terça-feira, 20 de outubro de 2015

A OUTRA MARGEM - PARTE V






Cláudia estreitou os olhos maliciosamente, e disse:
-Bem, se me permite uma sugestão, pegue a presilha e use-a normalmente na próxima vez que estiver com Joana, mas não diga nada. Ela certamente vai ficar muito confusa, e caso ela pergunte como a encontrou, sorria e diga que a achou em alguma gaveta em sua casa. |Se existe uma coisa que eu aprendi na vida, querida, é que a fim de lidar com gente maluca e maldosa, a gente tem que aprender a ser um pouco maluca e maldosa também. 

Rayssa riu, jogando a cabeça para trás e relaxando no banco do carro. Olhou para Cláudia, desta vez, sem deixar que um muro defensivo se erguesse entre elas, e notou que a moça na sua frente, além de muito bonita, era espirituosa e inteligente. Agradeceu-a:

-Obrigada, Cláudia, você é uma pessoa muito legal. Agora eu sei exatamente o que o Luciano viu em você.

A outra encolheu os ombros:

-Seja lá o que for, você tem em dobro! E olha, eu e o Luciano não temos mais nada a ver, aliás, acho que na verdade, nunca tivemos muitas coisas a ver... objetivos diferentes, acho que foi só uma paixão, que teria acabado mesmo sem a interferência de Joana. Ele era muito imaturo e ciumento naquela época, e eu também. Mas vocês tem tudo, não deixe que ela estrague! Agora me deixe levá-la em casa.

Quando chegaram em frente à casa de Rayssa, ambas trocaram telefones antes de se despedirem.

Quando Luciano voltou de sua viagem, na segunda-feira pela manhã, encontrou sua esposa trabalhando ao computador, usando a presilha de cabelo. Ele a abraçou por trás, dando-lhe um beijo no pescoço, e Rayssa levantou-se para abraçá-lo melhor:

-Bem vindo de volta, amor. Como foi tudo?

-Bem, graças a Deus. Vejo que encontrou sua presilha!

Ela levou a mão ao cabelo, instintivamente, dando uma risadinha sem-graça. Não gostava da ideia de ter que mentir ao marido, mas compreendeu que era melhor que Luciano não soubesse da verdade.

-Ah, é... ela estava por trás da gaveta, tive que tirá-la do lugar para desprender uma peça de roupa, e achei a presilha. 

-Fico feliz, pois sei o quanto você gosta dela. E como foi  a tarde de sábado?

Rayssa notou uma certa apreensão nos olhos dele ao fazer a pergunta. Sorriu, enquanto encaminhava-se para a cozinha, pois ela não se sentia nada confortável olhando-o de frente enquanto mentia para ele pela segunda vez em menos de cinco minutos. Tentou soar casual:

-Foi tudo bem. Sua mãe fez aquele bolo de chocolate com cenoura maravilhoso... a propósito... conheci sua ex, a Cláudia. Ela estava lá.

-O que?! Mas como...
-Não se preocupe, está tudo bem, Luciano. Ela apareceu para uma visita, com certeza não sabia que eu estaria lá. E achei a Cláudia uma pessoa muito legal. Gostei dela. Sério! Ela até me trouxe em casa de carona.

Luciano, boquiaberto, passou a mão pelo cabelo:

-Você, sempre me surpreendendo!
-Agora vamos tomar o café da manhã antes de você ir para o trabalho.
-Tenho uma surpresa: Como trabalhei no final de semana, terei o dia de folga.
-O dia inteirinho?
-Hum-hum... e quer saber o que planejei fazer o resto do dia, aproveitando o friozinho e a chuva fina?

Rayssa fez um ar malicioso, abraçando o marido:

-Hum... posso imaginar...

Naquele momento, o telefone tocou. Luciano foi atender, e viu o número da mãe no identificador de chamadas:

-É a mamãe. Acho melhor atender.
-Claro!

Joana, do outro lado da linha, esperava desfrutar do resultado de sua pequena intriga, e ficou surpresa ao ouvir a voz animada do filho:

-Olá, mãe. Ia mesmo ligar para a senhora. Está tudo bem?
-Aqui, tudo bem, dentro do possível, é claro... e aí, filho? Está tudo bem? Notei que Rayssa estava um pouco tristinha no sábado.
-Com certeza, ela sentiu minha falta. Aqui está tudo ótimo. Vou tirar o dia de folga, já que trabalhei no final de semana.
-Que ótimo! E o que acha de darmos uma passadinha aí no final da tarde, ou para almoçarmos juntos? Podemos ir a um restaurante!

