terça-feira, 26 de novembro de 2013

EVA - FINAL



Aos 27 anos,  conheci Lorena, quando começamos a trabalhar no mesmo escritório. Algo diferente aconteceu; senti que com ela, não seria como havia sido com as outras que vieram após Eva. Encantei-me por seu sorriso, e apaixonei-me pelo seu jeito simples de ser. Devo dizer que ela tinha 23 anos quando nos conhecemos. Mamãe ficou exultante de felicidade quando a levei em casa e a apresentei como minha namorada, e as duas tornaram-se amigas inseparáveis. Meu pai também a aprovou na hora.

Nosso relacionamento foi ficando cada vez mais forte, e apaixonei-me completamente por ela. Jamais a comparei com Eva, como fazia com as outras garotas; Lorena é única! Ela me ajudou a esquecer Eva completamente, e me fez renascer. Hoje, Lorena é para mim como uma lufada de ar fresco, uma luz e uma razão para viver, e o  desejo de ser cada vez mais feliz. Não consigo imaginar a minha vida sem ela.

Namoramos durante três anos. Casamo-nos quando fiz 30 anos, e ela, 26.

Mas o destino é algo implacável, contra o qual não podemos lutar. Ele nos leva até aonde precisamos ir, e não admite desvios. Nem sempre desejamos seguir seus caminhos, mas se tentamos desviar-nos deles, ele novamente os estende diante de nós; só nos resta seguir por aqueles caminhos impostos pelo destino, e aprender o que ele nos quer ensinar.

Lorena fez questão de passar a lua de mel em Paris.

Relutei o quanto pude; mas ela foi implacável, dizendo que sempre desejara conhecer a Cidade Luz. Quando eu já estava quase convencendo-a a irmos para a Itália, ela veio com a novidade: seus pais nos presenteariam com a passagem e estadia de quinze dias no Ritz, em Paris. Eu nada mais pude dizer. Comecei a aceitar a ideia, e pensei: mesmo que eu encontrasse com Eva, o que seria uma possibilidade bastante remota, o que significaria? Eu não a amava mais. Com certeza, ela seguira sua vida e era feliz. Nada mais havia em comum entre nós, e provavelmente, se nos reencontrássemos, seguiríamos nossos caminhos como se nada houvesse acontecido. Porque o tempo também faz com que os grandes amores tornem-se pó.

Assim, tomamos o voo para Paris. No terceiro dia após nossa chegada, encontrei-me com Eva.

Era assim que teve que ser.

Era  manhã de sábado, ainda  cedo, e eu saíra para dar uma caminhada pelo Louvre, bairro onde fica localizado o Hotel Ritz. Deixara Lorena adormecida. O dia anterior tinha sido intenso, pois queríamos aproveitar cada momento de nossa estadia em Paris. Estava um pouco frio naquela manhã de outono, e eu escolhera um casaco acolchoado e um cachecol.

De repente, reparei em uma senhora e uma menina caminhando de mãos dadas; a menina, aparentando estar entre quatro e cinco anos de idade, era muito bonita - parecia uma daquelas crianças de calendários antigos: olhos azuis vivos, cabelos loiros cacheados, lábios de um rosa forte, cor talvez emprestada pelo clima frio. Encantei-me por ela. Quando ergui os olhos, olhando na direção da senhora que a acompanhava, vi que  também era muito bonita, apesar da idade. Aquele pensamento "apesar da idade" ficou ecoando em minha cabeça. Ela não era muito alta, e levemente rechonchuda. Usava óculos, e tinha cabelos grisalhos curtos em corte channel,  presos por uma fina tiara dourada. Pensei no que Lorena dissera sobre a maioria das mulheres europeias não tingirem os cabelos e aceitarem bem a idade que tinham. De repente, meu coração bateu mais forte.

A realidade caiu sobre mim como uma pesada pedra: a mulher era Eva! Eu não me enganaria nunca, tinha certeza absoluta que era ela.

Parei no meio da calçada, e ela também me reconheceu. Ficamos ambos parados diante  do outro, até que ela sorriu levemente, e disse, como se fosse muito comum que nos encontrássemos ali todos os dias:

-Como vai, Elton?

Respondi-lhe num sussurro:

-Bem. E você?

Ela sorriu, e apresentou-me a menina:

-Esta é Marie, minha netinha.

A menina fez uma pequena reverência com os joelhos, e sorrindo, cumprimentou-me:

-Bon jour, monsieur!

