quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Armadilhas - Capítulo III






Capítulo 3 – O Tesouro

Annette deixou o hospital e ligou para Fernando. Disse-lhe que ela ( Eduarda ) estava dormindo, e pediu a ele que fosse buscá-la, pois não se sentia em condições de dirigir.
Achara a carta de Dora junto à mesinha de cabeceira. Ela escrevera o seguinte:

“A quem possa interessar,
Estou deixando esta carta não como uma justificativa pelo que fiz, envenenando parte de minha família, pois não posso justificar-me por algo que fiz por achar ser o certo. Eu a escrevo apenas para que Eduarda não venha a ter problemas com a polícia; vocês sabem, podem achar que ela aprontou tudo isso.
Matei a parte podre da família. Nós não tínhamos mais jeito. Mas Eduarda , ah, ela sim, pode ser o que quiser ser, pode resgatar a honra de minha mãe, e não quero que as sombras de seu pai fracassado, sua mãe bêbada e seu irmão drogado a persigam pelo resto de seus dias.
Eduarda, isso é para você: seja feliz e siga sem culpas. Não pense muito em nós, aliás, esqueça-se de nós pois não somos nada. Você sabe. 
Lembre-se da caixa.”

Ainda precisava perguntar a Eduarda o que era a tal caixa, mas não era o momento. Chorava por seu irmão morto, seu pobre Jorge, que se apaixonara tanto por uma mulher louca e excêntrica. Ela o avisara tantas vezes que Dora era uma mulher estranha, mas ele nunca lhe dera ouvidos, e agora... Ah, o que seria de Eduarda? Pobre menina...

Fernando chegou minutos depois, e ela entrou no carro. O marido passou os braços à volta dela e Annette deitou a cabeça em seu ombro, chorando.
-         Ele ainda era tão moço, apenas 48 anos... e o pobre Getúlio... veja no que se transformou, sendo educado por aquela louca! Mas não importa agora, não é?
-         Fique calma. Eu já tomei as providências para o velório. Não se preocupe, tudo isso vai passar.
-         Eduarda está dormindo agora. Por pouco ela não está morta, como todos eles. Oh, Fernando, o que aconteceu? Por que isso aconteceu?

Fernando suspirou fundo e não respondeu. Não tinha as respostas. Aliás, nem conhecera muito bem a família de seu cunhado morto, pois Annette e Dora não se davam bem, e nas raras vezes que Jorge os visitara, ele fora sozinho. Apenas poucas vezes Dora permitiu-lhe levar as crianças. Algumas vezes Annette fora visitá-los, mas devido à frieza e às vezes, à hostilidade declarada de Dora, evitava fazê-lo. Annette lembrava-se do olhar doente da cunhada, sabia que ela precisava de tratamento psiquiátrico, mas apesar de concordar com ela, Jorge nunca tomou nenhuma atitude. Nem mesmo quando ela começou a beber, durante a gravidez de Getúlio. Justificava-se, dizendo que ela era normal a maior parte do tempo, e que com a vinda de crianças, ela acabaria tornando-se menos ansiosa. Mas a maternidade não pareceu fazer-lhe nenhum 
bem.




Ela ignorava Getúlio o quanto podia, relegando-o apenas o suficiente para mantê-lo vivo. Muitas vezes Jorge chegava do trabalho e tinha que dar-lhe banho, pois ela esquecia-se de fazê-lo, ou então estava tão bêbada que nem mesmo conseguia . Annette temia pela vida do sobrinho, e chegou a pedir ao irmão que se separasse de Dora, mas ele não queria fazê-lo. Dora alimentava o bebê e o deixava no berço a maior parte do tempo, mesmo que ele berrasse. Um dia, ao visitá-los, Annette acabou brigando com Dora por causa de Getúlio, no que Dora respondeu-lhe que ela ficasse tranquila, pois não mataria seu próprio filho, apenas achava que os homens não mereciam muito amor. Naquele momento, Annette percebeu o quanto a cunhada precisava de ajuda. 