Luciano olhou para Rayssa, enquanto ela arrumava a mesa para o café, e mais uma vez notou o quanto ela era linda, a blusa de lá macia e larga deixando à mostra um de seus ombros. Suspirou fundo:

-Mãe, podemos deixar isso para outro dia? Planejei ficar em casa... a sós com minha esposa.

Ao ouvir aquilo, Rayssa virou-se e sorriu para ele. Sabia o quanto Joana ficaria furiosa com a resposta do filho, e aquilo fez com que sentisse um sabor de vitória. Do outro lado da linha, Joana tentou conter seu desapontamento, mas não pode deixar de forçar  um tom magoado:

-Hã... está bem então, filho. Eu entendo... eu e seu pai podemos esperar... (e falando bem baixinho): Ele está aqui, e manda um beijo. É bom saber que ele se lembra de você, todos os dias. Acho que você deve aproveitar estes momentos, filho, pois em breve ele não mais se lembrará de você, ou de mim...

Rayssa viu o sorriso de Luciano desfazer-se, e  perguntou a si mesma o que a megera tinha dito a ele. Ela piscou para ele, tentando animá-lo, e ele pigarreou:

-Amanhã eu dou uma passada aí, mãe.

Luciano desligou, respirando fundo. Rayssa notou que ele se sentia culpado por não ir visitar os pais. Caminhou até ele, e abraçou-o:

-Querido, se quiser visitar seus pais, eu vou entender... 

-Não, amor. Amanhã eu vou, após o trabalho, e jantaremos juntos. Se quiser, pode ir também. 

Ela pensou que seria uma oportunidade de usar sua presilha na frente de Joana, e sentiu-se mal por aquele pensamento. Quando foi que ela se tornara uma pessoa vingativa? Entretanto, lembrou-se do que Joana tinha tentado fazer com ela, usando Cláudia sem o menor sinal de escrúpulos, e aquilo a deixou mais forte. 

-Claro, vamos jantar com seus pais amanhã. Mas hoje, eu quero um outro tipo de refeição...

. . . . . . . . 

Mais tarde, quando ambos estavam aconchegados na cama e a chuva escorria na vidraça, Luciano parecia pensativo e distante, enquanto acariciava o braço de Rayssa suavemente. Ela tentava prestar atenção ao filme que começara na TV e que ambos tinham combinado de assistir juntos, mas não conseguia concentrar-se, pensando na noite do dia seguinte. Qual seria a reação de Joana ao vê-la com a presilha?  Enquanto isso, Luciano pensava em Cláudia, a quem não via há alguns anos, e na coincidência de sua visita na casa dos seus pais. Alguma coisa lá dentro da sua cabeça lhe dizia que poderia não ter sido apenas uma coincidência, mas ele tentava socar aquela ideia para o fundo da mente. Sabia que Cláudia não o amava mais, e que ela não era o tipo de pessoa que armava intrigas... ao pensar aquilo, concluiu que se havia algum tipo de intriga naquela história, com certeza, não viria da parte da ex-noiva... ao concluir seu pensamento, varreu-o para longe com um longo suspiro, mas flashes de seu antigo relacionamento continuavam a vir à tona. 

Lembrou-se de uma noite em especial, na qual tiveram uma briga feia, uma discussão que foi o pivô da separação dos dois. Naquela época, tudo pareceu muito claro para ele, mas agora, de cabeça fria, Luciano analisava melhor a situação:

Era véspera de ano-novo. Ele e Cláudia estavam na casa dos pais, antes de irem a uma festa, e o telefone de Cláudia tocou. Ela verificou a chamada, fazendo uma cara intrigada, e desligou. Aquilo aconteceu mais duas vezes, e Luciano viu-se perguntando quem estava ligando, e ela disse que era engano, pois não conhecia o número. Naquele momento, Joana interferiu (ela sempre se metia nas conversas deles) e sugeriu que então ela deveria atender a ligação e esclarecer a pessoa que estava ligando sobre o engano. Naquele momento, o telefone tocou outra vez, e mais uma vez, Cláudia desligou, corando, e então desligou o aparelho de vez. 

Joana olhou para ele significativamente, erguendo uma sobrancelha, mas nada disse. Mais tarde, quando Cláudia retirou-se para ir ao banheiro retocar a maquiagem antes de sairem, Joana insistiu para que o filho verificasse de onde partiram as ligações. Ele se recusou, a princípoio, mas ficou com aquele pensamnto na cabeça durante toda a festa a qual compareceram. Quando chegaram no apartamento dela, onde eles tinham combinado de passar o resto da noite, Luciano esperou que Cláudia fosse tomar banho e então pegou o telefone na mesa de cabeceira. O que ele viu deixou-o estarrecido: as ligações vinham de Nando, um ex-namorado de Cláudia, que de vez em quando ainda tinha o mau gosto de dar em cima dela. Certa vez, Luciano encontrou-os conversando em uma esquina, próximos ao escritório onde Cláudia trabalhava, e após ser confrontado com a petulância do rapaz, ele e Cláudia tiveram uma briga por causa de ciúmes.

