segunda-feira, 25 de novembro de 2013

EVA - Capítulo VIII




Quando olhei para o lado e não vi mais Eva, corri pelas escadas até chegar ao salão da galeria, onde todos riam e se divertiam. Olhei pelo salão ainda no sopé da escada, procurando por ela. Não a vi, e desci correndo o último lance. Distraído pela batida de carros, não vi quando ela se fora. Percorri o salão; mamãe, ao ver meu semblante angustiado, veio em minha direção, e precisei disfarçar, dizendo que não estava muito bem. Ela disse que no dia seguinte marcaria um médico para mim, pois vinha notando que há algum tempo eu não estava bem. Protestei, mas ela insistiu, encerrando com "Nem adianta discutir, está decidido!"

Senti-me uma criança. Papai veio em meu socorro, e me segurando pelo braço, levou-me para um canto afastado, aproveitando a chance quando um casal aproximou-se e começou a conversar com mamãe.

-E então, filho, vocês conversaram?

-Ela... sumiu! Você a viu passar, pai?

Ele assentiu com a cabeça.

-Despediu-se de nós há alguns minutos. Disse que precisava ir. Eles saíram às pressas.

Levei as mãos ao rosto em desespero, e ele olhou instintivamente na direção de mamãe:

-Filho, disfarce... sua mãe não deve saber, ou você quer estragar a noite dela?

Concordei.

-Mas vocês conseguiram conversar?

-Sim, ela... ela disse que me amava, pai. Daí houve um acidente na rua, eu me distraí por alguns segundos apenas... e ela sumiu. Achei que tudo tinha sido acertado, que ela ficaria comigo. Não entendo por
que ela fugiu!

Meu pai permaneceu calado, com a expressão do rosto muito séria. Levou a mão ao bolso do paletó, e vi que ajeitou um papel em seu interior. Perguntei o que era, e ele disse que não era nada importante, apenas uma nota da venda de um quadro.

Ainda fiquei na galeria por algum tempo, pois desejava que mamãe ficasse feliz e que a noite fosse perfeita para ela. Mas não consegui disfarçar muito a minha miséria, o que fez com que ela mesma sugerisse que eu fosse para casa deitar-me.

Fui caminhando. as ruas estavam quase vazias àquela hora, e as lojas, fechadas. Passei à pé pelo prédio de Eva, e olhei para sua janela. Havia luzes lá dentro. Encostei-me em um muro e fiquei imaginando o que estaria acontecendo. Talvez estivessem todos felizes, fazendo planos para o natal. Logo, os dois iriam para a cama onde tínhamos estado juntos tantas vezes, e fariam amor a noite toda. Aquele pensamento era ridículo, mas uma mente apaixonada imagina mil coisas.

 Lembrei-me de que mamãe os tinha convidado para nossa casa, e desejei ardentemente que eles aceitassem. Eu sofreria, mas pelo menos, poderia tê-la diante dos meus olhos, e quem sabe, conversaríamos melhor? Fiquei parado ali, as mãos nos bolsos, até que todas as luzes do apartamento se apagaram. Eu estava absolutamente arrasado! Uma ansiedade que eu nunca havia sentido me fazia sentir arrepios subindo pela minha coluna, e minhas mãos formigavam. Aquela noite foi uma das piores de minha vida, pois sentia-me impotente até a manhã seguinte. Queria ter ido até o apartamento de Eva e desfeito aquela farsa, dizendo ao seu marido que ela era minha, pois ela havia dito que me amava.

Nos dia seguinte, véspera de natal, telefonei para Eva várias vezes, mas ninguém atendeu. Eu já tinha a desculpa pronta de dizer, caso seu marido ou filha atendessem, que ligava em nome de meus pais, para confirmar a presença deles em nossa festa natalina. 

Na tarde daquele 24 de dezembro, meu pai entrou em meu quarto e estendeu-me um pedaço de papel. Peguei-o, curioso e confuso. Sem nada dizer, ele saiu e fechou a porta trás de si.

Abri, e vi que tratava-se de uma carta de Eva:

"Querido Elton,

Pedi ao seu pai que lhe entregasse esta carta, arriscando que ele a lesse e ficasse sabendo de tudo. Graças a Deus, ele não me fez nenhuma pergunta quando a dei a ele e pedi-lhe que a entregasse a você depois que nós tivéssemos ido embora.  Mas mesmo que ele a tenha lido, nada mais importará, pois já estaremos longe quando você a tiver nas mãos, e nunca mais nos veremos.

Existem circunstâncias em minha vida que me impedem de viver o nosso amor. Acredite, eu disse a verdade quando disse amá-lo, mas é impossível ficarmos juntos.

