domingo, 21 de fevereiro de 2016

O ANJO NO PORÃO - CAPÍTULO X






O ANJO NO PORÃO – CAPÍTULO X



Régis passou a evitar relacionamentos após a fuga de Hanna. Decidiu que, aos quarenta aos de idade, já tinha namorado o suficiente, e não pretendia mais casar-se ou envolver-se com outras mulheres, arriscando-se a colocar no mundo mais filhos ilegítimos. Não queria mais que ninguém fosse vítima de sua insensatez. Abraçou o espiritismo, e também as ciências ocultas. Passou a investigar as coisas do espírito, com as quais ocupava a maior parte de seu tempo, e chegou a colecionar tantos livros sobre o ocultismo e o espiritismo, que após a sua morte, anos depois, os herdeiros mal sabiam o que fazer com tantos livros.  Sempre que alguém adoecia, Régis pegava seu crucifixo (carregava-o sempre no bolso do casaco) e, portando seu livro de orações, passava a rezar pela recuperação da pessoa, administrando-lhe passes mediúnicos. Os sobrinhos pequenos gostavam de imitá-lo quando ele virava as costas, mesmo sabendo que sofreriam represálias da mãe, pois Fiorela não admitia que brincassem com “As coisas de Deus.” Tornou-se amigo e protetor dos animais, e vegetariano convicto. Gostava de dizer, ao ver os amigos alimentando-se de carne, que seu estômago não era cemitério. 

Os antigos amigos de farra não entendiam o que tinha acontecido com o velho Régis, e aos poucos foram se afastando. Régis passou a viver para o seu trabalho, sua religião e sua filha Regiane, que continuaria morando no internato até os dezoito anos de idade. A única mulher com quem se relacionava, era madame Fonseca – mas era um relacionamento respeitoso entre empregado e patroa. Mesmo assim, na solidão das horas, ela gostava de chama-lo ao final da tarde, e ambos sentavam-se na varanda da casa, saboreando suas xícaras de chá e falando sobre a vida. Naqueles momentos, a distância entre patroa e empregado era menos nítida. Eles falavam do passado, de religião, de seus conceitos sobre Deus e às vezes, surgiam confissões um tanto íntimas para serem consideradas apenas como entre patroa e empregado. Eram amigos, embora tal palavra jamais tivesse surgido entre eles – havia a distância social. Aos poucos, madame passou a desenvolver por ele uma paixão platônica que ela escondia até mesmo de si mesma, mas os empregados da casa comentavam pelos cantos. 

Madame Fonseca promoveu-o a administrador, dando-lhe a responsabilidade de comandar os demais empregados e os negócios, e aumentando-lhe consideravelmente o salário. Régis até mesmo especulou com ela a possibilidade de trazer Regiane para viver na casa com ele, mas madame imediatamente recusou-lhe o pedido: não queria mais apegar-se a nenhuma criança. Mas faria sempre o possível para que nada faltasse à menina (ou ao pai da menina). Teriam se tornado amantes, se Régis tivesse aceito os convites mudos das portas entreabertas e dos olhares lascivos que madame lhe dirigia; apesar de ser quase quinze anos mais velha que ele, madame ainda era uma bela mulher, mas ele achou melhor não cair em tentação, pois além de não desejar mais envolvimento com mulheres, precisava manter seu emprego.

Eram amigos, embora não admitissem ou pensassem sobre o assunto. Havia entre eles uma relação de carinho mútuo, e por parte dele, de respeitosa distância que jamais seria violada, para infelicidade dela. Mas mesmo assim, madame Fonseca gostava de fantasiar sobre Régis; suas fantasias traziam-lhe a esperança de um dia serem realizadas, e isto servia como um incentivo para viver e sonhar. Não pretendia casar-se com ele, mas adoraria tê-lo em sua cama algumas noites por semana, e alimentou aquele sonho durante o resto de sua vida. O sonho a ajudava a viver e sentir-se mulher.

