segunda-feira, 10 de junho de 2013

Aceitação - Parte II




ACEITAÇÃO- Parte II

Passei aquela noite de sábado comendo porcarias em frente a televisão. Vi todos os filmes da HBO até amanhecer. 

Chorei, chorei, chorei... Tércio não estava ali, mas no entanto, estava mais ali do que jamais estivera. Fiquei entre o sono e  a consciência várias vezes. De vez em quando, acordava sobressaltada com a voz dele, como era sempre que ele chegava do trabalho e eu já estava em casa. Ele chamava, como se fosse possível que alguém mais estivesse ali além de mim: "Débora?..." Ah, o som daquela voz, meu nome dentro daquela voz! 

Quando abri os olhos, já era de manhã. Desliguei a TV, olhei em volta com uma sensação de que nada daquilo era real. Era apenas o filme que eu acabara de assistir. Deixei-me ficar assim, pensando, fingindo que ouviria os chinelos de Tércio no corredor, como ele fazia aos domingos, se encaminhando para a cozinha e perguntando: "Não tem café?" Mas nada aconteceu. 

Ah, sim, algo aconteceu: alguém estava tocando a campainha. 

Eu quis fingir que não ouvi, e fingi, mas a pessoa insistiu. Senti que havia uma certa urgência naquele toque. Olhei pelo olho mágico, e vi apenas o topo de uma cabeça loira, e por cima dela, o portãozinho branco e o caminho de pedriscos que conduzia até a porta. Não vi um rosto, não sabia quem era. Fiquei um tempo olhando, até que que  dois olhos apareceram na lente do olho mágico, logo abaixo do cabelo loiro, e senti um calafrio, ao mesmo tempo que levei à mão à boca para conter um grito de puro horror: eram os olhos de Tércio que me olhavam naquele rosto! O mesmo olhar que a tudo abrangia, azul e taciturno, quase preguiçoso, encimado por um par de sobrancelhas arqueadas e loiras. 

Meu coração quase saiu pela boca. Encostei-me à porta. A campainha soou novamente. Sem olhar outra vez no olho mágico, abri a porta devagar, e lá estava ela: a jovem do velório! Abri totalmente a porta, e ela ficou me olhando de cima abaixo, e lembrei-me de que eu vestia um pijama surrado de Tércio. Eu não conseguia dizer palavra, e ela percebendo minha dificuldade, estendeu-me uma mãozinha pequena e frágil, e com uma voz pequenina como a de um de beija-flor,ela disse:

-Olá! Meu nome é Verônica! Posso entrar?

Aceitei aquela mão, que desapareceu dentro da minha, entre meus dedos finos, ossudos e longuíssimos. 
Levei-a até o sofá e ela se sentou. Permaneci de pé, olhando para aquela criatura quase etérea de tão frágil em aparência, mas que tinha, ao mesmo tempo, uma força anímica que me transpassava. Vi que era bonita. parecia um anjo. Mas não, ela não poderia ser um anjo, pois provavelmente, era amante de meu marido! Como Tércio poderia ter se envolvido com uma criaturinha daquelas, assim, tão frágil e tão jovem? Ele sempre me dissera que gostava de mulheres fortes, e que por isso, me escolhera!

Verônica aceitou o copo de água que lhe ofereci, mas recusou o café. Sentei-me finalmente na poltrona em frente a ela, com meu olhar cortante e  inquisidor, achando que assim eu a intimidaria. Eu era alta e magra, poderosa, bem  maior que ela. Fiquei repetindo para mim mesma que se Tércio tivesse que escolher entre uma de nós, escolheria a mim. Levantei-me . Acendi um cigarro (tinha um maço na gaveta da estante, embora tivesse parado de fumar há mais de dois anos, mas achei que aquilo me faria parecer mais forte). Sentei-me de novo.

Ela suspirou. Vi que a fumaça a incomodava, então traguei bem forte e soltei a fumaça na direção do rosto dela. Achei que eu deveria falar primeiro.

- O que você quer? Quem é você?

Ela se mexeu no sofá, cruzando as mãos em volta dos joelhos. 

-Meu nome é Verônica.
-Disto eu já sei.
-Sou ... bem, eu sou...
-Amante de meu marido.
-O quê?
-Amante de meu marido.
-Não!!!
-Não?!
-Não. Sou a filha dele.



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