sábado, 4 de maio de 2013

Flores Secas - Parte VI





Flores Secas - Um Romance - Parte 6


Seu pai a abraçou, e disse-lhe que daquele dia em diante, ela seria livre novamente. Devolveria seus talões de cheques e permitiria que ela voltasse a sair com seus amigos. Não mencionou o fato de que tinha antes procurado seu ex-namorado e lhe oferecido uma enorme quantia de dinheiro para que ele ficasse longe de sua filha , ameaçando-o de que, se não obedecesse, tinha meios de destruí-lo para sempre. Como a quantia oferecida fosse muito generosa, o jovem em questão embarcou naquela mesma semana para uma viagem à Paris, dizem que acompanhado por uma linda jovem.

Logo que amanheceu, Margarida tomou seu café da manhã e esperou dar a hora de Fernando sair para o escritório; então, telefonou à Cristina perguntando-lhe se poderia visitá-la em seu apartamento por algumas horas, e esta ficou muito feliz.

Passaram uma manhã radiante, olhando as fotos do casamento. Margarida reparou o quanto o apartamento de Fernando era simples, mas decorado com bom-gosto, e pensou que para ela seria impossível viver longe do luxo e do conforto aos quais estava acostumada. Mas é claro, não cansou em tecer elogios à cunhada pela arrumação do apartamento.





Em alguns meses, estavam todos amigos novamente.
Foi quando o ex-namorado de Margarida voltou de sua viagem.
Margarida encontrou-se com ele casualmente, enquanto passeava pela avenida numa linda manhã de sol. Ele tentou desvencilhar-se dela, mas ela gritou seu nome. Ele foi obrigado a parar a fim de evitar um escândalo, pois conhecia muito bem Margarida, a verdadeira, não a que todos pensavam conhecer.
Ele foi direto ao ponto, dizendo-lhe que não mais se interessava por ela e que já até tinha uma outra garota, conhecida de ambos, com quem acabara de voltar de uma viagem à Paris. Ela não podia acreditar que ele a tinha esquecido. A fim de fazer pouco dele, ela disse que não acreditava no que ele estava dizendo, principalmente por saber que ele não tinha onde cair morto, e muito menos a coitada com quem ele dizia estar se relacionando, pois todos sabiam na cidade que a família da tal garota tinha falido, e que ela não estava em condições de financiar uma viagem à Paris para um morto-de-fome como ele.



Então, com um brilho de maldade nos olhos, ele disse-lhe que fora o pai dela que o fizera. E contou-lhe toda a história. Em seguida, deixou-a estarrecida, parada na calçada, e segui seu caminho sem olhar para trás.
Todo o ódio que ela sentiu seria suficiente para encher de energia uma bomba atômica. Mas aquele ódio não tinha como alvo o rapaz em questão. Na mente de Margarida, ele fora corrompido por seus pais, e Fernando tinha sido o principal causador da separação deles. Nem lhe passava pela cabeça que o seu ex-namorado fosse uma pessoa sem escrúpulos, que se vendia barato. Margarida tinha uma visão totalmente destorcida dos fatos.
Ela entrou num parque, escolheu um banco afastado e sentando-se, chorou de raiva e humilhação. E naquele momento, ficou bem claro em sua cabeça o que teria de fazer: vingar-se!
Ao chegar em casa, seu semblante estava novamente como sempre: radiante, cheio de inocência e absolutamente cativante. Beijou os pais, riu com eles durante um programa de comédia que eles estavam assistindo na sala de TV e depois do almoço, foi descansar em seu quarto.
Mas, na verdade, queria ficar sozinha para arquitetar sua vingança.



Numa tarde de domingo, ela pediu aos pais se não poderia convidar Fernando e Cristina para um jogo de cartas. Eles imediatamente concordaram. Ela telefonou-lhe fazendo o convite, e foi para seu quarto aprontar-se. Então, ela fechou a porta e fingiu ter ficado presa. Bateu à porta, gritando, e logo seus pais estavam do outro lado, tentando libertá-la. Ela disse-lhes que ligassem novamente para Fernando e pedissem que ele trouxesse sua caixa de ferramentas, pois o motorista e o caseiro estavam de folga – era domingo- e a empregada certamente não poderia fazer nada para ajudar. Os pais fizeram o que ela dissera, e Fernando , usando suas ferramentas, conseguiu abrir a porta.
Ela agradeceu a seu irmão, fingindo estar muito aliviada, e enquanto todos a rodeavam tentando acalmá-la, ela tratou de dar um jeito de fazer com que Fernando esquecesse sua caixa de ferramentas na casa.
Dias depois, seus pais saíram para uma viagem, da qual nunca retornariam: o carro perdeu os freios numa descida perigosa, despencando em um abismo.
A polícia logo percebeu que os freios tinham sido cortados. Ao examinarem a garagem da casa , encontraram uma caixa de ferramentas, que uma Margarida absolutamente horrorizada, dissera pertencer ao seu irmão de criação. E ela tratou de contar à polícia – sob forte emoção – o quanto o relacionamento entre seu irmão – de criação , ela fazia questão em frisar – e seus pais estava abalado, desde que eles tinham tido uma briga e Fernando tinha sido expulso de casa. Disse que o irmão vivia em um humilde apartamento com sua esposa, e que apesar de ter sido aceito como um empregado na firma do pai, jamais o perdoara totalmente, segundo ele mesmo confessara a ela num momento de tensão.