Na escola Nossa Senhora da Ajuda, Regiane levava sua vidinha. Tentava ficar longe das três colegas agressoras, e aplicava-se nos estudos a fim de conseguir acompanhar as outras crianças. Cumpria a promessa que fizera a Ricardo de não revelar seu segredo aos demais. Ela mesma esquecia-se dele a maior parte do tempo, pois levava sua vida do lado de fora daquele porão, onde estudava, brincava aprendia trabalhos manuais, frequentava a igreja católica (havia missas todos os domingos na capela da escola, ocasião em que as crianças mais abastadas misturavam-se às crianças pobres) e crescia. Só voltou a vê-lo pela segunda vez seis meses depois da primeira, e nesse intervalo de tempo, mal pensava nele. Regiane era apenas uma criança; Às vezes, se perguntava se Ricardo existia de verdade ou se era apenas um amigo imaginário (uma de suas colegas tinha um amigo imaginário). 
Irmã Malvina ainda implicava com ela, e sempre exigia mais e mais. Ela tinha a impressão de que jamais seria boa o suficiente para Irmã Malvina. Mas entendia que ninguém era! A sorte, era que tinha ao seu lado seu anjo bom, Irmã Dulce, que a ajudava com aulas de reforço e a protegia contra as meninas mais malvadas. Mesmo assim, era difícil para uma menina tão pequena sobreviver entre crianças mais velhas, algumas delas, hostis.

Certa vez, durante uma das aulas de Irmã Malvina, a classe fazia as tarefas em silêncio. Regiane estava concentrada em resolver uma multiplicação, quando sentiu alguma coisa cair sobre seu ombro. Distraída, ela levou a mão ao ombro a fim de livrar-se do que quer que fosse, quando sentiu alguma coisa mexer-se entre seus dedos. Ao olhar para trás, deparou com as patas de uma caranguejeira saindo por entre seus dedos. Seu susto foi tão grande, que ela não pode conter um grito, erguendo-se da cadeira com tanta rapidez que derrubou-a ao chão, enquanto a aranha foi parar do outro lado da sala de aula, causando muitos gritos e correrias entre as demais meninas! Regiane tinha pavor de aranhas, e ter uma entre os dedos quase a matou de susto. No instante em que tentava entender o que tinha acontecido, viu que as suas três inimigas riam baixinho, e logo entendeu que acabara de ser vítima de suas maldades mais uma vez. Mal compreendera isto quando Irmã Malvina agarrou-a pelo braço:

-Mas que mal comportamento! 

Regiane ficou muda de medo e indignação, e Irmã Malvina acrescentou:

-Como pode ser tão má a ponto de trazer um inseto daqueles para a sala de aula?

Sem querer, Regiane lembrou-se das aulas de ciência, e corrigiu-a:

-Não é um inseto, é um aracnídeo, Irmã! E... e não fui eu que a trouxe, morro de medo de aranhas.

Irmã Malvina gritou para que todas as meninas se sentassem, e pediu silêncio, sem largar o braço de Regiane. Levou-a até a aranha, que subia pela parede:

-Não se atreva a me corrigir, mocinha! Pegue já este animal dos infernos e leve-a embora daqui! Você está suspensa por três aulas!

Regiane olhou para o rosto furioso de Irmã Malvina, e depois para a aranha, e não conseguiu decidir qual delas ela mais temia. Sentia um pavor enorme, e ao mesmo tempo, muita raiva por estar sendo acusada de algo que não fizera. Tentou explicar:

-Não fui eu quem trouxe esse bicho, Irmã Malvina. Juro por Deus! Alguém a colocou em meu ombro!

Irmã Malvina sacudiu-a:

-E ainda se atreve a jurar pelo nome de Deus, usando-o em vão em suas artimanhas! Menina má! Pegue já este animal e coloque-o lá fora! Eu deveria expulsá-la desta escola, mas se o fizer, quem ficará com você? Lembre-se, antes de ser tão ingrata, que se você está aqui, é porque lá fora ninguém mais a quis! Nem mesmo seu próprio pai!

Aquelas palavras feriram Regiane profundamente, e seus olhos se encheram de lágrimas. Ela viu a imagem raivosa da freira tornar-se cada vez mais turva. Nem percebeu que os gritos dela tinham atraído o jardineiro, que trabalhava no canteiro sob a janela da sala de aula, e que ele pegara a aranha e a levara para fora. Não percebeu o silêncio das outras meninas, nem o quanto estava sendo humilhada pela freira. Apenas sentiu a dor do impacto daquelas palavras dentro dela como se fossem um soco, uma verdade que ela até então não tinha ainda conseguido digerir. Era verdade: ninguém lá fora a queria! Como foi que ela nunca percebera aquilo antes? Celeste dissera a mesma coisa, mas naquela época, o pai ia visita-la com frequência, e por isso, ela não acreditou.

Irmã Malvina, ainda arrastando a menina consigo, foi até a mesa e, abrindo a gaveta, puxou um objeto de madeira – uma palmatória – aplicando três golpes doloridos na palma da mão direita de 

Regiane, que estava tão assustada, que nem sequer reclamou. 

