quinta-feira, 7 de novembro de 2013

EVA - Capítulo III



Quando o corretor de imóveis se foi, um silêncio constrangedor ficou entre nós dois, ecoando com as últimas palavras que ele dissera. Eva foi até a janela e ficou olhando o parque lá embaixo, onde crianças brincavam. Fui atrás dela, e percebi que ela chorava, e que não era por causa do que o corretor havia dito. Era algo bem mais profundo. Achei que aquele momento era íntimo demais para que eu fizesse qualquer pergunta, e fingi não perceber. Minha vontade era estreitá-la em meus braços e varrer para longe qualquer coisa que pudesse estar causando-lhe aquela tristeza repentina... ou será que era uma tristeza que ela carregava consigo há muito tempo? Pensei que talvez fosse saudades da filha. Jamais admitia que pudesse ser também saudades do marido e da vida que ambos tinham na França, pois doeria demais.

Naquela noite, ela anunciou, durante o jantar, que compraria o apartamento. Meu pai abriu uma garrafa de vinho, e todos ficaram felizes por ela - menos eu, é claro. Significava que ela iria embora logo. Talvez dentro de algumas semanas?... Mas minhas dúvidas foram resolvidas com o avanço da conversa; fiquei sabendo que ainda demoraria, até que os papéis do apartamento ficassem prontos, e este fosse mobiliado a fim de que Eva pudesse finalmente mudar-se. Fiquei mais animado, e até juntei-me ao brinde.

Faltavam apenas duas semanas para o Natal. Eu e Eva passávamos as tardes em lojas de móveis e decoração. O ex-proprietário, após a assinatura do contrato, deixara-lhe as chaves para que ela pudesse mobiliar o apartamento. Algumas vezes, mamãe juntava-se a nós; fazíamos compras, visitando shoppings, e depois terminávamos as tardes em cafés, onde ríamos muito, comíamos brioches e doces e tomávamos Expressos. Mamãe adorou o apartamento, e presenteou Eva com um de seus quadros. Era uma pintura abstrata cujas cores combinavam perfeitamente com a decoração que Eva tinha em mente.

A exposição de mamãe estava marcada para o dia 23 de dezembro - uma data atribulada, mas era o que a galeria tinha disponível. Lembro-me daquele dezembro como um dos meses mais felizes de minha vida.

Certa tarde, Eva e eu estávamos sozinhos; o apartamento acabara de ser pintado, mas ainda estava vazio. Ainda havia algumas latas de tinta, jornais, brochas e pincéis espalhados pelos cantos. O sol estava se pondo em cores deslumbrantes, e Eva convidou-me para ir até a varanda assisti-lo com ela. Naquela tarde, ela parecia feliz e tranquila. Eu via os efeitos de cores que o sol poente produzia na pele dela e no cenário que nos cercava. Tudo estava tão vivo! Lá embaixo, os carros começavam a acender os faróis, e um bem-te-vi gritou em um telhado próximo. De repente, eu senti que precisava beijá-la; se não fosse naquela hora, poderia nunca mais ser, e eu tive aquela certeza!

 Meu coração batia descompassadamente. Ela não desconfiava da miríade de emoções que tomavam conta de mim. Seus cotovelos descansavam sobre o parapeito da varanda, as mãos fracamente entrelaçadas, o olhar perdido na paisagem, o sorriso leve e tranquilo no rosto. 

Eu sabia que teria que fazê-lo; era a minha chance. Tudo estava perfeito! Tínhamos aquela linda tarde, estávamos sós, escurecia... consciente da efemeridade daquele momento, que passava rapidamente - uma estrela acabara de surgir - eu coloquei meu braço em volta de seus ombros, puxando-a para junto de mim, e ela apoiou a cabeça em meu ombro. Atrevidamente, levei a mão até seu queixo, erguendo seu rosto para mim, obrigando-a a olhar-me nos olhos. Ela pareceu um pouco confusa, mas não resistiu quando eu toquei seus lábios levemente com os meus, intensificando aquele beijo pouco a pouco, até que tornou-se um beijo apaixonado. Ela virou-se para mim, e abraçou-me com força.

Quando nos separamos, já estava quase totalmente escuro - apenas um tom avermelhado,  uma faixa cor de fogo, permanecia no horizonte, emoldurando a paisagem. Eva empurrou-me de repente, quebrando a magia. Olhei para ela, doloridamente surpreso com sua atitude.

-Não, não pode ser, Elton! Nunca mais, eu disse, nunca mais faça isso!
-Mas Eva, eu...
-Não diga nada! Vá embora. É errado!