Quem poderia duvidar daqueles sinceros olhos azuis de anjo, marejados, daquela face rosada totalmente inocente e daquela voz doce e totalmente magoada? Ela teve um desmaio, precisaram chamar o médico da família.Ao mesmo tempo, Fernando e Cristina chegavam na casa.
Mas antes que entrassem, foram impedidos por Carlos, o motorista da família, que conhecia Fernando e Margarida desde pequenos, e que havia escutado toda a estória dela atrás da porta. Carlos não acreditava que seu patrãozinho fosse capaz de uma barbaridade daquelas, e desconfiava de Margarida, justamente por conhecê-la desde pequena. Ela nunca tinha tido nenhum gesto de gentileza para ele ou para os outros empregados da casa, tratando-os com frieza e até rispidez. Carlos lembrava-se claramente de ter visto Margarida, ainda uma menininha pequena, afogando na piscina um gatinho que acabara de ganhar, e depois chorando copiosamente, fazendo beicinho, pois não sabia que gatinhos não sabiam nadar. Mas Carlos nunca esqueceria a expressão fria da menina, e o prazer que ela parecia sentir enquanto o pobre animal agonizava, tentando libertar-se. Carlos tentou interromper, mas já era tarde. 
Destinos parecidos tiveram outros animais de estimação: um cachorrinho que Carlos encontrara morto no jardim, a boca cheia de barro, o que provavelmente causou-lhe o sufocamento; um pássaro que apareceu morto na gaiola, pescoço torcido, apenas algumas horas depois de ter-lhe sido presenteado. 



Então, os pais desistiram de dar-lhe animais de estimação, achando que ela os matava por excesso de zelo. Talvez, quando estivesse mais madura, diziam.
Fernando e Cristina ouviram a estória de Carlos, escondidos na edícula. Cristina queria entrar e desmascarar Margarida, mas Fernando sabia que tinha poucas chances de provar sua inocência se estivesse preso. Resolveu fugir. Naquele momento, Cristina contou-lhe que estava grávida.
Ele disse que voltaria. Um dia. E que sempre mandaria algum dinheiro para ela e para a criança.
Ele comprou um carro usado, e com a ajuda de Carlos conseguiu providenciar documentos falsos. Mudou-se para uma cidade distante, e continuou mudando-se durante todos aqueles anos, trabalhando como caixeiro viajante, servente de obras, pintor de paredes, garçom, enfim, toda espécie de empregos temporários que não exigiam tanto sobre a identidade de seus empregados. Sempre mudando a cor dos cabelos, ora usando barba, ora de rosto liso. Usava sempre óculos escuros e chapéu. Nunca ficava em um lugar por muito tempo.
A polícia estava à sua procura, mas Fernando acabou tornando-se uma espécie de “mestre dos disfarces”. Soube do nascimento de sua filha através de Carlos, para quem às vezes telefonava. Ninguém suspeitava da amizade dos dois. Com o passar dos anos, e tendo Margarida vendido o casarão e se mudado para outro estado, sem que ninguém soubesse para onde, as buscas foram tornando-se menos intensas.
Carlos ajudou-o a encontrar-se com a esposa e a filha, nas poucas vezes em que isso aconteceu. Durante estes encontros, Cristina chorava muito. Ela e a filha sabiam que Fernando tinha por direito parte da herança de seus pais adotivos, enquanto ele e elas viviam na miséria.
Fernando resolveu que encontraria Margarida. Para isso, recorreu à listas telefônicas das várias cidades por onde passava. Tinha uma foto dela, e às vezes mostrava a alguém, na esperança de que a reconhecessem, mesmo sabendo que isso era perigoso para ele. Mas ninguém jamais a reconheceu.
Foram anos de buscas. Ele traçou sua trajetória como um cão farejador, até que um dia, por mero acaso,ele a encontrou. Ficou observando-a de longe durante vários meses. Descobriu onde ela morava, quem era seu marido e quem todos pensavam que ela era. Tinha recortes de jornais onde ela aparecia, sorridente, junto ao seu marido.



Um dia, resolveu fazer contato. 
Ela atendeu a seu chamado prontamente. O primeiro encontro dos dois tinha sido nos fundos de um restaurante barato de beira de estrada, onde ele tinha um emprego temporário como lavador de pratos. Quando ela entrou, envolta em seu casaco de peles brancas e escondida atrás de um enorme par de óculos escuros, todos pararam de falar para vê-la passar. Ele pediu que ela fosse mais discreta da próxima vez.
Ele queria que ela dissesse alguma coisa sobre o que tinha acontecido. Desejava que a irmã confessasse seu crime. Talvez assim ele pudesse convencê-la a entregar-se à polícia e livrá-lo das falsas acusações. Apelou várias vezes para o lado sentimental, mas aos poucos percebeu que a irmã estava inabalada. Parecia mesmo que tinha um desvio mental. Não queria que ela se assustasse, pois sabia que ela seria capaz de largar tudo- inclusive seu marido e filhos – e fugir, desaparecer novamente. Durante meses , tentou abordá-la cuidadosamente.
Ela sempre ia aos encontros, e aparentava ter muito medo dele. Talvez por saber que ele poderia a qualquer momento desmascará-la junto ao marido. Cada vez mais ficava claro para Fernando que Margarida tinha problemas mentais, uma personalidade distorcida e doentia. Chegou mesmo a sentir pena dela.
Um dia, ela não compareceu a um dos encontros.
Ele lhe telefonou e marcou um outro encontro, ao qual ela também não foi. Passou a evitá-lo. 