Repeti o cumprimento, sorridente. Olhei novamente para Eva, e percebi que o tempo tivera seus efeitos em seu rosto. Fiz os cálculos, e concluí que ela teria 55 anos. Ainda era uma linda mulher, mas parecia ter envelhecido mais do que seria natural a uma mulher de sua idade. Também estava mais pesada. Ela pareceu perceber meu olhar examinador, e disse:

-O tempo passou para todos nós, Elton. Mas você está muito bem!
-Você também, Eva. Você continua linda, como sempre.

Fui sincero em meu elogio, e ela sorriu.

Lembrei-me de tudo o que acontecera no passado, mas não com  a mesma intensidade ou sofrimento. Pensei que o tempo também nos ajuda a dar às coisas sua verdadeira dimensão, e que do fundo do meu coração, eu a perdoava. Ela me olhava também sem nenhuma dor. Estávamos de pleno acordo. Perguntei-lhe:

-Como estão seu marido, e sua filha?

Uma sombra de tristeza passou pelo seu rosto, mas ela logo sorriu, e dissipou-a:

-Ingrid está bem... mas Jean faleceu, infelizmente... por isso fui embora daquela forma, Elton. Ele estava doente. Precisava de mim. Precisava de alguém que cuidasse dele. Dois anos depois que partimos, ele se foi, e jamais lamentei por estar ao seu lado naquele momento. Não poderia ter feito diferente.

Então era aquele o segredo... fiquei muito triste por ele. Eu nada disse, mas meus olhos demonstraram o quanto eu lamentava profundamente. Compreendi o motivo pelo qual Eva envelhecera mais do que seria natural; o sofrimento nos faz envelhecer rapidamente. De repente, ela sorriu:

-Mas Ingrid está muito bem, e além de Marie, tem um menininho. E eu casei-me novamente.

Aquela informação surpreendeu-me. Achei que seria acertado contar a ela sobre mim.

-Eu também. Estamos... em lua de mel.

Ambos rimos. A menininha olhava-nos, sorrindo também. Um sol fraco brilhava entre as nuvens escuras, e folhas secas forravam a calçada. Olhei-a nos olhos, e vi que a Eva que eu amara ainda estava lá, em algum lugar, tentando esconder-se de mim. Tive certeza, pelo olhar que ela descuidadamente deixou escapar, de que Eva ainda me amava, e que de certa forma, eu sempre a amaria. 

Ela apertou a mão da menininha, que a olhou, e depois olhou-me. Não havia mais nada que pudéssemos dizer um ao outro. Notei que ela estava tentando conter o choro, e também senti vontade de chorar, mas segurei minhas emoções, e sorri. Ela respirou fundo, dizendo:

-Bem, Elton... foi um prazer revê-lo. Precisamos ir agora. Adeus.

E Eva passou rapidamente ao meu lado, e quando eu disse-lhe adeus, ela já ia caminhando atrás de mim. Eu não sei se ela olhou para trás alguma vez, pois eu mesmo me afastei depressa. 

Sentei-me em um café, e fiquei ali, absorto em minhas lembranças, colocando a cabeça no lugar. Estava um pouco melancólico, não pelo que acontecera, mas pelo que eu jamais saberia como teria sido. Mas eu tinha uma nova vida. Eu tinha um novo amor. Meu pai teria dito que a vida escreve certo por linhas tortas, mas jamais contei a ninguém sobre aquele reencontro.

Nunca mais retornei a Paris, e nunca mais soube de Eva.




3 comentários:

  1. Acho que ele não a amava de verdade, era paixão, que dá e passa.
    bjs

    http://eueminhasplantinhas.blogspot.com.br/

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  2. Paixão é encantamento. Amor é uma sólida amizade. Beijinhos

    http://acontarvindodoceu.blogspot.pt/

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  3. Olá!Boa noite...Ana!
    uhul,consegui ler todos ...e não poderia deixar de ler o final..também,pensei que era aquela paixão e fogo juvenil, mas ele realmente amou Eva, disso tenho certeza...Eva, tinho uma escolha, e a fez, viu que precisava cuidar do marido doente, mas, como o pai disse, a vida tem de essas coisas mesmo...o que tem que ser será, Deus escreve certo por linhas tortas...
    Adorei,parabéns pelo conto!
    Fique bem, cuide se bem!
    Agradeço,belos dias, beijos!

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