domingo, 24 de novembro de 2013

EVA - Capítulo VII




Eu precisava falar com alguém, e ao tentar escolher entre meus amigos, entendi que nenhum deles saberia me entender. Alguns seriam capazes de rir de mim. Mas meu pai sabia de tudo, e talvez pudesse ajudar-me. Tomei um táxi e fui para casa, na esperança de que ele estivesse lá, e fiquei aliviado ao constatar que eu estava certo.

Quando entrei em casa, tive a impressão de que meu pai esperava por mim, pois encontrei-o parado diante da porta, de braços estendidos. Ao ver minha consternação, ele fez sinal para que eu o abraçasse, e eu obedeci.

-Você está sofrendo sua primeira dor de amor, meu filho... acontece com todos nós. Mas a vida passa... e olha, Eva não é mulher para você.

Ele me conduziu até a mesa de jantar, e puxou uma cadeira para mim e outra para ele. Ficamos conversando baixinho, lado a lado na casa vazia, enquanto o ruído do relógio na parede da sala ecoava pela casa. Eu queria saber o que realmente acontecera no apartamento de Eva, e nem precisei perguntar.

-Elton, Eva é uma mulher... complicada, digamos assim.
-O que aconteceu lá, pai?

Ele coçou a cabeça, me encarando, parecendo querer testar minhas reações:

-Acho melhor esquecermos o assunto.

Eu neguei com a cabeça:

-Pai, não posso simplesmente varrer uma história como a nossa - minha e de Eva - para debaixo de um tapete, como se não tivesse sido nada... foi... é intenso, é bonito, é real!... Preciso saber.

-OK, Elton... seja forte.

Assenti com a cabeça, e ele continuou:

-No carro, Jean e Ingrid disseram-me algumas coisas sobre Eva que eu não sei se são de seu conhecimento. Você sabia que ela esteve internada em um hospital psiquiátrico nos últimos seis meses antes de chegar ao Brasil, e que ela chegou aqui fugida de casa?

Pensei que eu fosse engasgar, tal a força das batidas de meu coração. Meu pai compreendeu que eu não sabia de nada, apesar de eu não ter respondido:

-Pois bem, filho; Eva apaixonou-se por outro homem, bem mais jovem, quando vivia em Paris; mas o tal homem só estava interessado em uma aventura, e no dinheiro dela. Quando a história tornou-se pública, ele a deixou e desapareceu de vista. Ela simplesmente surtou.

Fiquei novamente pensando se Jean conhecera o tal jovem, e perguntei ao meu pai:

-Pai, como Jean ficou sabendo? 

-Eva contou tudo a ele, e pediu o divórcio.

-Você acha que Jean conheceu o tal rapaz?

-Bem, não sei por que isso viria ao caso agora, filho... mas respondendo à sua pergunta, Jean nunca pôs os olhos nele, pois ele fugiu. Desapareceu. Infelizmente, Ingrid o viu algumas vezes, quando seguiu a mãe.

Pelo menos Ingrid não mentira, embora tivesse omitido a parte em que Eva havia passado seis meses internada em um hospital psiquiátrico. Meus sentimentos se misturavam e se entrelaçavam, e eu ia do repúdio à paixão mais forte que alguém poderia sentir. Não sabia o que pensar. Ou o que fazer. E disse ao meu pai. Ele me aconselhou a esquecer Eva.

Tomei um comprimido e fui dormir. Disse à minha mãe que estava com dor de cabeça, e papai confirmou. Acordei apenas meia hora antes da abertura da exposição de mamãe; tomei um banho, vesti-me e dirigi-me para a galeria. A tarde morria em cores maravilhosas, e algumas estrelas já brilhavam.

Da calçada,  vislumbrei a entrada iluminada da galeria, e escutei a música e os risos. Respirei fundo, desejando que Eva não estivesse presente, mas assim que entrei, encontrei-a de braços dados com Jean e Ingrid. Eva estava mais linda do que eu jamais a vira: usava  brincos que faiscavam, e tão longos que chegavam-lhe aos ombros nus. Cortara o cabelo, que estava também mais claro e cacheado, na altura da nuca. Um vestido creme de cetim descia-lhe pelo belo corpo, contornando-lhe os quadris generosos e o abdome perfeito. Calçava um par de sandálias prateadas, cravejadas de pedras brilhantes, e as unhas dos pés estavam pintadas de vermelho vivo. Usava uma maquiagem um pouco mais pesada do que a de costume: sombra cinza-prateada, olhos delineados em negro, mas o mesmo batom rosado de sempre. A primeira coisa que me veio à cabeça quando a vi, foi a vinheta dos filmes da Metro, na qual aparece uma mulher segurando uma tocha, pois o vestido e o corte de cabelo eram idênticos.

Quando me viu, Eva sorriu para mim, e Ingrid e Jean fizeram o mesmo. Aliás, Jean parecia o homem mais feliz do mundo. Ingrid ergueu levemente o copo que segurava, como se me fizesse um discreto brinde. Eu fiquei olhando a cena da família feliz, indignado: como Eva podia agir como se nada tivesse acontecido entre nós? Tive vontade de acabar com a farsa! Mas pensei em mamãe, e permaneci calado.