Após a punição, Regiane foi levada pelo braço até o corredor. Sem enxergar direito, devido às lágrimas, escutou quando Irmã Malvina lhe disse para voltar ao dormitório e ficar lá até as aulas terminarem, quando ela lhe aplicaria uma punição devida. Regiane estava magoada, furiosa, e sentia-se injustiçada por estar sendo acusada de algo que não fizera. Mas, mais que tudo, aquelas palavras eram o que mais lhe doía. A mão latejava, vermelha, e começava a inchar. Ela foi caminhando pelo longo corredor silencioso. Tinha a impressão de que todos sabiam de sua humilhação, de sua derrota. Passava pelas outras classes, cujas portas estavam abertas, e via as outras meninas tendo aulas. Todas a olhavam enquanto ela passava, o rosto vermelho, as lágrimas escorrendo pela face. Regiane achava que todas tinham ouvido o que acontecera.

Ao chegar ao final do corredor, Regiane deparou com uma antiga cristaleira, onde ficavam algumas imagens de santos. Olhou para aqueles rostos piedosos, e para as mãos estendidas. Teve ódio de todos eles, que nada faziam para ajuda-la. Não a defenderam das infâmias, não a protegeram dos inimigos, não impediram que sua mãe fosse embora. Lembrou-se de um pequeno altar que tinha no quarto da mãe, sempre com algumas flores, e uma santa parecida com uma daquelas. A santa não a ajudara em nada. De repente, com um golpe de fúria, Regiane ergueu o braço, e com a mão ainda dolorida fechada, desferiu um soco no vidro, que se espatifou aos seus pés. 

Depois  daquilo, ela saiu correndo, e desobedecendo as ordens de Irmã Malvina, foi para o único lugar onde ela sabia que não seria molestada – pelo menos, até o término das aulas: o porão. 
Escancarou a porta, e o cheiro de coisas velhas e poeira encheu-lhe as narinas. Olhou para dentro, e esperou que seus olhos se acostumassem à escuridão. Puxou a cordinha e a mesma luz fraca de antes se acendeu. Regiane entrou. Procurou pelos gatinhos, mas eles já tinham crescido e ido embora. Ou então, quem sabe, aquela malvada da irmã Malvina tinha mandado leva-los! 

Ela sentou-se no chão e chorou. Sentia-se muito sozinha. Nunca se sentira tão sozinha como naquele momento. Seu pai estava longe. As tias só a visitaram uma única vez, desde que tinha chegado naquela escola, e os finais de semana no casarão que o pai havia prometido, nunca aconteceram. Ela estava há meses naquela escola, esquecida por todos, jogada fora, porque exatamente como Irmã Malvina dissera diante de todas as outras crianças, ninguém mais a queria. Achou que era tão importante quanto aquela aranha feia e repugnante. Mesmo os gatinhos tinham uma mãe amorosa que cuidara deles, mas ela, não tinha ninguém que a amasse.

Abraçada aos joelhos, a menina só chorava, e chorava, e chorava, os olhos fechados, seus soluções prpfundos contidos pelas paredes mofadas do porão, que não admitiam ecos.

De repente, ela sentiu um toque leve sobre seu ombro. Ergueu os olhos, e deparou com o rosto suave de Ricardo. Sem nada dizer, Regiane levantou-se e deixou que ele a abraçasse, e consolasse, até que o choro acalmou-se e foi cessando aos poucos. Quando ela finalmente parou de chorar, secando as últimas lágrimas com a manga do casaco do uniforme, ele disse:

-Querida, a vida nem sempre é justa. Mas você não precisa se conformar, nem se revoltar. Quando estiver passando por um momento ruim, entenda que é só um momento ruim, e que ele vai passar, e que a vida não é toda de momentos ruins. Há coisas boas também. E tudo passa, tudo... não se entristeça demais, nem se alegre demais.

Ela concordou com a cabeça, e compreendeu as palavras dele. 

-Às vezes, as pessoas nos fazem mal porque elas mesmas estão infelizes. Quem está infeliz não consegue ver outras pessoas felizes, então acabam fazendo ou dizendo coisas que deixam os outros tristes... mas não é você o problema, são elas mesmas. Um dia, você vai crescer e entender melhor o que eu estou dizendo. Mas por enquanto, pare de chorar e seja corajosa, está bem?

Regiane concordou com a cabeça.

-Por onde você andou?

-Ele sorriu:

-Eu? Não saí daqui. Estive sempre aqui, minha menininha. Mas você não precisou de mim, não é? Não veio me visitar!