Fernando tinha medo de que ela estivesse planejando alguma coisa contra ele. Resolveu ir até a casa dela. Ficou um longo tempo escondido , observando o movimento da casa. Esperou que os sogros de Margarida saíssem e logo depois, seu marido, com o bebê. Margarida estaria sozinha em casa com sua filha mais velha. Talvez tivesse uma empregada, mas ele saberia como disfarçar sua verdadeira identidade. Poderia dizer que era um vendedor ambulante.
Ele ficou algum tempo esperando, tentando tomar coragem para fazer o que queria fazer. Tinha a intenção de abordar Margarida com a verdade. Faria com que ela admitisse tudo. Se necessário, ele a forçaria, ou ameaçaria contar tudo à Amaro. Estava reunindo coragem para bater à porta, quando viu a empregada saindo da casa. Era tudo o que ele precisava.
Ele cruzou a rua e bateu . Margarida atendeu. Tentou fechar-lhe a porta, mas ele a empurrou e entrou na casa. Ele a segurou pelo pulso, e disse -lhe como ele tinha vivido durante todos aqueles anos; ela gritou, dizendo que não sabia do que ele estava falando, e que nem sequer o conhecia. Ele continuou falando, quase aos berros, da morte dos pais. Queria que ela confessasse, e dizia-lhe isso. Ela começou a chorar, e conseguiu desvencilhar-se dele. Empurrou-o, e ele caiu, batendo a cabeça na quina da mesa de centro, ficando um pouco tonto.Enquanto isso, ela correu até a gaveta da escrivaninha , no escritório, e pegou a arma que tinha comprado naquela semana. Ninguém sabia que ela a tinha. Voltou à sala e apontou na direção de Fernando, que estava ainda se levantando. Apontou-lhe a arma e atirou; só que naquele momento, atraída pelos gritos, sua filha Lucinda entrou correndo na sala de estar, ficando entre Fernando e a bala. Foi atingida, e caiu. Alucinada, Margarida atirou novamente, atingindo Fernando. 


Depois, ela ficou parada no meio da sala segurando a arma, os olhos turvados pelas lágrimas, a mente totalmente confusa.
Tentou pensar no que poderia fazer. Pensou que ainda lhe restavam Amaro e Diogo. Poderiam ser felizes juntos, se ela conseguisse consertar aquela situação. Diria que Fernando era um ladrão que invadiu a casa e atirou em todos ao ser surpreendido. 
Correu até a filha e abaixou-se junto à Lucinda. Ela tinha os olhos entreabertos, e não respirava mais. Por um minuto, ela chorou. Mas logo recuperou sua frieza. 
Andou pela sala, estudando ângulos. O lugar onde Fernando jazia era próximo à porta de entrada.
Friamente, Margarida estava tentando arquitetar seu plano. Andava de um lado para o outro, segurando a arma.
 Foi quando seus sogros chegaram e a surpreenderam naquele ato de pura frieza, e ambos soltaram um grito ao perceber os corpos no chão e a arma nas mãos de Margarida. Mal tiveram tempo de perceber o que estava acontecendo, pois ela apontou a arma para eles e atirou, matando a ambos. Fora de si, ela correu até Fernando, que agonizava. Tirou-lhe o lenço que pendia de seu bolso, limpando da arma suas impressões digitais. Colocou a arma entre os dedos dele e atirou em sua própria cabeça. Queria que pensassem que ela era inocente, e que ele tinha matado a todos. Tencionava apenas um tiro de raspão. Mas calculou mal, e a bala penetrou-lhe o cérebro.



Alguns minutos depois, ela despertou, para o que lhe parecia uma cena de algum filme dramático, onde várias pessoas encontravam-se mortas no chão da sala de estar de uma casa luxuosa. Levou algum tempo para perceber que ela estava entre aquelas pessoas. Quis gritar de terror, mas nenhum som saiu de sua boca escancarada. Então ela teve a sensação de ser sugada rapidamente para o alto, e depois foi cercada por uma escuridão pesada e úmida que tomou conta de sua mente, fazendo-a dormir. Às vezes tentava despertar, mas sua mente ficava muito confusa, e logo ela voltava a cair em seu sono pesado e sem sonhos. Percebia que estava sendo cuidada por alguém, mas jamais conseguia ver quem essa pessoa – ou pessoas- eram. Não tinha noção de tempo, ou lembranças . Achava que talvez estivesse em um hospital. Em coma.


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