quarta-feira, 12 de março de 2014

A ILHA SEM BARCOS - PARTE V




A Ilha Sem barcos - Parte V


Quando Carlos abriu os olhos e olhou em volta, a tempestade havia passado, e um dia frio e nublado descansava seu peso sobre seus ombros. Sentiu no rosto e no corpo o desconforto da areia molhada, e o primeiro pensamento que lhe veio foi: "naufragamos!"  Ergueu-se devagar, a fim de ter certeza de que não estava ferido, e foi a procura do jovem casal. Achou-os logo adiante, e ambos também tinham acabado de despertar e estavam um pouco confusos. A moça tinha os lábios roxos, e tremia de frio e de medo, os olhos arregalados, olhando em volta.

-Aonde estamos, que ilha é esta?

Carlos olhou em volta novamente, tentando achar um ponto de referência, mas não encontrou nenhum.

-Não sei, senhora... em todos esses anos eu conheço o arquipélago como a palma da minha mão, e nunca pisei aqui.

Décio ergue-se, passando a mão pelo corpo para sacudir a areia molhada.

-Precisamos nos aquecer. Precisamos encontrar alguma coisa para comer. Onde está o barco?

Carlos suspirou, olhando a praia:

-Não o vi. Acho que o perdemos, senhor.

De repente, Liana ergue-se, apontando para Carlos e gritando:

-A culpa é toda sua! Estamos nesta situação por sua causa! Como pode concordar em nos trazer sabendo que haveria uma tempestade?
-Mas eu pensei que ela só cairia à noite e que poderíamos navegar com segurança. 
-Bem, já que você gosta de pensar, então pense em uma solução para nos tirar daqui o mais rápido possível!

Décio tentou abraçá-la para que ela se acalmasse, mas ela o empurrou:

-Pensando bem, seu pai é o culpado de tudo! Foi ele quem nos mandou para esse lugar infernal! Onde já se viu, presentear-nos com uma viagem de lua-de-mel a um lugar frio, onde só chove?! E onde vive uma louca! E agora o que faremos para sair daqui? Estou com fome e frio!

Décio e Carlos se entreolharam, enquanto Liana se afastava, caminhando rápido pela orla. Eles a seguiram a alguns metros de distância.

-Senhor, precisamos ficar calmos e permanecer juntos. Não conheço esta ilha. Não sei que perigos pode haver por aqui. Se eu fosse o senhor, diria a moça para ficar calma.
-Liana está nervosa, é só isso, e acho natural. Logo ela se acalma e pede desculpas, não se preocupe. Ela não irá longe antes de cair em si.

Minutos depois, após caminharem pela orla cercados por uma paisagem desolada de mar e areia que não mudava, Carlos achou melhor adentrar a ilha e ver o que encontrava. Pediu que Liana e Décio esperassem por sua volta. 

Encontrou alguns coqueiros carregados, que lhes seriam muito úteis. Também passou por algumas moitas de amoreiras crivadas de frutos, e percebeu que havia pequenos roedores que poderiam servir-lhes de comida. Apalpou o bolso, e aliviado, constatou que seu isqueiro ainda estava lá, junto com o maço de cigarros. Embora os cigarros estivessem arruinados (jogou o maço fora com pesar) o isqueiro ainda funcionava, e seria muito útil. Sua faca também se encontrava no bolso traseiro da calça.

Caminhou por dez minutos, e chegou às ruínas de uma velha mansão. Achou-a estranhamente habitável: apesar das paredes descascadas, as janelas e portas estavam em bom estado, e o telhado ainda estava no lugar. Percorreu a casa com os olhos, e percebeu que tinha sido bonita um dia, e que seu estilo antigo era parecido com algumas casas de Pérola. Ouvira alguém na ilha dizer que eram casas Vitorianas. Bem, aquela casa também deveria ser Vitoriana. Aproximou-se, e testou a porta; estava trancada.

Com a faca, tentou abrir a fechadura, mas não conseguiu; teria que arrombar. Tomou distância, e quando se preparava para chutar a porta, esta se abriu vagarosamente, como num filme de terror. Carlos sentiu arrepios; mas decidiu entrar, pois aquela casa servir-lhes-ia de abrigo. A escuridão lá dentro fez com que ele arregalasse os olhos para ver melhor. Reparou no piso de madeira nu e sujo, mas em bom estado. Havia uma lareira bem grande na parede central, e uma poltrona velha e gasta em um dos cantos. As janelas não tinham cortinas. As paredes tinham sido brancas, mas agora estavam mofadas e enegrecidas.

Pisou devagar, testando o madeiramento do chão, que rangeu, mas continuou firme sob seus pés. Seguiu por um corredor que levou-o a uma grande cozinha muito suja, o piso de azulejos quadriculados em creme e vermelho. Ainda havia algumas panelas penduradas sobre a pia quebrada. No meio, uma mesa de madeira cercada de cadeiras muito velhas. 

Voltou pelo mesmo caminho, e testando os degraus com cuidado, chegou ao segundo andar da casa, onde estava muito escuro. Havia um corredor cheio de portas fechadas que ele abriu e viu que tratavam-se de quartos vazios, mas havia uma cama com colchão em um dos quartos. Também havia um banheiro no final do corredor, muito sujo, cuja janela estava aberta, e cipós entravam por ela, grudando-se às paredes. 

