quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

INOCÊNCIA - PARTE I, Capítulo X








A TEMPESTADE

Quando chegamos em Rio da Prata, Flora e Eugênio nos fizeram ficar na sala de estar, enquanto Cristina abria as janelas. A casa estava silenciosa sem papai e mamãe, e nosso estado de espírito não era dos melhores também. Vi quando Flora abriu a geladeira e disse que precisava fazer compras, e Eugênio respondeu que não tinha feito compras porque tinha sido decidido antes que ficaríamos na cidade. Flora começou a fazer uma lista. Eu fiquei no sofá, observando o movimento. Vi quando Cristina e Berta se afastaram juntas, subindo as escadas em direção ao quarto de Berta, mas compreendi que não estava convidada a participar daquela conversa.

Flora e Eugênio anunciaram que iriam às compras e estariam de volta antes do anoitecer. Mal eles saíram, nossos primos chegaram, e eu nunca sentira um alívio tão grande com a presença deles! Abracei Joana, que me abraçou demoradamente de volta, e também Marcelo.

Ao ouvir as vozes deles, Berta e Cristina desceram as escadas correndo. Berta, que estava aborrecida por ter deixado Sebastian na cidade, conseguiu superar seu mau-humor ao ver os primos. Os dois faziam de tudo para nos animar. Trouxeram discos de vinil novos para que pudéssemos escutar música, e também uma cesta com vários biscoitos, sanduíches, frutas e sucos que Tia Aurora mandara preparar para nós antes de viajar(é claro que ela não queria um bando de crianças sujando a cozinha dela, mas pelo menos, ela se preocupava). Ficamos sabendo que mamãe pedira a ela que eles dessem uma ajuda com a gente. Joana ganhara de presente uma máquina fotográfica Polaroid, e nós fomos lá para fora e tiramos várias fotografias que hoje devem estar guardadas em uma das gavetas desta casa. Tivemos que voltar para casa porque o céu começou a ficar muito escuro, e uma ventania inesperada prometia uma tempestade que poderia desabar a qualquer momento.

Flora e Eugênio estavam fora de casa, fazendo compras, e éramos um bando de crianças e adolescentes sem supervisão. Meus tios estavam fora também, pois Tio Antônio precisou viajar a negócios de repente e levou Tia Aurora junto. Joana e Marcelo estavam aos cuidados dos empregados da casa.

Quando a chuva finalmente caiu, rompendo a barreira cinzenta e pesada de nuvens, tínhamos a impressão de que a terra seria varrida do mapa. As luzes se apagaram, e ficamos sem eletricidade durante mais de seis horas. Felizmente, a casa tinha um gerador , pois tempestades como aquela eram comuns àquela época do ano, do final de novembro até meados de fevereiro, e papai achou melhor comprarmos um. Assim, pudemos ficar escutando os discos de vinil que Marcelo e Joana tinham levado com eles. Eu me lembro que a maioria deles eram dos Beatles e também de Petula Clark, favorita de minha irmã. Quando enjoamos de escutar música, começava a anoitecer, e nada de Eugênio e Florença voltarem. Comemos nossos sanduíches, tomamos o suco e guardamos as frutas para mais tarde.

O telefone tocou, para nossa surpresa, pois com uma chuva daquelas era certo que ficaríamos sem linha. Era Flora, avisando que as estradas estavam intransitáveis, e que eles teriam que passar a noite na cidade, mas que logo pela manhã, assim que o trator limpasse a lama do caminho, estariam de volta. Berta ficou feliz com a notícia; afinal, não era sempre que tínhamos a chance, naqueles tempos, de ficar longe da supervisão dos adultos. Flora disse a ela que tinha um pacote de macarrão no armário da cozinha, e um pouco de molho de tomate também, e que poderíamos ralar o queijo parmesão na geladeira, providenciando um jantar improvisado.

Berta desligou o telefone dando 'urras' de alegria, nos deixando curiosos durante algum tempo antes de dar a notícia que fez com que todos nós ficássemos dando pulinhos pela sala de estar. Depois, Cristina foi até a cozinha preparar o macarrão, já que Berta não sabia sequer acender o fogo do fogão, e então ela pendurou-se ao telefone com Sebastian. Eu tinha certeza que aquela ligação duraria muito tempo e ficaria caríssima, e que mamãe e papai ralhariam com ela por isso. Eu e Joana fomos jogar varetas no meu quarto, e Marcelo ficou na sala, tirando um cochilo no sofá e escutando música.

Não sei como, mas o barulho da chuva lá fora, as luzes da casa um pouco mais fracas e o cansaço da viagem e das estripulias do dia, fizeram com que eu e Joana caíssemos no sono também. Quando acordei, havia uma vela acesa na mesinha de cabeceira. Já quase havia parado de chover, e o quarto estava na penumbra. Olhei o despertador sobre a mesinha: dez e quarenta da noite. A casa estava silenciosa. Achei que todos tinham ido dormir. Meu estômago roncou forte, porém, e apesar de tentar fingir que não o tinha escutado, meu apetite falou mais forte e me fez descer até a cozinha. Na escuridão, não encontrei meus sapatos, e fui descendo a escada devagar, descalça e em silêncio para não acordar os outros.

Ao chegar lá em baixo eu vi que havia uma luz fraca vindo da fresta da porta da cozinha, e escutei algumas vozes abafadas. Não sei bem porque, achei que minha presença seria melhor se não notada, e então comecei a respirar devagar para tentar escutar o que estavam dizendo; identifiquei as vozes de Cristina e Marcelo, mas não conseguia escutar o que diziam. Cheguei mais perto, e do corredor escuro, espiei para dentro da cozinha.

Eu não estava preparada para o que vi, e mesmo estando assustada, a curiosidade me fez ficar ali, olhando tudo, calada e quieta para não despertar a atenção dos dois.

Cristina estava de frente para a porta, sentada sobre a pia da cozinha, e por trás dela havia pratos sujos do jantar. Marcelo estava acomodado entre as pernas dela, as calças arriadas, e ele fazia movimentos para frente e para trás que eu não compreendia. Ambos gemiam baixinho, dizendo coisas que eu também não entendia, e Cristina enterrava a mão nos cabelos dele, puxando-o para si com força, enquanto ela mesma também se movimentava em direção a ele, jogando a cabeça para trás. Em determinado momento, ele abaixou-se em frente a ela, colocando a cabeça entre suas pernas. Ela quase gritou, abrindo os olhos de repente, e foi quando ela percebeu que eu estava ali. Eu não consegui me mover. Ela pareceu assustada, e cobriu a cabeça de Marcelo com a saia rodada, mas permaneceu aonde estava, sentada na pia, enquanto eu observava os olhos dela se fechando devagar e seus quadris começando a se mexer muito rapidamente.

Eu não sabia que um homem e uma mulher podiam fazer coisas como aquelas. Eu estava fascinada, e ao mesmo tempo, sabia que o que eles estavam fazendo era considerado errado pelos adultos, e que eu não deveria jamais dizer a ninguém o que estava vendo ali. Quando ele finalmente terminou o que estava fazendo, os dois se abraçaram. Ela abriu os olhos de novo, e eu fugi dali, indo para a minha cama e me esquecendo totalmente do meu estômago vazio.


(continua...)




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