Quando Eduarda nasceu, Dora pareceu realmente melhorar. Ficou sem beber durante quase um ano, enchendo a pequena de mimos e cuidados. Foi a época mais feliz do casamento deles. A casa parecia um chiqueiro, pensava Annette, como sempre, mas ela cuidava da menina com esmero. Até mesmo passou a cuidar um pouco melhor do pequeno Getúlio, e também de Jorge.
Ele a amava. Annette nunca tinha visto um amor doentio como aquele. Ela era apenas complacente com ele, às vezes até gentil, mas nunca carinhosa. Mas iam levando a vida, e Jorge parecia satisfeito com as migalhas de atenção que recebia, e também pelo fato dela ter parado de beber.
Até que ele, inadvertidamente, sugeriu-lhe que vendessem a casa. Então, o pesadelo recomeçou. Annette sabia de tudo aquilo porque o irmão muitas vezes ligava para ela no meio da noite, de algum telefone público, para desabafar. Ela o ouvia, mas quando tentava aconselhá-lo a deixar Dora e levar as crianças, ele desligava. Annette não sabia qual dos dois era mais doente.

Dias se passaram. Eduarda não tinha ido ao enterro de sua família, pois estava no hospital. Agora recuperava-se na casa dos tios , Annete e Fernando. Eles não tinham tido filhos, e a tratavam como um bebê, tomando todas as providências para que nada lhe faltasse e para que ela estivesse sempre alimentada, aquecida e confortável. Mas toda aquela atenção fazia com que ela se sentisse sufocada. Fora criada de forma diferente, crescera praticamente livre, cuidando de si mesma, fazendo o que achava que tinha que ser feito. Não estava acostumada que lhe dissessem que já era hora de ir para cama – já tinha dezoito anos! - nem que ela precisava se alimentar.

Tinha terminado a escola , por isso não podia ocupar-se com alguma coisa que a deixasse, por algumas horas, livre deles. Perdera a matrícula para a faculdade. Além disso, ainda não a tinham deixado voltar à casa, onde estava a caixa com seu futuro. Não queria parecer ingrata com os tios, que fizeram e faziam tudo para que ela se sentisse bem. Mas não aguentava mais aquela vida.

Annette comprara-lhe roupas novas, caras e sofisticadas. Eles não eram ricos, mas viviam muito bem, portanto tinham condições de dar-lhe aquelas coisas. Eduarda olhava-se no espelho e não se conhecia dentro daquelas roupas. Sentia falta de seus jeans surrados, e quando dizia aquilo, Annette dizia-lhe que era uma questão de tempo, ela logo se acostumaria. “Quanto tempo eles acham que vou ficar aqui?”, ela pensava. 



O Natal chegou. Sua família tinha morrido há apenas três meses. Annete estava decorando uma enorme árvore de Natal, que colocara bem junto à janela. Enfeitara a entrada da casa com luzes coloridas. Fizera lindos embrulhos e colocara sob a árvore, e até tinha pendurado saquinhos no aparador da lareira! Eduarda a observava, sentada no sofá.
-         Tia, por que decora a casa toda se não tem crianças?
-         Ora... nós adoramos o Natal. Além disso, as irmãs de Fernando vêm passar a noite de Natal conosco, e elas têm crianças.
Eduarda lembrou-se que, em casa, nunca tinham tido uma árvore de Natal. Aliás, nem mesmo qualquer tipo de educação religiosa. Tudo o que aprendera sobre Deus, ou Cristo, fora na escola, nas aulas de catecismo que tomara parte, mas nunca chegou a fazer a primeira comunhão, pois Dora estava bêbada no dia da festa. Mas, no fundo, apesar de ter chorado um pouco porque não iria mais usar seu vestido branco, Eduarda sentia-se aliviada; não conseguia acreditar nas coisas que as freiras tentaram lhe ensinar nas aulas de catecismo.

