compareceu a uma reunião da escola, ou foi me ver dançar. Tive sonhos estranhos a minha vida toda! Minhas colegas de escola me achavam esquisita e muitas me evitavam... e você me fala em lago tranquilo? Minha vida só será tranquila quando alguém me contar a história da minha vida! Pois eu sinto que a nossa história está entrelaçada!

De repente, eu estava chorando e falando alto. Minha voz atraiu papai e nana, que vinham em nossa direção. Minha tia levantou-se quando meu pai chegou, puxando-me para junto dele de uma forma possessiva:

-O que você está fazendo, Olga? Por que veio aqui, e o que disse a ela?

Afastei-me de meu pai, e tia Olga disse, entre lágrimas:

-Você um dia vai ter que contar a verdade à sua filha, Rodrigo! Pretende enganá-la a vida inteira? Sara está morta! O passado acabou agora. Não há nenhum motivo para que vocês continuem...

Meu pai gritou:

-Chega! Vá embora daqui agora, e jamais volte!

Em toda a minha vida, eu nunca escutara meu pai erguer a voz com ninguém. Tia Olga ficou calada, olhando para ele de olhos arregalados. Quando ela se virou para ir embora, após acariciar meu rosto de leve, eu a impedi, segurando-lhe o braço:

-Não, tia. Eu quero saber a verdade, e quero saber agora! pai, eu não vou admitir que minha tia saia desta casa sem que vocês me contem o que aconteceu entre vocês.

Nana estava boquiaberta. Nada dizia. Com apenas um olhar, meu pai pediu a ela que se retirasse. Depois, fez sinal para que eu e minha tia nos sentássemos. Uma roseira desfolhou-se e as pétalas moles caíram sobre o colo de tia Olga, manchas brancas sobre seu vestido escuro. Achei que era um presságio. Nós nos entreolhamos.

(continua...)







2 comentários:

  1. Bom dia Ana,
    Belíssimo romance, que vai deixando que esperemos o próximo capítulo com ansiedade.
    Sou sincera, sou impaciente. Estava esperando que fosse concluído para ler tudo duma vez só, mas hoje não resisti. Mas fica-me sempre aquele nervoso miudinho de quem quer ver logo o desfecho. Por isso, apresse-se, por favor. :)
    Muitíssimo bem escrito, mas não precisa que lho digam, certamente.
    Bjo amigo

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  2. Fica sempre o sabor do desejo de conhecer o fim da história...

    Deixo cumprimentos

    Querendo, visite(m) - me

    http://pensamentosedevaneiosdoaguialivre.blogspot.pt/

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