quinta-feira, 21 de novembro de 2013

EVA - Capítulo VI




Percebi, pelo olhar de Ingrid, que eu ficara visivelmente pasmo; Ela me olhava como se eu fosse um rato de laboratório, e ela, uma cientista que fazia experimentos com as minhas emoções. Pigarreei, e senti meu rosto arder em brasas. Caminhei até a janela, mexi na cortina, fingi que olhava alguma coisa lá fora para recuperar-me. Depois, virando-me para ela, afirmei:

-Eu não sei o que você quer dizer com isso, Ingrid. Nós dois mal nos conhecemos e você me trata desta maneira?

Ela sorriu com todo o sarcasmo de que foi capaz, e com seu forte sotaque francês, adicionou algumas punhaladas:

-Eu posso não conhecer você, mas conheço bem a minha mãe. E vocês se conhecem. Minha mãe deixou Paris após meu pai descobrir que ela estava tendo um caso com um rapaz mais jovem. E ele se parecia muito com você. Apesar de meu pai tê-la perdoado, pois ele perdoaria qualquer coisa de minha mãe, pois a adora, ela decidiu separar-se e vir para o Brasil. Quando meu pai descobriu, e o amante de minha mãe ficou sabendo de tudo, deixou-a. Foi quando ela veio para o Brasil, mas desde então, ela não responde as cartas de meu pai, ou dá qualquer notícia. Há mais de um mês que meu pai apenas pensa nela, em como levá-la de volta para casa. E agora, olhando para você, eu sei o motivo pelo qual ela não deseja voltar.

-Você está dizendo que sua mãe teve um... um caso com alguém que se parecia comigo, e então tira conclusões apressadas sobre alguém que nem conhece? E ainda abre para um estranho a intimidade de seus pais, de sua família? Não posso aceitar que...

Naquele momento, meus pais e Jean entram na sala, e nós disfarçamos. Mamãe anunciou que estava indo para a galeria, e papai, que levará Jean e Ingrid ao apartamento de Eva. Ingrid sorriu para mim mais uma vez com ironia e sarcasmo, enquanto se despediu de mim dando-me um beijo no rosto. Todos saíram, e fiquei só com meus pensamentos na casa vazia.

Comecei a lavar a louça do café da manhã, pensando em tudo o que Ingrid me dissera; seria verdade? Se fosse, Eva estaria comigo apenas porque eu fazia com que ela se lembrasse de seu ex, porque éramos fisicamente parecidos? E... será que Jean o conhecia, e ao olhar para mim, chegara às mesmas conclusões que Ingrid?

Pensei seriamente naquela história toda, e no resto de minha vida; mas nada poderia decidir, antes de saber qual decisão Eva tomaria. Eu ainda estava disposto a ficar com ela, aceitando-a do jeito que a conheci, com seu passado e um lindo futuro pela frente. Enfrentaria um exército por aquela mulher, o primeiro amor de minha vida! A criatura mais bela e completa que eu jamais vira, e que me cativara desde o primeiro momento em que pus meus olhos nela. De nada me importavam o julgamento que fariam de nós, ou a diferença de idade. Para mim, o amor era o que se tinha no momento, e dele, não se podia cobrar nada. E se era amor, valeria a pena. Mas será que Eva pensava da mesma forma que eu?

Transido de angústia, saí para correr um pouco. Minha vontade, era ir até lá e confessar a todos que Eva não iria a lugar algum, pois nós nos amávamos; mas ao ter aquele pensamento, constatei que eu não poderia falar por ela; Eva me amava ou não? Corri durante quase uma hora, e cheguei em casa exausto e suado. Enquanto tomava banho, o telefone tocou, e ainda ensaboado, corri para atender, pensando que pudesse ser Eva. Era Ingrid.

-Eu estou em um telefone público, Elton. Será que você poderia me encontrar agora?

Olhei o piso encharcando-se com a água que descia pelas minhas pernas e pingava de meu cabelo. Respirei fundo, e concordei. 

Trinta minutos depois, eu e Ingrid estávamos sentados em uma lanchonete próxima ao apartamento de Eva.
Eu estava muito curioso para saber o que acontecera no apartamento. Ingrid me estudava cuidadosamente, deixando-me ainda mais desesperado. Parecia sentir prazer através de minha angústia. Após tomar um pouco de seu suco, pigarreou, olhando o relógio de pulso. Perdi a paciência:

-Bem, você me chamou, e eu estou aqui; o que você quer de mim?

Ela apoiou o rosto em uma das mãos, enquanto com a outra, brincava com o canudinho do suco.

-Desculpe-me, Elton. Mas é que você é mesmo muito parecido com o ex...