A noite de Natal foi longa e tediosa. Os convidados começaram a chegar às oito e meia da noite. As irmãs de Fernando – três mulheres meio- gorduchas que cheiravam a almíscar e falavam pelos cotovelos – tinham trazido suas crianças, como Annette lhe dissera. A “multidão” que invadira a casa consistia em três casais: Germana e Dário , com os três filhos pequenos Pedro, Lucia e Nina, cujas idades variavam entre 5 e nove anos; Bia e Fausto, com Claudia, uma pré-adolescente convencida e, segundo Eduarda observou, maquiada demais; e finalmente, Carla e Augusto, com os filhos gêmeos de doze anos, Julio e Paulo.
Eduarda ajudava Annette no que podia. Serviu algumas bandejas de salgadinhos antes do jantar, ajudou a pôr a mesa.
 Notou que as irmãs de Fernando falavam dela. Olhavam-na com olhos piedosos e sacudiam a cabeça. As crianças pareciam alheias a tudo aquilo, e queriam apenas gritar e correr pela casa, fazendo uma algazarra infernal. Apenas a “mocinha” permanecia sentada na poltrona, as pernas finas cruzadas, enrolando uma mecha de seu cabelo louro nos dedos e olhando as unhas pintadas.Ás vezes, seu telefone celular tocava, e ela ficava alguns minutos murmurando e dando risadinhas.

Os maridos estavam reunidos em volta da mesa da cozinha, para uma partidinha de biriba antes da ceia.
A televisão estava ligada. As mulheres falavam sem parar. De repente, Eduarda sentiu-se muito só. Não fazia parte de tudo aquilo, e descobriu que não queria aquele tipo de vida. É claro que na escola invejava as 'famílias normais', mas ela não sabia o que era uma família normal. Uma vez sua mãe lhe dissera que quase todas as 'famílias normais' não passavam de personagens de um comercial de margarina. Ela não entendera, na época, o que Dora quis dizer, mas agora entendia perfeitamente.
Tinha que dizer a eles. Precisava dizer a eles que queria sua própria casa de volta. Eles sofreriam, mas ela precisava fazer aquilo.
Uma das crianças começou a correr em volta dela, talvez Nina, ela não lembrava bem dos nomes. Logo foi perseguida por um menino que tentava pegá-la, mas Nina usava Eduarda como escudo. Ela começou a ficar tonta e enjoada. Pediu-lhes que parassem mas as crianças nem lhe deram ouvidos, continuando com a brincadeira. Súbito, Eduarda pegou a menina pelos braços e praticamente jogou-a no sofá. Saiu correndo da sala, enquanto a menina assustada começava a chorar.

Todos pareceram confusos, e Eduarda viu o olhar magoado e preocupado de Annette quando passou por ela, antes de sair para a noite fresca e estrelada da rua.
Começou a andar. Lá atrás, ouvia a voz de Fernando chamando-a de volta. Ela fez um sinal com as mãos, dizendo que estava bem, e continuou andando. A noite estava fresca, e ela sentiu-se aliviada pelo silêncio que a cercava. Podia ver dentro das casas iluminadas as famílias reunidas, as árvores de Natal. Ouvia vozes e risos. Ocorreu-lhe que tudo aquilo parecia-lhe muito mais perfeito agora que estava do lado de fora. Caminhou pela calçada reta da Avenida Koeller, observando as pequenas lâmpadas brancas que se enroscavam à volta das magnólias, e achou aquilo tudo um gasto enorme e inútil de tempo, energia e paciência. Riu da futilidade de tudo aquilo.



Andou muito, nem sabia quanto tempo tinha se passado, até que se cansou e sentou-se num banco da Praça da Liberdade. Como seu pai.
Tudo estava deserto. Agora, pela primeira vez sozinha desde que tudo acontecera, percebeu que não tinha pensado muito sobre sua família. Annette e Fernando faziam de tudo para que ela esquecesse. Os médicos receitaram-lhe calmantes para que dormisse pesadamente à noite, e Annette sempre estava lá para certificar-se de que ela os tomaria. Durante o dia, sempre havia alguém com ela, fosse Annette, Fernando ou um vizinho deles, para que ela conversasse sobre assuntos que não a interessavam, pois assim, não teria tempo de pensar. Mesmo durante o banho, se demorasse um pouco mais no banheiro, Annette batia na porta para saber se ela estava bem. Não suportava aquilo. Estava a costumada a ser deixada em paz.
Olhou para o caro casaco de cashemir salmão que Fernando lhe dera de presente. Acariciou a lã macia, passou as mãos sobre a saia de seda azul-celeste. Aquelas roupas não eram ela. Não tinham nada a ver com seu estilo, e se um dia pudesse escolher o que vestir – nunca pudera – certamente não seria nada parecido com aquilo. Arrancou o prendedor de marfim que Annette pusera em seu cabelo e jogou-o longe. Tirou os sapatos de salto médio, 'adequados para uma jovem mulher', segundo Annete lhe dissera, e chutou-os para longe.
Sentiu-se melhor.