Enquanto Luciano lembrava-se de tudo, nem sequer suspeitava que, do outro lado da cidade, Cláudia também pensava naquelas brigas que havia tido com o ex-noivo; a história entre eles acabou da seguinte forma:

Naquela noite da festa de ano novo, Cláudia voltou do banheiro embrulhada em uma toalha, e quando viu Luciano segurando seu celular, estancou no meio do quarto, muda de indignação:

-Mas... quem te deu autorização para bisbilhotar meu celular, Luciano?

Ele não respondeu:

-Engano, hein? Seu queridinho ligou para você cinco vezes hoje, e você teve a cara de pau de me dizer que foi engano, de que não sabia de quem eram as chamadas? Você mentiu para mim, Cláudia! Por que?

-Em primeiro lugar, eu não atendi as ligações, e nem vou atender, porque não tenho mais nada com ele, e nada do que ele tenha a me dizer me interessa. Em segundo lugar, eu não admito ser vigiada! Se menti para você, foi para evitar o que está acontcendo agora. Não queria brigar!

Luciano levantou-se, começando a vestir-se com raiva:

-Pra mim, já deu, Cláudia. Esse cara fica andando atrás de você o tempo todo, e você "Não sabe o motivo!" Já vi vocês juntos duas vezes na última semana, e agora essas ligações. 

-Espere um momento! Você não nos viu "juntos!" Foi uma coincidência!

-Ah, é mesmo? Coincidência ele estar malhando justamente na academia onde você malha, depois de você ter se mudado para não encontrar com ele? Coincidência, de ele aparecer naquele restaurante afastado da cidade, sentar-se na outra mesa e ficar trocando olhares com você o tempo todo, como se eu não estivesse ali? Eu deveria ter quebrado a cara dele! E a sua!

Cláudia sentiu o rosto ficar vermelho:

-Hei, alto lá! Como é que é?! Você acaba de dizer que deveria ter batido em mim? É isso mesmo?!

Luciano não respondeu, e saiu, batendo a porta. Certamente, o que ele dissera apenas saiu de sua boca em um momento de muita raiva e confusão. Ele jamais seria capaz de tocar em Cláudia, e ele sabia que ela sabia disso. 
Depois daquela briga, eles ainda tentaram conversar e reatar, mas o que ele dissera ficava martelando na cabeça de Cláudia, erguendo-se como uma parede entre eles. Para arrematar aquela situação, numa noite em que Luciano foi ao apartamento de Cláudia, deu de cara com Nando quando a porta do elevador abriu. O rapaz olhou-o com sarcasmo, e rindo, dirigiu-se à porta. Luciano seguiu-o. Ambos rolaram no chão em uma feia briga, mas Nando conseguiu fugir, entrando em um táxi. Transtornado, Luciano foi até o apartamento de Cláudia, que estava de camisola assistindo a um filme. Ao ver o noivo com as roupas amarrotadas e o nariz sangrando, ela ficou chocada, e perguntou o que havia acontecido. As lágrimas começaram a rolar no rosto de Luciano, enquanto ele sentia o perfume dos cabelos dela, recém-lavados, e imaginava o que havia acontecido no apartamento. Cláudia fez sinal para que ele entrasse, mas Luciano esquivou-se do abraço dela, o rosto vermelho. Cláudia não entendia o que poderia ter acontecido, até que ele começou a falar, a voz embargada:

-Você desceu ao último degrau da degradação, Cláudia... como foi que eu pude... como foi que... você dorme com esse ... esse CARA, minutos antes de saber que eu estou para chegar?

-Como? Do que você está falando, Luciano? Acho melhor a gente entrar para conversar, e...

Ele gritou:

-Não tem mais conversa!Não tem mais conversa, Cláudia. Eu só vim aqui para olhar nessa sua cara de fingida, para ter certeza do quanto eu fui um idiota! Você me traiu...

-Eu?! Mas... como... o que... Luciano, eu...

-Eu acabo de cruzar com seu amante saindo do elevador... seu Nandinho...

Cláudia arregalou os olhos, e embora tentasse articular as palavras, elas não saiam. Ela não conseguia compreender o que o noivo tinha acabado de dizer. Ele encontrara com Nando em seu prédio? Saindo do elevador? Os dois tinham brigado, e por isso Luciano estava naquele estado? E o que Nando estaria fazendo ali, àquela hora?