-Olha, não quero saber desse papo, OK?

Ela pareceu confusa, e concluí que minha fala talvez não tivesse sido clara:

-Não quero saber desta conversa. Nem sei porque você me chamou aqui. Hoje é a exposição de mamãe, e eu deveria estar lá, ajudando-a a arrumar tudo.

Ignorando a minha fala, Ingrid disse:

-Aposto que você está curioso para saber o que está acontecendo lá em cima. No apartamento. Pois bem: meu pai apertou a campainha, mamãe abriu, os dois começaram a chorar. Ele tentou abraçá-la, ela não correspondeu, ela me abraçou, eu chorei... seu pai disse que achava melhor ir embora, e foi. Eu deixei os dois sozinhos após algum tempo, pois percebi que precisavam conversar. E eu desci, e liguei para você.

Olhei para ela, tentando demonstrar indiferença, e encolhi os ombros.

-Não adianta negar, Elton. Assim que pus os olhos em você, eu entendi.

-OK, vamos supor que eu e sua mãe tivéssemos um relacionamento...
-Vocês tem um relacionamento.
-O que você quer de mim, Ingrid?
-Que você a deixe em paz, é claro. Eu acho que meu pai seria bem mais feliz aprendendo a viver sem ela, mas ele não acha. E eu amo meu pai. Quero vê-lo feliz. Você não quer ver seus pais felizes?
-Você diz que ama seu pai; e sua mãe? Você a ama?
-É claro que sim!
-E não quer vê-la feliz?

Ela deu de ombros, tomando um gole de suco.

-É claro que sim. E tenho certeza que ela não será feliz entregando sua vida a um moleque irresponsável como você, que daqui a... talvez... cinco anos, a deixará por uma moça jovem. Você percebeu que minha mãe está envelhecendo, e que lhe restam bem poucos anos de beleza?

Eu fiquei enfurecido por ela ter me chamado de moleque; tínhamos praticamente a mesma idade! Mas tentei me controlar e não ser grosseiro.

-OK, Ingrid. Eu também estou envelhecendo, e você, e todos nós estamos! Olhe em volta! Daqui a cinco anos, todas estas pessoas estarão mais velhas, não apenas sua mãe.

Ela cortou minha frase com sua voz metálica:

-Ela não te ama. Ela só está com você porque lhe lembra alguém que ela amou. 
-E como você pode afirmar?
-Ela falou com você sobre ele? Ela disse que seu nome é Marco?
-Não!
-Ela mentiu para você. Isto não é o suficiente? Se ela te amasse, teria dito a verdade.
-Ela não mentiu! Ela apenas decidiu levar a vida adiante, e nem me interessa o passado de Eva. E eu não vou ficar aqui discutindo com você na ausência dela. 
-Pois saiba que Marco não foi o primeiro amante de mamãe.

Ela disse aquilo, e mais uma vez, ficou desfrutando de minha dor. Então Eva havia tido outros amantes?! Eu não podia acreditar naquilo...

-Meu pai nem sabe do primeiro. Mas eu sei. Eu vi!

O rosto dela assumiu um ar de muita dor, enquanto falava-me de suas lembranças.

-Eu estava indo para casa da escola. Estava quase chegando em casa. Eu tinha doze anos. Vi quando um carro parou, e um casal beijou-se demoradamente. Eu era uma criança, e aquilo despertou-me a curiosidade; parei à distância para ver melhor, meio-escondida atrás de uma árvore. Mal pude acreditar quando eles se separaram, e vi que a mulher era minha mãe! E quase na frente de casa, sem se importar com os vizinhos, ou com quem pudesse ver e contar ao meu pai...

Ela começou a chorar. Estendi-lhe um guardanapo de papel, mas ela o recusou, enxugando as lágrimas com as costas da mão.

-Meu pai estava ausente da cidade, a trabalho. Eu não sabia o que fazer, então corri para longe de casa. Não sabia como encará-la. Eu fugi de casa, andei pelas ruas durante quase dois dias... a polícia esteve à minha procura. Meu pai chorou muito quando me encontraram, e eles me abraçaram. Nunca toquei no assunto com ninguém, a não ser agora, com você. Depois, tudo voltou ao normal. Eu tentei esquecer.

Eu parecia estar vivendo o maior pesadelo de minha vida. Aquela moça na minha frente não estava representando. O que ela dizia era verdade. Eu precisava de alguém para conversar. Eu estava muito mal. Não sabia o que dizer ou o que pensar. De repente, senti ânsias de vômito, e levantei-me da mesa, correndo para o banheiro do shopping, onde deixei meu café da manhã. Lavei o rosto com água fria, e quando voltei à mesa, Ingrid tinha ido embora.




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