Quando olhou para o lado, Eduarda o viu pela primeira vez. Ele observava tudo o que ela fazia, e certamente viu quando ela tinha tirado o prendedor de cabelo e os sapatos. Viu também quando ela os jogou longe. 

Estava sentado dois bancos após o dela. Achou estranho não tê-lo visto chegar. Eram as únicas pessoas na praça. Era moreno, usava uma jaqueta de couro preta e calças jeans. Ela não conseguia ver-lhe claramente as feições, mas percebeu que tinha um belo nariz grego e mãos de dedos muito longos. Eduarda sentiu-se estranha. Nunca tinha demonstrado nenhum interesse por homens antes, e na escola corria um boato de que era lésbica. Ela mesma duvidava de sua sexualidade, mas como achava que não tinha importância, não pensava muito naquilo. Mas olhando para aquele homem – que aparentava ser mais velho – ela soube que não era lésbica. 

Tentou não olhar muito para ele – disfarçou, continuando a olhá-lo pelo canto do olho. O homem levantou-se e começou a andar na direção dela. Percebeu que ele era alto e magro. Não conseguia mais  enxergar seu rosto , pois a luz do poste atrás dele tornava suas feições totalmente negras. Ela via apenas a silueta esguia se aproximando dela. Sentiu muito medo.

De repente, levantou-se e saiu correndo. Não olhou para trás. Correu até não poder mais. Quando parou, estava em frente à sua casa. Não a casa de Annette e Fernando, mas a SUA casa.
Pulou o portão de ferro e caiu no jardim. 

Sabia onde tinha uma cópia da chave; estava na garagem, dentro do porta-luvas da velha limusine. Jorge a deixara ali, caso um deles chegasse em casa e Dora estivesse bêbada demais para destrancar a porta.
Ela retirou a lona empoeirada e pegou a chave. Não se preocupou em cobrir a limusine novamente, correndo para a porta dos fundos, que abriu rapidamente e, entrando, bateu-a e trancou-a.
Encostou-se à porta e esperou, no escuro, até que sua respiração se normalizasse. Só então acendeu a luz. Seus tios lhe disseram que estavam pagando todas as contas da casa até que ela decidisse o que queria fazer com ela. Por isso, a casa tinha luz. Seus tios tinham certeza absoluta que ela faria o que era sensato, ou seja, livrar-se da casa, por o dinheiro numa conta bancária para ela e mudar-se para a casa deles definitivamente. Eduarda pensou que eles estavam quase certos, a não ser pela última parte.

Tudo parecia igual à última vez que estivera ali, no dia que tudo acontecera. Mas não; o chão ainda estava limpo, aliás, parecia mais limpo do que da última vez. Olhou em volta: as paredes tinham sido pintadas? Surpreendeu-se ao percebê-lo. Foi até a sala , e viu que tudo tinha sido meticulosamente limpo, encerado, esfregado, até o grande candelabro de cristal que pendia no meio do teto, e que não havia sequer uma só partícula da velha poeira. Os tapetes e cortinas tinham sido lavados, e os mais puídos tinham sido substituídos. Seus tios cuidaram de tudo! Correu até a janela e percebeu que o jardim estava diferente. A velha fonte tinha sido consertada, e jorrava água pela primeira vez desde que ela se lembrava, e o gramado tinha sido cortado, as roseiras aparadas, as árvores limpas das ervas daninhas. Na cozinha, os azulejos antigos tinham sido recolocados no lugar, e os que estavam quebrados, tinham sido substituídos por cópias idênticas.