-É que... não deu tempo! Tenho que estudar muito para conseguir acompanhar as aulas. Tenho que fazer as pessoas acreditarem que eu sou mais velha do que sou de verdade. Mas é tão difícil...

-Hum... eu sou muito bom em matemática. Gostaria que eu a ajudasse? Se quiser, venha aqui todos os dias após as aulas, e eu a ajudarei. Mas lembre-se: não conte a ninguém, ou terei que ir embora e nunca mais nos veremos.

Ela beijou os dedos em cruz, já quase esquecida de suas dores recentes:

-Está bem, Ricardo. 

.    .    .    .    .    .    .    .

No dia de seu aniversário de nove anos (na verdade, de sete anos) Regiane teve uma agradável surpresa: foi convidada para ir ao casarão. Tia Rosa foi busca-la bem cedo, no sábado pela manhã. Ela estava com muitas saudades da tia, e ficou muito alegre ao vê-la. Gostaria de poder contar-lhe sobre seu mais novo amigo, Ricardo, mas lembrou-se de sua promessa, e calou-se. Após despedir-se das colegas da escola,  as duas foram caminhando de mãos dadas pela Avenida Koeller, que estava linda naquela manhã de maio, quando pássaros de todas as cores cantavam nas magnólias, e depois de cruzarem a praça da Liberdade (parando alguns minutos para que Regiane pudesse usar os balanços e demais brinquedos), chegaram ao casarão. 

Mal abriram a porta, e Regiane não pode conter sua alegria: todos – Tia Fiorela, Tio João, seu pai e Lea, sua priminha mais velha, estavam lá e cantaram parabéns para ela. Aquela fora a primeira vez que ela tivera uma festa surpresa. Regiane abraçou a todos, muito feliz, conheceu sua nova prima, que ainda era um bebê, e depois sentaram-se à mesa para tomar o café da manhã com bolo confeitado. O pai deu-lhe de presente um lindo vestido novo com uma fita cor-de-rosa na cintura, que Tia Fiorela bordara na gola. Das tias, ela ganhou um par de sapatos de verniz e meias novas. Regiane teve autorização para vestir suas roupas novas, e ficou desfilando na frente do grande espelho do quarto da tia, e quando caminhava, olhava para os próprios pés, admirando os sapatos novos. Sabia que assim que voltasse para a escola, teria que usar os uniformes feiosos novamente, então tratou de aproveitar aqueles momentos. Depois, ela foi ao quintal dos fundos, para matar a saudade dos muitos gatos de Tia Rosa. Brincou com eles por alguns minutos, lembrando-se de seus nomes, e viu que havia novos membros na família dos felinos, que fugiam quando ela tentava se aproximar deles. 
Contou-os, e descobriu que eram onze no total. 

Bem nos fundos do quintal, havia uma escadaria que levava colina acima. Era cansativo subi-la, e por isso, os adultos não iam muito lá, mas Regiane gostava muito de subir as escadas de cimento meio-quebradas, apoiando as mãos no musgo verde e aveludado que cobria o morro. De vez em quando, ela parava para descansar e olhava a vista da cidade: de lá, podia avistar a torre da catedral São Pedro de Alcântara ao longe, algumas ruas próximas, as muitas montanhas azuladas e a sua tão querida Praça da Liberdade. 

No alto daquele morro, havia um pequeno chalé abandonado. Fazia parte do terreno da casa, mas ninguém nunca vivera ali. Junto à casa, algumas toras de madeira, sobras  da serraria de tio João. O chalé estava sempre fechado. Regiane já tentara entrar (adorava coisas misteriosas), mas as portas estavam sempre trancadas. Ali, o silêncio era total. Havia alguns pessegueiros em volta da casa, e naquela ocasião, eles estavam começando a florir, deixando a paisagem ainda mais bonita. Regiane sentou-se nas escadas da porta da frente, e ficou escutando os passarinhos enquanto admirava seus sapatos novos. 

Gostava de fingir que sua mãe morava naquela casa. Fingia que ela estava lá dentro, preparando o doce-de-abóbora que ela tanto adorava, e que logo o doce ficaria pronto e ela seria chamada para comê-lo. Não haveria nenhuma visita dos “tios” para interrompê-las, e ela não teria que apertar os olhos e  fingir que estava dormindo enquanto a mãe fazia coisas com eles, e as duas poderiam estar sozinhas, desfrutando da companhia uma da outra e brincando de pegar, correndo entre os pessegueiros, e a mãe colocaria flores em seus cabelos. A mãe estaria usando um vestido branco esvoaçante, cujas saias dançariam quando o vento soprasse. De olhos fechados, Regiane imaginava a cena. 