Novamente do lado de fora, circundou a casa e viu que havia um encanamento que entrava pelas paredes. Seguiu-o e foi parar em uma mina d'água. Ora, a casa tinha água encanada. Será que o sistema ainda funcionaria? Ficou curioso; voltou para dentro, e abriu a torneira da cozinha, que após chiar e derramar uma grande quantidade de lama e folhas secas, deixou sair água limpa. Carlos achou tudo aquilo incrível; quem teria morado ali?

Viu que uma porta na cozinha levava a três pequenos quarto, provavelmente, feito para os antigos empregados da casa. Em um deles, achou um baú; abriu-o, e viu que continha algumas roupas muito antigas, mas que estavam em bom estado. Elas seriam úteis também. Separou para si uma camiseta bege, uma blusa de lã marrom e um par de calças de lã cinza. lavou-se na cozinha e vestiu-se com elas, colocando suas roupas molhadas para secar após enxaguá-las na pia.

Voltou à praia para buscar o jovem casal. No caminho, apanhou algumas amoras que colocou em uma das panelas  que achara na casa.

Décio e Liana estavam sentados sobre a areia, abraçados. pareceu-lhe que ela chorava. Os dois ergueram-se ao vê-lo se aproximar. Décio adiantou-se:

-E então? O que é isso? Que roupas são essas?

-Achei em uma casa antiga. Tem umas coisas lá que nos servirão, e ela será nosso abrigo esta noite.

Liana sorriu:

-Então a ilha é habitada?
-Acredito que não... a casa é velha, e fica numa clareira na floresta. Não há mais nada em volta. Nem sei como ela está de pé! Não imagino como alguém pode tê-la construído em um lugar como esse.

O sorriso de Liana desmanchou-se, enquanto ela aceitava as amoras que Carlos oferecia a eles. Décio perguntou:

-Mas você acha que é seguro lá dentro?

-Bem, eu acho que é melhor do que aqui fora. Ainda mais porque parece que vem aí outra chuvarada. Veja!

Apontou para o céu enegrecido, e os três caminharam juntos para a casa.

As amoras apenas serviram para despertar-lhes o apetite. Chegando à casa, eles quebraram os cocos e tomaram a água, comendo-os depois. Também beberam muita água da mina. mas continuavam com fome. Liana reclamou:

-Mas... este lugar está imundo! Como poderemos ficar aqui? 

Carlos pensou no quanto a moça parecia mimada e egoísta. Décio consolou-a novamente:

-Não se preocupe, amor. Amanhã daremos um jeito de limpar um pouco.
-Mas... pode ter aranhas! Eu morro de medo de aranhas!

Carlos interrompeu-lhes:

-Acho melhor irmos lá fora catar lenha antes que a chuva comece.

-Mas eu vou ficar aqui sozinha?!

Carlos riu sarcasticamente, respondendo:

-Não... na verdade, eu acho melhor a senhora vir junto para ajudar-nos a carregar a lenha, ou não teremos o suficiente para a noite toda. E sabe, quando o fogo apaga, os animais peçonhentos se achegam...

Liana olhou para Décio, procurando por apoio:

-Mas eu vou ter que carregar lenha? Isso é um absurdo!
Décio estava pronto para intervir a favor dela, mas foi interrompido por Carlos:

-Acho que vocês dois ainda não se deram conta do que está acontecendo aqui nessa ilha: nós somos náufragos, e não estamos em um hotel de luxo. Cada um vai ter que fazer a sua parte se quiser sobreviver!

Assim, os três saíram em silêncio e recolheram a maior quantidade de lenha que puderam carregar em várias viagens, até que finalmente, a tempestade caiu.

(continua...)





3 comentários:

  1. Ana, o conto está cada vez melhor e tua capacidade em surpreender o leitor é fabulosa.

    Uma casa vitoriana em uma ilha abandonada? O que será que a autora fará com esse novo segmento ? E quanto aos personagens... Será que eles terão companhia nesta noite chuvosa??
    Foram essas as imagens que me vieram qdo terminei de ler essa parte.

    Manda mais, miga!

    ResponderExcluir
  2. Vc escreve muito bem...
    Fiquei aqui imaginando a cena...
    Eu tb morro de medo de aranhas e seria a primeira a sair correndo pra pegar lenha rsrsrs.
    Tá gostoso de ler!

    Abração esmagador e lindo final de semana.

    ResponderExcluir
  3. Olá amiga, Bom dia!!
    Vim agradecer sua visita e por deixar comentário. Obrigada você será sempre bem vinda!
    Estive sem net, estava com o moldem do celular, não dava para visitar os blogs, desculpe a demora.
    Ana querida, mais um lindo conto, muito sugestivo e que realmente nos transporta a esses lugares e situações.


    A vida é uma passagem
    De momentos vividos...
    Onde realizaremos uma viagem
    A um lugar que por
    Deus seremos dirigidos”.
    Fiquem com Deus, que seu Domingo seja abençoado e que o início de semana feliz e que seus desejos sejam realizados.
    Abraços da amiga Lourdes Duarte
    http://professoralourdesduarte.blogspot.com.br/
    http://filosofandonavidaproflourdes.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir

Obrigada por visitar-me. Adoraria saber sua opinião. Por favor, deixe seu comentário.

A RUA DOS AUSENTES - Parte 4

  PARTE 4 – A DÉCIMA TERCEIRA CASA   Eduína estava sentada em um banco do parque. Era uma cinzenta manhã de quinta-feira, e o vento frio...