A escadaria que levava ao andar de cima tinha sido forrada com um tapete vermelho. Ela a subiu. Parou diante do corredor e acendeu as luzes. O lustre de cristal, que estava sempre fosco e empoeirado, desta vez brilhou. Então ela se lembrou da caixa. Um certo pânico tomou conta dela, pois se gente tinha estado trabalhando na casa, poderiam muito bem ter achado seu tesouro e o levado dali. Correu até o quarto dos pais, e hesitou, antes de empurrar a porta e entrar. 
Tudo tinha sido limpo e arrumado, e as paredes, pintadas, como nos outros cômodos. O cheiro de cêra era ainda mais forte por ali. Pegou o banquinho da penteadeira e subiu nele, tateando com as mãos o topo do armário, quase em pânico, até que sentiu o veludo da caixa. Agarrou-a e trouxe-a para baixo.
Sentou-se na cama com o coração dando saltos em seu peito, e forçou o trinco da caixa, que se abriu com um estalido.

Ela deparou com um colar de enormes esmeraldas, incrustradas em quadrados de ouro amarelo e branco, alternadamente, circundadas por pequenos brilhantes. Na verdade, achou-o feio e antiquado, mas o importante era o quanto ele valia. Viu os brincos de diamantes: achou que se pareciam com o candelabro da sala, tão grandes e brilhantes eram. Pegou-os e sentiu seu peso. Colocou-os nas orelhas e foi olhar-se no espelho. Eles cintilavam sob seu cabelo.

Sua mãe não estava brincando. Por trás do colar, havia um papel de uma joalheria , uma avaliação por escrito, datada de 6 anos atrás. Eduarda pegou o papel amassado com as mãos trêmulas e leu, mal acreditando naqueles números. Ela engoliu em seco; leu novamente a parte que estava por extenso. Continuou lendo e lendo, até que notou que aquela avaliação referia-se apenas ao colar de esmeraldas. Viu que o papel era um pouco grosso, e que de fato, havia mais uma folha. Umedeceu o dedo na saliva e descolou o segundo papel ; era a avaliação dos brincos. Ela tinha em suas mãos uma pequena fortuna!
Instintivamente, levou as mãos às orelhas.

Guardou tudo dentro da caixa novamente. Teria que pensar bastante antes de decidir qualquer coisa. Afinal, agora tinha dinheiro suficiente para fazer uma reforma total na mansão, se quisesse. Ou poderia vendê-la – sabia que ela era muito valorizada - e aumentar sua fortuna. A menina que sempre tinha sido pobre, vestindo , muitas vezes, roupas de segunda mão, e passando noites em claro a fim de estudar para conseguir uma bolsa , agora tinha o mundo aos seus pés.
Lembrou-se da recomendação de sua mãe: “ seja feliz e siga sem culpas.”
Eles estavam mortos. Mas ela nunca os amara tanto como naquele momento, e quis, sinceramente, que eles estivessem ali com ela. Talvez, se Dora não tivesse sido tão egoísta, se tivesse acreditado um pouco em seu pai, a vida deles poderia ter sido bem melhor. 

Pela primeira vez desde que eles se foram, ela chorou. Andou pela casa, onde agora todos os banheiros funcionavam, agarrada à caixa. Seu quarto tinha sido todo pintado de verde-hortelã, e sobre sua cama tinham colocado um edredon de seda verde-escuro. As cortinas eram brancas, de seda, como sempre sonhara. Achou irônico que, para que ela tivesse tudo que sempre sonhara, fora preciso que ela perdesse tudo que, só agora sabia, verdadeiramente amava.

Pensou nos tios. Achou que seria melhor ligar para eles e dizer que não se preocupassem, que ela estava bem. Ouviu a voz chorosa de Annette do outro lado da linha, e depois a de Fernando, que agarrara o fone. Certificou-os de que estava bem e que necessitava ficar um pouco sozinha. Despediram-se dela, ela lhes desejou um Natal muito feliz, Annette chorou mais um pouco e Eduarda desligou o telefone.
Os armários da casa tinham sido esvaziados. Apenas as suas roupas tinham sido mantidas. Ela pegou um de seus jeans, uma blusa de lã e seu chinelo de pano. Tirou aquelas roupas que a sufocavam e vestiu-se com as velhas. 

Quando sentiu que todas as suas lágrimas tinham secado, respirou fundo e percebeu que pela primeira vez em sua vida, sentia-se realmente leve, em paz e feliz.


(CONTINUA...)





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