Ela não conseguia lembrar-se bem do rosto de Vicentina, e quando aquilo acontecia, Regiane pegava uma fotografia que o pai lhe dera – mas a foto já estava gasta e um pouco amassada, começando a amarelar. Na foto, ela via uma moça séria, de cabelos escuros presos em coque e olhos que olhavam adiante, para algum lugar misterioso que Regiane não podia alcançar. Aquela seria a única fotografia que ela teria da mãe para o resto de sua vida. Não havia outras. Sem aquela foto, a imagem de sua mãe aos poucos tornava-se a de uma mulher sem rosto, e aquilo a deixava apavorada! Às vezes, quando sonhava com ela e não conseguia ver seu rosto, enxergava apenas uma criatura de cabelos  soltos emoldurando uma face translúcida e amedrontadora. Acordava suando, assustada, e agarrava a foto que trazia sempre consigo e olhava o rosto da mãe para certificar-se de que ele ainda estava ali, e agarrada à foto, ainda ofegante pela força do sonho, adormecia.

Regiane despertou de suas fantasias com o grito do pai, que a chamava. Ela sabia que o pai e os tios não gostavam que ela brincasse ali, pois temiam que ela rolasse a colina ao cair da escada. Ela pensava: “adultos sempre acham que as crianças são tolas!” ela começou a descer as escadas, devagar, para não sujar os sapatos novos, e quando chegou lá em baixo, levou uma bronca do pai:

-Menina, eu já não lhe disse para não subir aí?

Sem pensar, e apenas tentando justificar sua desobediência, ela respondeu:

-Eu estava com a mamãe!

Régis sentiu o coração dar um salto dentro do peito. Seria aquela a resposta para suas preces? O tempo todo, Vicentina estava ali, naquela casa, esperando que ele a procurasse? Tantas vezes tentara contato com a alma dela, sem obter sucesso! Ele segurou a pequena pelos ombros, ajoelhando-se para ficar na frente dela:

-Querida, com quem você disse que estava?

Regiane continuou a deixar fluir sua fantasia:

-Com a mamãe! E ela estava tão bonita, de vestido branco! Disse que ia fazer doce-de-abóbora para mim.

Régis abraçou a filha, os olhos cheios de lágrimas, sem conseguir conter a emoção. Vicentina estava ali naquela casa, e se Deus quisesse, ele a veria de novo! 

-E o que mais ela disse?

-Mais nada... a gente brincou de pegar e ela colocou uma flor no meu cabelo... mas eu acho que caiu.

Naquele momento, os dois estavam cercados pelas tias e por João. Régis gritou:

-Vocês ouviram? A menina a viu! Regiane acaba de ver Vicentina!

Regiane, sentindo-se feliz e importante com toda aquela atenção, acrescentou:

-E ela estava tão bonita! Disse que um dia ela vai voltar.

Para ela, mentir um pouquinho não fazia mal, se deixava os adultos felizes e despertava a atenção deles para si. Régis declarou:

-Organizarei uma sessão espírita na casa da colina, isso é, se vocês não se opuserem!

Rosa, Fiorela e João se entreolharam, confusos. Foi João quem falou:

-Bem... eu não acredito em nada disso, você sabe, meu cunhado. Mas se vai deixa-lo feliz, que seja feito! 

(Continua...)








4 comentários:

  1. Aguardando pelo próximo!
    Obrigada, Ana!
    Tenha uma linda semana!
    Abraços carinhosos
    Maria Teresa

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  2. Ai meus sais... Naum vejo a hora de ver a continuação!!

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  3. Bom dia Ana.
    A passagem da aranha, tão revoltante, talvez porque a cena esteja muito bem explicada e os personagens já possuem a característica bem marcada. Quantas vezes colocam aranhas em nossos ombros e ainda nos acusam pela reação, pelo momento de dor que nos causam, e santo nenhum se apieda mesmo, o jeito é amadurecer. Cada vez que uma lágrima escorre nos tornamos mais maturados... rs...

    Tão linda a cena da casinha com a mãe fazendo o doce, fui Regiane nesse momento.

    Cada capítulo tem de despertado algo meio que particular, talvez o teu enredo tenha se tornado um anjo no porão e eu esteja mesmo como Regiane, rs...

    Obrigada pelo acesso e encantos...

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