Quando pensar em mim, lembre-se dos momentos em que estivemos unidos, da beleza daqueles momentos, da verdade que você leu em meus olhos, e eu, nos seus. Nada mais posso dizer. Prometi silêncio, e costumo cumprir minhas promessas. Espero que um dia você possa saber de toda a verdade, e então, me perdoe, querido. É triste saber que, caso esta hora chegue, será tarde demais para nós dois... mas pelo menos, você deixará de odiar-me. Por favor, não me odeie! Guarde em seu coração o melhor sentimento que você puder ter por mim, pois eu guardarei sempre o melhor por você. Me perdoe, Elton, se você puder.

Eu serei sempre, sempre sua, mesmo longe.

Com amor,


Eva."


Lágrimas quentes caíram de meus olhos, queimando meu rosto. A visão turvou-se, e transido de dor, corri escadaria abaixo, chamando por meu pai. Lembro-me de ver o rosto de minha mãe, consternada, e seus lábios que se moviam, mas eu não entendia o que ela dizia. Meu pai segurou-me pelos ombros (acho que eu estava gritando) e quando um copo com um líquido veio na direção do meu rosto, dei-lhe um tapa, e ouvi o vidro espatifando-se contra a parede. Mamãe, de olhos arregalados, perguntava ao meu pai o que tinha acontecido comigo.

Finalmente, caí de joelhos no meio da sala. Meus pais me olhavam, e mamãe chorava copiosamente. Meu pai a abraçava e dizia a ela que conversariam a respeito, e pedia-lhe que se acalmasse. Eu mesmo, aos poucos, fui me esforçando para ficar mais calmo e recuperar  a razão, mais por pena de meus pais do que por mim mesmo. Levantei-me do chão e pedi desculpas a eles, voltando para o meu quarto. Mamãe fez menção de seguir-me, mas papai a deteve, dizendo-lhe que me deixasse um pouco sozinho.

Ouvi a voz de mamãe lá embaixo, totalmente alterada; dizia coisas como "Aquela vadia,"  "Como ela pode?" Eu pensei em descer e defender Eva, dizendo que a culpa fora toda minha, mas achei melhor deixar que mamãe se acalmasse. Parecia furiosa... Alguns minutos depois, meu pai entrou em meu quarto. Perguntei como mamãe estava, e ele disse que dera-lhe um comprimido para dormir, e que ela estaria bem na hora da festa de natal. Sentei-me na cama:

-Por que você não me entregou o bilhete ontem, pai? Eu teria conseguido falar com ela! Quando deixei a galeria, havia luzes no apartamento. Eu poderia ter subido lá, e...

-Por isso mesmo, filho. Achei melhor esperar até que eles tivessem ido embora. Eu e sua mãe já sabíamos da decisão de Eva em voltar para casa. Ela nos pediu que tratássemos da venda do apartamento, mas sua mãe me disse que não quer fazer nenhum favor para ela, agora que... mas não se preocupe, isso vai passar, e eu farei a transação para eles. Mas Elton, o importante é que você fique bem agora. 

-Como, pai? Como eu posso ficar bem? Você não entende?  (eu chorava muito).

Meu pai me abraçou, dizendo que toda dor de amor passava, assim que a gente vivesse um novo amor.

A noite do dia 24 de dezembro foi uma das mais tristes de minha vida. A festa de natal transcorreu como sempre, os amigos e vizinhos mais chegados, o amigo-oculto, a ceia elegante e cuidadosamente preparada. Tentei ficar firme por mamãe, que me olhava a todo instante, e percebi o quanto ela estava sendo forte e fazendo o que achava que tinha que fazer. Após a festa, quando todos os convidados tinham se retirado, ela me abraçou forte, e chorei em seu colo.

O tempo foi passando. A dor de um amor perdido é a mesma para todos, eu acho. Janeiro chegou, e depois, fevereiro. Em abril, papai conseguiu vender o apartamento de Eva. Nunca mais tocamos no nome dela em nossa casa, mas eu pensei nela durante todos aqueles anos que se sucederam, todos os dias, embora cada vez menos intensamente. O tempo conserta as coisas. O tempo ajuda a superar o insuperável.

Os anos passaram, e terminei a faculdade. Consegui meu primeiro emprego. Mamãe organizou novas exposições, firmando-se como artista plástica. Meu pai aposentou-se. Tive algumas garotas, mas Eva estava sempre nos meus pensamentos, e eu não levava nenhum relacionamento à sério. Às vezes, quando eu chegava em casa e era a noite de biriba de mamãe, eu passava pelas mulheres e lembrava-me de Eva, pois fora assim que nos conhecêramos. mamãe morria de medo que eu passasse a interessar-me apenas por mulheres mais velhas, e nunca mais apresentou-me suas amigas. Mas isto não aconteceu. Eu me apaixonara por Eva não por ela ser mais velha que eu, mas porque eu vira nela a mulher dos meus sonhos.

O segredo que ela jamais me contara - o motivo por ter ido embora tão de repente - ainda me atormentava. Meus pais juravam que não sabiam do que se tratava, e que não sabiam aonde eles estavam vivendo ou sequer tiveram notícias deles. Tudo que meu pais tinham era um número de conta corrente, para a qual  eles transferiram o dinheiro da venda do apartamento.


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