Cumprimentei-os com um aceno de cabeça e adentrei a galeria, procurando por meus pais. Quando me viram, abriram os braços, sorridentes. Mamãe estava muito bonita em um vestido preto novo, colar de pérolas e batom vermelho-escuro. Abracei-os, tentando parecer jovial, e olhando em volta, elogiei tudo. Também fui cumprimentar alguns conhecidos. Logo, papai veio ter comigo, estendendo-me um copo de uísque:

-Tudo bem, Elton?

Entre os dentes, respondi-lhe:

-Tudo péssimo, pai. Ela está aqui com ele.
-Eu sei. 
-Preciso falar com ela.
-Mas filho...
-Preciso falar com ela, pai. Nem que seja para por um ponto final em tudo.

Ele concordou com a cabeça, me olhando nos olhos.

-Você conseguiria distrair Jean e Ingrid, e dar um jeito de eu encontrar-me com Eva , pai?

Ele pareceu pensar por algum tempo. Do outro lado do salão, mamãe mostrava um de seus quadros, orgulhosa, acompanhada de seu marchand. 

-Ok, Elton; vê aquelas escadas? Elas levam ao terraço, dois andares acima. Não há ninguém lá, pois não está aberto à exposição. Vá até lá e espere, e verei o que posso fazer.

Subi as escadas discretamente, sem ser visto. Abri a porta e um vento fresco aliviou o peso que eu sentia em meu rosto que parecia queimar. Lá embaixo as pessoas passeavam pela calçada; as lojas estavam abertas até mais tarde, devido à aproximação do natal, e a atmosfera era festiva. Um papai noel magro e mal-ajambrado badalava seu sino na esquina, à porta de uma loja, rodeado de crianças. Pensei que as crianças eram as criaturas menos críticas da face da terra: bastava um pouco de magia, mesmo que falsa, e elas transformavam todo o mundo em um lugar realmente mágico. Quis voltar a ser como elas.

A ansiedade crescia enquanto eu esperava por Eva, que eu nem sabia se viria. Mais de quinze minutos havia se passado. Meu uísque terminara, e fiquei segurando o copo vazio, ansiando por mais um. A fim de refrescar-me, coloquei o gelo na boca e deixei-o derreter devagar. 

Após quase trinta minutos, ouvi a porta ranger, e ao virar a cabeça, deparei com Eva, de pé, olhando para mim. Quase perdi o fôlego diante de sua beleza, levemente iluminada pela lâmpada acima da porta. Parecia uma cena de filme. Ela atravessou a escuridão da laje até mim andando devagar, e eu tive vontade de apertá-la em meus braços. Sentia meu corpo tremer, apesar do calor. Um vento mais forte soprou, desmanchando-lhe o cabelo, deixando-a ainda mais bonita. Ela parou diante de mim, e eu tive que fazer um esforço enorme para não chorar. Vi que seus olhos brilhavam devido às lágrimas que ela tentava conter. Tentei ser objetivo, e perguntei-lhe o que mais eu não sabia sobre ela. Eva virou-se de costas para mim, e começou a chorar. Entreguei-lhe um lenço, pondo as mãos em seus ombros, que se encolheram ao meu toque. Comecei a massageá-los devagar. naquele instante, compreendi que o mundo inteiro poderia danar-se, que ela poderia mentir para mim o resto da vida, e não faria a menor diferença, desde que ficasse comigo.

Ela deitou a cabeça em meu peito. Nós nos beijamos. Ela murmurou:

-Tudo o que você sabe é verdade. Estive mesmo em uma clínica psiquiátrica. Tive dois amantes, e o último deles se parecia muito com você, é verdade, foi o que mais me atraiu no início, mas depois, eu vi o quanto vocês dois eram diferentes. Você tem caráter, Elton. Você é bom.

-Você me ama, Eva?

Ela separou-se de mim, olhando-me nos olhos. Não respondeu. Eu não aguentava de ansiedade! Repeti a  pergunta:

-Preciso saber se você me ama, e sua resposta é tudo o que importa para mim. De nada valem seu passado, suas ex-dores, seus ex-amantes, só quero saber o que sente por mim!

Ela baixou a cabeça, mas eu ergui seu rosto em minha direção com as duas mãos, obrigando-a a olhar-me.
Aquele últimos segundos pareceram anos, enquanto nos olhávamos, e com lágrimas descendo pelo rosto, finalmente ela balbuciou:

-Eu... eu amo você, Elton.

Lá embaixo, na avenida, risadas de crianças chegaram até nós, e toda a tensão que eu sentia aliviou-se. De repente, o mundo tornou-se um lugar belo e acolhedor novamente, e tudo fez sentido. Eu a estreitei em meus braços, sorvendo a intensidade daquele momento. A lua minguante sorria no céu. Mas notei que era um sorriso triste, invertido. Achei que aquilo era um mau presságio, e apertei-a mais forte, e escutamos buzinas zangadas soarem na rua, seguidas por um som de batida de carros.  Nós nos debruçamos para ver melhor.

Felizmente, ninguém ficara seriamente ferido, e após alguns minutos, os carros seguiram seu caminho, depois que os motoristas trocarem cartões de visita e um aperto de mãos. Olhei para o lado, e Eva não estava mais comigo.





Um comentário:


  1. Olá Ana. O que tenho perdido! :(

    Mas já tenho este blogue nos de destaque, lá no meu 'aqui'

    Beijinho

    Laura

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