domingo, 21 de abril de 2013

As Cartas - Parte I




As Cartas



Amanda espalhara sobre a colcha as fotos, livros e objetos miúdos que a mãe deixara. Era o dia que as cinco irmãs tinham marcado para decidir quem ficaria com o quê. Das cinco, apenas três compareceram, pois Bárbara, a mais velha, não conseguira organizar-se para participar, envolvida que estava com as obrigações de trabalho, e  Lídia, na última hora, preferiu não estar presente, pois jamais se dera bem com a mãe, e era difícil para ela despertar tantas lembranças. 

Assim, estavam ali Amanda - a mais jovem das cinco irmãs - Carla e Teresa.

O sol de fim de tarde penetrava pela janela, numa luz opaca e amarelada, dando aos livros, fotos e objetos uma aparência ainda mais antiga. Amanda percorreu com os olhos as capas dos livros mais novos, e viu que alguns tinham sido presenteados por ela - e pela aparência intocada, viu que a mãe jamais os lera. Percebeu também, ao abrir os armários, que muitos dos seus presentes tinham permanecido fechados nas caixas e embalagens; eram dezenas de blusas, cachecóis, livros, bijuterias e perfumes, todos intactos, envoltos em sacos plásticos e papel de seda, ou perfeitamente acondicionados em suas caixas originais.

Seu coração apertou-se; a mãe sempre preferira Teresa. Pensou na solidão que sentira ao casar-se, quando teve a clara impressão de que a mãe apenas esperava por aquele momento para que pudesse, enfim, abster-se da responsabilidade que tivera com ela até aquele momento. Quando Amanda a convidava para visitá-la em sua nova casa, a mãe quase sempre desmarcava na última hora, alegando ter se lembrado de algum outro compromisso. Quando comparecia, ficava o tempo todo perguntando as horas, dizendo que precisava ir embora logo, pois alguém a esperava em algum lugar. Amanda sempre tivera fantasias sobre como as duas ficariam amigas inseparáveis quando ela se casasse, pois a mãe finalmente descobriria que sentia sua falta, mas aquilo não aconteceu. O casamento apenas serviu para afastá-las ainda mais.

Dizem que toda mãe e todo pai tem seus filhos preferidos, e Amanda sabia que não tinha sido a favorita de nenhum dos dois. 




Nascera quando sua mãe tinha trinta e nove anos, e dizem, fora fruto de uma gravidez inesperada. Uma das tias, durante uma conversa íntima na cozinha de sua casa durante o seu chá de panela, deixara escapar - após alguns Martinis - que a mãe estava para pedir o divórcio, mas descobriu que estava grávida de Amanda, o que estragou seus planos. Assim, Amanda, depois daquela tarde reveladora, passou a sentir-se ainda menos desejada.

Quando Dora -a  mãe - ficou viúva, aos sessenta e dois anos de idade, após anos de um casamento morno e sem amor, pareceu despertar novamente para a vida; passou a sair bastante e frequentar alguns clubes; reatou velhas amizades que tinham sido afastadas pela aspereza do marido e teve até mesmo alguns   namorados, que eram descartados após algum tempo -  assim que começavam a querer 'morar junto.'

Bem, as três irmãs - Amanda, Teresa e Carla - estavam no quarto, experimentando bijuterias (a maioria, colocavam de lado para doação), revendo velhas fotos e documentos e decidindo quem os guardaria            ( Carla não queria nenhuma delas) e lembrando  acontecimentos e histórias que, de algum modo, envolviam alguns daqueles objetos: "Ela estava usando este colar na minha formatura", "Esta blusa foi presente de aniversário da tia Gabi, lembram-se como ela detestou?" ou "Ela adorava esta echarpe!"

De repente, Amanda deparou com uma coleção de velhos livros, que separou para si, já que as irmãs não demonstraram nenhum interesse neles. A tarde anoiteceu, e após algumas xícaras de chá com bolinhos na cozinha da casa, a reunião terminou. Amanda ficou com as chaves, pois ficara decidido que seria ela a mostrar a casa para os interessados que surgissem. Antes de fechar a porta, segurando os velhos livros que agora eram seus, ela ainda olhou para dentro, para a sala semi-escurecida, os móveis gastos, os muitos paninhos de croché sobre os braços das poltronas e sobre os tampos das mesas; então, era assim.


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