Enquanto ela tentava pensar em tudo aquilo, Luciano virou as costas, dizendo-lhe que tudo estava acabado entre eles, e que ela jamais voltasse a procurá-lo. De repente, Cláudia caiu em si, e mesmo de camisola, correu atrás dele, descendo os dois andares pelas escadas, já que ele havia tomado o elevador, e conseguiu chegar junto com ele até a portaria, gritando que não sabia o que nando estivera fazendo no prédio, e que ele precisava acreditar nela. Mas nervoso, Luciano acabou dando-lhe um empurrão, e Cláudia, perdendo o equilíbrio, quase caiu. Imediatamente, ela lembrou-se de quando ele dissera que deveria ter batido em Nando e até mesmo nela, naquela noite no restaurante. Aquilo fez com que ela se recompusesse e voltasse para casa, nunca mais desejando encontrar com ele novamente.

Alguns meses depois, enquanto tomava alguns drinks em um bar, Cláudia conheceu por acaso, Roberta,  a outra ex-namorada de Luciano. As duas tornaram-se amigas quase imediatamente, e após alguns minutos de conversa, saíram do bar e foram dar uma caminhada pela calçada, já que a noite estava fresca e agradável. A semi-escuridão levou-as a fazer confissões uma a outra, e acabaram tocando no assunto 'relacionamentos.' Conforme Roberta contava a ela sobre seu penúltimo namorado, Cláudia ia identificando alguns pontos com o relacionamento que tivera com Luciano. Quando Roberta chegou no assunto da sogra obstinada em separar o casal, sem querer disse o nome da sogra: Joana. Dali em diante, ambas souberam que falavam das mesmas pessoas.

Roberta contou-lhe que tinha namorado Luciano durante quase seis meses, e que desde a primeira vez que visitou os pais dele, notou que Joana era dissimulada, exagerando nos agrados e chamando-a de queridinha o tempo todo, esquecendo-se do seu nome mais do que seria normal. Roberta percebeu que, através daquilo, Joana tentava demonstrar que ela seria apenas mais uma namoradinha de seu filho, mas levou em conta o fato de Luciano ser filho úncio, e não deu importância aos ciúmes da sogra. Até que os ataques começaram a ficar mais efusivos.

Quando Luciano estava presente, Joana a tratava bem, mas bastava ele virar as costas e ela cobria Roberta de insinuações e indiretas ofensivas a qualquer oportunidade. Roberta tentou conversar com Luciano a respeito, mas ele não acreditava nela, dizendo que ela estava exagerando. Um dia, Joana fez insinuações sobre a reputação da mãe de Roberta, que havia sido uma dançarina e atriz de teatro quando jovem, e Roberta empertigou-se:

-Escute aqui, Joana, enquanto você estava ofendendo a mim, eu pude suportar, mas eu não vou admitir que você diga qualquer coisa que possa vir a ofender a memória de minha mãe!

Luciano chegou naquele momento, e Joana começou a chorar imediatamente, dizendo-se muito ofendida, e que fora agredida verbalmente por Roberta. Luciano tomou as dores da mãe, enquanto Roberta saiu, batendo a porta e decidida a não levar mais aquele relacionamento adiante, e dizendo a si mesma que era melhor agora, antes que ele ficasse sério. Não conseguia ver a si mesma passando o resto da vida sendo insultada por Joana, e sem ter o menor apoio de Luciano para defendê-la. Ela tentou explicar a ele o que vinha acontecendo quando ele a procurou no dia seguinte. Luciano desculpou-se pela mãe, e pediu-lhe que tivesse mais paciência.  Mas Roberta era jovem e queria ser feliz. Olhando para trás, vira que não se sentiria feliz fazendo parte daquela família. Luciano foi embora triste, mas nunca mais voltou  a procurá-la.

(continua...)






3 comentários:

  1. Dou minha opinião sim, Ana. Este modo de escrever, por partes, não dá certo. Esquecemos o que passou e o assunto fica oco. Como eu dizia há anos, SMJ - Salvo melhor juízo.
    Meu abraço.

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    Respostas
    1. Se fosse verdade, Carlos, ninguém assitiria às novelas ou aos seriados de TV.
      Antigamente, as histórias eram transmitidas pelo rádio, em capítulos, e todo mundo gostava. acho que o que faz uma história ser acompanhada ou não, é o fato dela ser interessante e ter uma boa trama. Escrevo para me divertir, e fico feliz quando alguém lê e comenta. Bem, obrigada pelo comentário, embora você não tenha sequer lido.

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  2. Jorge Sadder, comprei e li dois de seus livros publicados na amazon.com.br, e achei-os muito bons. Mas quem sou eu para julgar, não é mesmo? SMJ.

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