Foi como se suas palavras tivessem o poder de um punhal. Permaneci imóvel, e ela repetiu, desta vez, mais alto:

-Vá embora!

E mais docemente:

-Por favor.

Tentei argumentar, mas Eva encaminhou-se até a porta, abrindo-a e fazendo sinal para que eu saísse. Passei por ela de cabeça baixa, e ela bateu a porta trás de mim.

Eu ainda estava sob os efeitos mágicos de tudo o que tinha acontecido, mas sabia que nada mais seria como antes entre nós. Não estava arrependido, mas muito confuso e magoado! Fui para casa sozinho. Quando cheguei, meus pais estavam sentados no sofá da sala de TV, e ouviram quando fechei a porta. Mamãe veio atrás de mim:

-Eva, eu... (ela percebeu que eu estava sozinho): Elton, onde está Eva?

Eu não consegui responder logo, mas pensei rápido e inventei uma desculpa:

-Ela... ficou no apartamento arrumando umas coisas. Virá mais tarde.
-Você deixou-a sozinha? Podia ter ficado com ela, vindo mais tarde...
-Olha mãe, eu já estou cansado de paparicar a Eva pra você, OK?

Ela pareceu chocada:

-Elton, meu filho, o que aconteceu?!

Olhei por cima dos ombros dela e vi o olhar de papai preso no meu. Ele sabia. Virei-me e comecei a subir as escadas, dizendo:

-Nada, mãe, eu só estou um pouco cansado, e não me sinto muito bem. Vou para o meu quarto. Não quero jantar hoje.

Subi as escadas, e escutei-os conversando baixinho. Entrei no meu quarto, fechando a porta com força, e joguei-me de bruços na cama. Eu não conseguia coordenar meus pensamentos. O beijo dela ainda queimava meus lábios, e eu sentia o perfume dela nas palmas das minhas mãos. Eu ficava revivendo aquela cena paradisíaca até o momento em que que eu acordara tão bruscamente daquele sonho. Ouvi batidas na porta do quarto. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, meu pai entrou.

-O que aconteceu, Elton? Não o que eu temia, espero.

Sentei-me na cama, olhando-o desafiadoramente.

-Não, foi só um beijo. E eu praticamente a forcei.
-E ela?...
-Me colocou para fora.
-Bem, pelo menos alguém tem juízo nessa história... mas e agora, filho?
-Agora? Não sei. Agora, depois, sei lá, pai.
-Você se arrependeu?
-Não!!! Eu... eu fiz o que eu queria ter feito.  Quero dizer, quase tudo o que eu queria ter feito. Ou quase nada... só sei que agora eu não sei mais como vou olhar para ela... ela me desprezou.
-Elton, ela apenas agiu como uma pessoa adulta. Pense bem: você, um garoto, e ela, uma mulher madura, mãe de família, que está se sentindo solitária... aconteceu, e acho que ela também foi culpada. Uma mulher não é beijada se não quiser.

Aquilo fez sentido. Então Eva quis ser beijada! E significava muito para mim saber disso.

-Você acha, pai?
-Acho o quê?
-Que ela quis ser beijada?...

Ele deu um suspiro de impaciência, erguendo as mãos:

-Ah, não foi isso que eu quis dizer, Elton! O que aconteceu foi errado, entende? Ela quis, pois sente-se carente, mas sabe que está errado. Deus queira que sua mãe nunca fique sabendo, pois isto poderia destruir a amizade das duas! Não se brinca com o coração das pessoas, Elton. Não brinque com o de sua mãe. Ou o desta pobre mulher, sei lá.

-Mas pai, e o meu? Quem se preocupa com o que eu estou sentindo?

Meu telefone tocou na mesinha de cabeceira. Meu pai atendeu, e passou para mim:

-É seu amigo Carlos. Com certeza vai te convidar para alguma coisa. Aceite, filho, vai ser bom pra você.

Passei a noite toda com os amigos em uma discoteca. Bebi mais do que devia. Vomitei na calçada, chorei nos ombros de uma menina que eu nunca mais vi e nunca tinha visto antes. Uivei para a lua feito um lunático, bebi mais um pouco, saímos por aí andando à pé na noite, vomitei novamente, urinei no muro do vizinho e cheguei em casa quando o primeiro galo cantou.

(continua)


Um comentário:

  1. É, as vezes o primeiro amor de um adolescente é uma mulher mais velha que ele, classicamente é a professora favorita. Vamos ver como meu xará Elton vai se sair dessa estória. Espero que seu coração apaixonado não saia todo arrebentado,afinal Eva a melhor amiga da sua mãe foi o seu primeiro grande amor. Parabéns querida, um escrita mais uma vez muito bem executada.

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